“Eu poderia estar matando, eu poderia estar roubando, mas estou aqui humildemente…” fazendo o papel de escancarar a falta de moral, ética e responsabilidade da imprensa atual. E a bola da vez para encher a população de desinformação (e encher os bolsos das empresas com dinheiro vindo de acessos) é o ciclone bomba que “vai” e depois “não vai mais” acontecer no sul do Brasil nesta semana. Ciclone bomba este que já não ia passar pelo país desde o princípio.
Alguns dos principais órgãos, institutos e empresas de meteorologia atuantes no Brasil são o INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), a Simepar (Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná), a MetSul e o Climatempo. Estes são fonte de informações climáticas para todo o Brasil, e é a partir de boletins de previsões vindos deles que a imprensa obtém informações sobre o tempo que embasam seu noticiário.
O problema é que, muitas vezes — mais vezes do que julgo admissível acontecer — a mídia ou se engana na interpretação de dados e noticia a previsão incorretamente, ou encarna o espírito de Nelson Rubens e pratica o “eu aumento mas não invento”. Só que, enquanto agir assim com informações sobre celebridades só prejudica as próprias celebridades, agir assim com informações climáticas causa prejuízos a todos, levando a população ao desespero quando a mentira é sobre eventos extremos, que podem destruir residências e até mesmo causar mortes. Como um ciclone bomba.
Ciclogênese explosiva é o nome oficial do fenômeno apelidado de ciclone bomba, que também pode ser chamado de bomba meteorológica ou bombogênese. Um ciclone bomba ocorre quando há uma queda drástica de pressão em cima de um ciclone extratropical.
Willians Bini, meteorologista e climate business strategist, explicou ao Drops o seguinte:
“Nesta época do ano, entre primavera e verão, é muito comum nós termos a ocorrência de ciclones, os chamados ciclones extratropicais. Geralmente quando temos uma frente fria um pouco mais intensa, ela está associada à formação de ciclones. O que muda muitas vezes é a intensidade e o posicionamento dos ciclones. Muitos se formam em alto mar e provocam ali uma agitação marítima, provocando às vezes um pouco mais de chuva na região costeira”.
Quanto maior essa queda de pressão em cima do ciclone extratropical, maior será sua força, podendo ser tão intenso quanto um furacão. Ventos de mais de 200 km/h podem acontecer em eventos extremos, e nestes casos as consequências podem ser catastróficas para territórios próximos da região onde o ciclone se formou no mar. Ciclones tropicais e extratropicais costumam ter ventos entre 60 e 120 km/h, em média.
“O ciclone desta semana também se forma em alto mar, então ele vai ter sim condições de ventos fortes em alto mar, provocando algumas chuvas mais intensas, mas não tem nenhum risco de situações severas por conta de um ciclone mais poderoso”, esclarece Bini sobre o evento do momento.
Então, um ciclone “bomba” é, como o nome indica, uma “bomba de destruição”. Contudo, justamente por se tratar de um evento extremo que não ocorre com a mesma frequência dos ciclones extratropicais comuns, é preciso muita cautela na hora de afirmar que um evento do tipo é realmente uma “bomba” — o que não vem acontecendo, como mostra o lamentável caso desta semana.
O meteorologista também critica o uso inconsequente deste termo. “Eu particularmente não gosto dessa denominação de ‘ciclone bomba’, o termo foi criado mais recentemente para evidenciar algo mais intenso, e eu não gosto porque claramente passa a ideia de ser algo explosivo, uma coisa muito forte — e a mídia adora esse tipo de coisa. Eu não gosto de notícias exageradas, que usam termos mais chamativos para assustar a população, porque a maioria das pessoas são leigas nesse assunto”.
Até ontem, quem pesquisou por notícias e vídeos sobre o ciclone bomba, que supostamente estaria chegando ao sul do Brasil nesta semana, talvez tenha entrado em desespero com tantos sites e youtubers “confirmando” a ocorrência deste fenômeno devastador. Entre essa galera, estavam links da MetSul e do Climatempo já desmentindo a informação. Mas a imprensa deu de ombros para a verdade, já que anunciar que “não vai ter ciclone bomba” não renderia tantos acessos quanto “ciclone bomba pode chegar amanhã”.
“Pode” indica que talvez aquilo aconteça. Só que em momento algum isso foi verdade. Nenhum modelo climático divulgado até então expressava essa possibilidade, de fato. Honestamente não me aprofundei nesta investigação para chegar à origem da “confusão” — entre aspas mesmo —, mas apurei, sim, em todos os canais de divulgação da MetSul, Climatempo, INMET e Simepar em busca de qualquer vírgula que pudesse ser erroneamente interpretada como uma exclamação. E não encontrei nada.
Fato é que, quando um veículo grande (e cujo nome ainda é respeitado, como é o caso de Globo, Terra, iG, etc) diz que algo assim pode acontecer, todo mundo vai na onda (incluindo outros veículos da imprensa, menores ou de nicho). E, novamente, as redações atuais não se dão mais o trabalho de apurar nada. Seja pelo sucateamento do jornalismo, seja pela ganância de seus empregadores que exigem apenas o “mais” e dispensam o “melhor”, os jornalistas não estão mais sendo jornalistas, assumindo o papel de meros produtores — ou, no caso, reprodutores — de conteúdo.
E conteúdo muitas vezes enganoso, como é o caso do ciclone bomba que em momento algum chegaria ao Brasil nesta semana, e muito menos “não vai mais chegar” como foi noticiado em seguida, hoje, pelos mesmos agentes do caos, digo, da desinformação.
A cara de pau é tamanha que, em vez de publicarem erratas admitindo o engano ao anunciar a chegada de um fenômeno climático extremo, ou de atualizarem suas matérias corrigindo a informação, deixaram a m*rda feder por dias para, então, publicar outra matéria igualmente mal caráter agora dizendo que “não vai mais ter ciclone bomba”. Ou seja: sensacionalismo em cima de outro sensacionalismo, usando uma informação que nunca existiu.
“MetSul e Climatempo realmente já desmentiram [a informação de que aconteceria o ciclone bomba]. Eu não sei onde isso surgiu, mas [dar esse tipo de notícia] é para criar essas confusões, essas notícias fake que sempre rolam com informações climáticas”, concorda Bini.
Willians Bini esclarece e informa a previsão real, confiável e nada escandalosa para os próximos dias.
“A previsão é: a frente fria avança, podemos sim ter chuvas mais fortes entre segunda e quarta-feira na região sul, alguns pontos mais isolados com chuva forte, mas não há nenhum alerta real de condições extremas. Trata-se de um ciclone sobre o oceano sem maiores impactos, a frente fria chega ao sudeste ao longo da segunda metade da semana trazendo chuvas mas nada fora do normal, fora da climatologia desta época do ano. Apenas o destaque de que vai esfriar, fazendo um frio incomum para esta época do ano, mas isso por conta da massa de ar que vem logo na sequência. De forma geral, o Brasil nesta semana não tem nenhum alerta específico de algo significativo sobre ventos e chuvas anormais”.
Nenhum alerta sobre ventos e chuvas anormais, tampouco sobre um ciclone bomba assolando a região sul, já muito maltratada pelas chuvas catastróficas que destruíram muitas cidades do Rio Grande do Sul recentemente.
Chamar de irresponsável o que a imprensa fez nesta semana, ao anunciar a chegada de um ciclone bomba no sul do Brasil, é pouco. Uma notícia enganosa como essa é por si só irresponsável em qualquer ocasião, mas em especial neste momento fazer isso é desumano, perverso — e ouso dizer que este comportamento beira o criminoso.
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