Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma nova abordagem nanotecnológica para remover micro e nanoplásticos da água. Resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados no periódico Micron.
Como destacam os autores, os microplásticos tornaram-se onipresentes no mundo contemporâneo. E, depois da emergência climática e da acelerada extinção de espécies e ecossistemas, constituem, talvez, um dos mais importantes problemas ambientais da atualidade. Eles estão na terra, nas águas, no ar e no interior dos corpos animais e humanos. Oriundos de produtos de consumo comuns no cotidiano e do desgaste de materiais maiores, têm sido encontrados em toda parte, nos mais diversos ambientes. Uma fonte importante é a lavagem de roupas compostas por fibras sintéticas: saindo junto com a sujeira na água de descarte, os microplásticos vão chegar ao solo, aos lençóis freáticos, aos rios e, finalmente, ao oceano e à atmosfera.
Definidos como fragmentos de até 1 milímetro, os microplásticos propriamente ditos são um problema bem identificado e visível. Contudo, os nanoplásticos, mil vezes menores, estão se mostrando uma ameaça ainda mais insidiosa. Porque podem penetrar barreiras biológicas importantes e alcançar os órgãos vitais. Um estudo recente, por exemplo, detectou a presença de microplásticos presença no cérebro humano.
“Essas partículas são invisíveis a olho nu e não detectáveis pelos microscópios convencionais, o que as torna ainda mais difíceis de identificar e remover dos sistemas hídricos”, conta o pesquisador Henrique Eisi Toma, professor do Instituto de Química (IQ-USP) e coordenador do trabalho.
O procedimento desenvolvido na USP utiliza nanopartículas magnéticas funcionalizadas com polidopamina, um polímero derivado da dopamina, neurotransmissor presente no organismo humano. Essas nanopartículas têm a capacidade de se ligar aos micro e nanoplásticos, permitindo que sejam removidos da água por meio da aplicação de um campo magnético.
“A polidopamina é uma substância que imita as propriedades adesivas de moluscos marinhos, capazes de se fixar em superfícies de maneira extremamente resistente. Aderindo firmemente aos fragmentos de plástico presentes na água, ela permite que as nanopartículas magnéticas os capturem. E, com o auxílio de um ímã, esse material indesejável pode ser removido do líquido”, explica Toma.
O processo já demonstrou ser eficaz na remoção de micro e nanoplásticos da água, especialmente em sistemas de tratamento. No entanto, além de remover as partículas, o grupo de pesquisadores está concentrado em sua degradação. Para isso, utiliza enzimas específicas, como a lipase, que consegue degradar o plástico PET em seus componentes básicos. Com a aplicação das enzimas, o plástico é decomposto em moléculas menores, que podem ser reutilizadas na produção de novos materiais plásticos. “Nosso objetivo é não só remover os plásticos da água, mas também contribuir para sua reciclagem de maneira sustentável”, afirma o cientista.
O PET, politereftalato de etileno, utilizado como matéria-prima de garrafas plásticas e outros itens, é um polímero altamente poluidor, cuja degradação gera ácido tereftálico [C6H4(COOH)2] e etilenoglicol [C2H4(OH)2], ambos tóxicos. “A lipase o decompõe nas formas iniciais, que podem ser reutilizadas na síntese do novos PETs. Nosso estudo se concentrou no PET, mas outros pesquisadores podem juntar enzimas específicas para processar plásticos diferentes, como poliamidas, náilon etc.”, destaca Toma.
No estudo em pauta, nanopartículas magnéticas de óxido de ferro (II, III) [Fe₃O₄] foram sintetizadas por meio de coprecipitação. E, posteriormente, revestidas com polidopamina (PDA), por meio da oxidação parcial da dopamina em solução levemente alcalina, formando Fe₃O₄@PDA. Sobre esse substrato, foi imobilizada a enzima lipase. Microscopia Raman hiperespectral foi empregada para monitorar, em tempo real, o processo de sequestro e degradação dos microplásticos.
A palavra “plástico” se aplica a uma amplíssima gama de materiais sintéticos ou semissintéticos compostos por polímeros, na maioria das vezes derivados de combustíveis fósseis. Sua maleabilidade, flexibilidade, leveza, durabilidade e baixo custo fizeram com que se tornassem presentes em incontáveis produtos utilizados no cotidiano. A preocupação com os resíduos gerados por esse uso superintensivo fez com que se buscassem alternativas. Uma delas são os chamados bioplásticos. Em vez de serem produzidos a partir de matérias-primas petroquímicas não renováveis, os bioplásticos derivam de fontes renováveis e biodegradáveis.
“A ideia é boa. O problema é que, antes de se degradarem completamente, os bioplásticos também se fragmentam, formando micros e nanobioplásticos. E esses materiais, por serem biocompatíveis, são ainda mais insidiosos, porque podem interagir mais diretamente com nossos organismos, desencadeando reações biológicas”, alerta Toma.
Outra informação bastante preocupante veiculada pelo pesquisador é a de que a água mineral engarrafada pode estar ainda mais contaminada por bioplásticos do que a água tratada que chega às torneiras. “Isso porque essa água tratada passa por processos de filtragem, coagulação e flotação, que eliminam grande parte dos resíduos. Já a água mineral, que é melhor sob vários aspectos, como leveza, riqueza em sais, sabor etc., não recebe esse mesmo tipo de tratamento, porque isso destruiria suas propriedades. Assim, se o ambiente em que é coletada estiver contaminado por bioplásticos, essas partículas chegarão ao consumidor final”, conta.
Como se depreende, o desafio é grande, e as respostas não são óbvias. A nanotecnologia agora apresentada por Toma e colaboradores oferece uma solução promissora para um problema que está apenas começando a ser compreendido em toda a sua extensão. O cientista incentiva outros pesquisadores a avançar na busca de soluções. E, mais ainda, conclama os gestores públicos a encarar com seriedade a questão.
*Por José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
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