Da Agência Bori. O jornalismo científico está escondendo algo de você. Não por descuido, mas por design. Entre rigor infinito e simplificação descabida há um meio-termo estreitíssimo onde percorre a divulgação científica eficaz e responsável. É o espaço em que “toda a verdade” deixa de caber e onde apenas a “verdade necessária” sobrevive.
Quando se desvia desse caminho, o que chega ao público pende mais ao ruído e ao entretenimento do que ao esclarecimento. É nesses desvios que proliferam, de um lado, textos que ninguém entende e, de outro, notícias sobre alimentos milagrosos ou asteroides com formatos estranhos tratados como naves alienígenas.
Toda divulgação científica acontece dentro de um atrito permanente: a linguagem que produz conhecimento não é a linguagem que produz compreensão pública. O linguista e poeta Carlos Vogt (ex-reitor da Unicamp, ex-presidente da Fapesp, onde criou a Agência Fapesp, e atual presidente da Fundação Conrado Wessel) colocou essa tensão numa figura simples e poderosa: a Espiral da Cultura Científica.
Nela, a ciência nasce num quadrante esotérico, cifrado, onde circula entre especialistas. À medida que avança pela espiral — ensino para formação de cientistas, atividades que despertam interesse pela ciência e, por fim, a divulgação —, essa linguagem é obrigada a se transformar, indo do técnico ao cultural. E esse percurso não dilui a ciência, mas permite que ela exista publicamente.
“É o encontro da ciência e da poesia. É a transformação da linguagem objetiva, literal, cifrada, codificada da ciência, na linguagem poética, analógica e feita de imagens capazes de produzir essa sensibilização”, diz Vogt. É nessa altura que a máxima declamada pelo físico Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, deixa de ser retórica e vira método de trabalho: “dizer a verdade, nada além da verdade, mas não necessariamente toda a verdade”.
Nussenzveig, estudioso nas áreas de óptica e física atômica e um dos defensores mais eloquentes da responsabilidade comunicacional dos cientistas, insiste no óbvio que costuma passar batido: a ciência não exige fé, mas compreensão do procedimento. O público não precisa receber “o todo”, mas a fração inteligível do método. E isso só acontece quando a linguagem é adequadamente transposta — em intensidade, direção e sentido.
Ele explica que um dos gargalos da divulgação científica é lidar com verdades temporárias e incertezas. “Ciência é processo, ciência é método: não se confia nos resultados, confia-se nos procedimentos, que devem permanecer abertos a críticas e dúvidas honestas. Resultados mudam; hipóteses caem.” A divulgação, segundo ele, precisa tratar explicitamente dessa instabilidade.
Nussenzveig também observa que pesquisadores não deveriam ser apresentados como um conjunto de métricas — número de artigos e citações — mas por suas contribuições ao método e ao esclarecimento de um problema. “Toda a ciência se resume a essa atitude: questionar a autoridade. Nullius in verba [nas palavras de ninguém ou questione a autoridade]”, diz, parafraseando o lema da Royal Society.
A contribuição para a ciência da bióloga e professora da UnB Mercedes Bustamante é a compreensão da ecologia de ecossistemas e a relação deles com a mudança climática, em especial do cerrado. Ela recusa a ideia de que comunicar ciência é “convencer pessoas”. Para ela, o trabalho é diferente: esclarecer com fatos que façam sentido na experiência tanto daqueles que decidem quanto de quem é afetado pelas decisões.
“Não é convencimento, é esclarecimento. As pessoas, munidas dos fatos, se convencem naturalmente. Por exemplo: as perdas são muito maiores do que os ganhos se não conservarmos os ecossistmas”. Para ela, o desafio é justamente transpor o conhecimento para o terreno das escolhas reais: como conservar um bioma quando há pressão por exploração de petróleo? Como explicar que as perdas acumuladas tendem a superar os ganhos imediatos? Há de se inserir o conhecimento científico na tomada de decisão — e não apenas no noticiário.
Bustamante também aponta a necessidade de sintonia entre cientistas e jornalistas. A divulgação eficaz exige movimento nos dois sentidos: pesquisadores dispostos a ajustar a linguagem sem abrir mão do método, e jornalistas dispostos a entender o método sem sacrificar a inteligibilidade. Só nessa convergência a “verdade necessária” encontra terreno fértil e se torna capaz de produzir transformação real.
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