(Imagem: divulgação Colossal Biolabs via Instagram)
Nos últimos dias, uma notícia que parecia boa demais pra ser verdade viralizou nas redes sociais: uma empresa de biotecnologia teria conseguido reviver o lobo terrível (do inglês dire wolf), uma espécie que estava extinta há mais de 10 mil anos.
Mas, como quase toda notícia que é boa demais pra ser verdade, essa também não era verdade.
Primeiro vamos deixar claro: não, ninguém reviveu o lobo terrível. Mas isso também não quer dizer que não aconteceu um grande avanço na ciência – só não foi tão grande quanto a ideia de “desextinção” que está sendo propagada.
Como bem explica O Clube da Ciência no Instagram, o que aconteceu foi que a Colossal Biosciences conseguiu aperfeiçoar uma técnica de edição de DNA para criar 3 filhotes “inspirados” no lobo terrível.
Essa técnica de edição é bem parecida com aquilo que é mostrado no filme Jurassic Park, que combina DNA antigo extraído de fósseis com edição genética do DNA de animais que ainda existem na Terra.
Desta forma, o que a Colossal fez foi alterar 14 genes do lobo-cinzento (Canis lupus) para que os filhotes nascessem com aparência e pelagem similar ao do extinto lobo terrível (Aenocyon dirus).
Isto quer dizer que não houve uma “desextinção” porque o genoma original do lobo extinto não foi reconstruído, apenas se editou os genes de aparência de um lobo “comum” para que os filhotes que nascessem forem parecidos com o lobo terrível.
Então, não é que uma empresa privada conseguiu trazer de volta o lobo terrível. O que ela fez foi usar técnicas avançadíssimas de extração e edição de DNA para criar um lobo-cinzento que faz cosplay de lobo terrível.
Mais uma vez, deixar aqui bem claro: a técnica usada pela Colossal Biosciences para a criação desses lobos é um enorme avanço e pode ser usada para salvar espécies que estão ameaçadas de extinção – o lobo-vermelho, por exemplo.
Mas a forma como esse avanço foi anunciado é complicada, pra dizer o mínimo. Principalmente por usar palavras como “ressurreição genética” no slogan do anúncio, o que em si já é uma forma de desinformação. Até porque, como já explicamos, não ocorreu ressurreição de nada.
Tudo bem, alguns biólogos da empresa podem até tentar se defender de que se esses filhotes se parecem com um lobo terrível, então eles são um lobo terrível. Mas esta lógica é tão fraca que pode ser facilmente quebrada por qualquer usuário mais sensato de rede social.
O irônico é que parece ter acontecido aqui uma “quebra” do intermediário. Normalmente cientistas publicariam uma explicação do experimento que permitiu a eles criar filhotes de lobo-cinzento com características físicas do lobo terrível, e todas as publicações não-especializadas iriam falar que “Cientistas revivem lobo extinto há mais de 10 mil anos” para chamar cliques, e aí os perfis especializados em jornalismo científico teriam que ficar dias desmentindo a informação.
O ciclo aqui se repete, mas sem o intermediário da imprensa. Afinal, são os próprios cientistas que estão promovendo essa história falsa de que ocorreu uma “ressurreição genética” e uma “desextinção”.
E o motivo para isso é bem simples: ao contrário de boa parte das descobertas deste tipo, que acontecem nos laboratórios de universidades e institutos de pesquisa, essa história do lobo cinzento partiu de uma empresa privada. E como empresa privada, o objetivo principal dela não é a ética científica, mas o lucro.
Por isso o uso de expressões tão falsas como “ressurreição genética” e “desextinção”: a empresa precisa criar hype para atrair investidores, melhorar seu valor de mercado e garantir o lucro dos acionistas. E “a gente reviveu um lobo extinto!” é uma mensagem que chama muito mais atenção do que “a gente modificou um lobo comum para parecer com um lobo extinto”.
Aqui eu vou ter que ser meio pedante, mas uma coisa que ninguém está comentando nessa história e que eu acho um absurdo: o nome dos lobos.
Como já sabemos, foram três filhotes de lobo que nasceram com as características físicas do lobo terrível. Dois deles se chamam Romulus e Remus (inspiração na história de Rômulo e Remo, os dois jovens que teriam sido criados por lobos e que fundaram Roma. 10/10, sem defeito, nome perfeito pra lobos), mas é o nome do terceiro lobo que me faz entrar em depressão profunda sempre que eu escuto.
Khaleesi. Fucking Khaleesi.
Eu achei esse nome extremamente burro e uma prova de que ninguém do marketing dessa empresa conhece Game of Thrones além de que é uma série que fez muito sucesso. Tipo, eu não tenho absolutamente NENHUM problema com o conceito de nomear um dos lobos fazendo alusão às Crônicas de Gelo & Fogo – principalmente porque o George R.R. Martin parece ter sido um dos investidores nesse projeto (informação que eu ouvi mas não consegui checar se é verdade).
O meu problema é com a escolha do nome Khaleesi. Tipo, a gente tá falando de uma história que tem CINCO lobos terríveis como personagens dela, um deles que é todo branco exatamente igual ao filhote que nasceu. Então, esse lobo já tinha um nome perfeito prontinho pra ele: Ghost, o cachorro/dire wolf de Jon Snow.
Jon Snow e Ghost no final de Game of Thrones (Imagem: captura de tela)
E fora ele, tinha opções melhores: Nymeria, Lady, Grey Wind. Você tem toda uma FAMÍLIA INTEIRA que o escudo dela é um lobo terrível (os Starks) para dar nome a esse lobo. Chama de Ned, Rob, Jon, Rickard, Arya, Sansa. Qualquer um. O Martin escreveu 2 milhão de anos de história dos Stark, escolhe qualquer nome ali da família que seria melhor. Até Shaggydog era um nome mais aceitável.
Mas não, quiseram nomear o lobo a porra de Khaleesi. Um nome que, na melhor das hipóteses, é uma referência direta à Daenerys Targaryen, que tem como símbolo um dragão; e na pior, a um pronome de tratamento do povo dothraki, que tem como símbolo o cavalo.
Então você ignora 2 milhões de ótimos nomes que fazem uma ligação direta entre Game of Thrones e lobos e escolhe justo o nome é que o mais “popular”, mas não tem absolutamente nada a ver com lobos.
E o pior: você ainda convida o George R.R. Martin para ir conhecer os lobos pessoalmente! Eu fico imaginando que ele deve ter se sentido aquele meme do Chico Buarque quando falaram que aquele lobo tinha sido inspirado no trabalho dele, só pra revelar que o nome dele era Khaleesi.
Enfim, entendo a tentativa de golpe de marketing, mas poderia ter tido um mínimo esforço na escolha do nome e não só perguntar pro Chat GPT qual é o nome mais popular que envolve Game of Thrones.
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