Vegetação recuperada na Mata Atlântica dura cada vez menos - Drops de Jogos

Vegetação recuperada na Mata Atlântica dura cada vez menos

Prováveis causas da diminuição são avanço da agricultura e legislação que permite intervenções nos estágios iniciais de recuperação

(Créditos: wirestock/Freepik)

Na Mata Atlântica, vem ocorrendo uma redução progressiva da vida útil das florestas secundárias – formadas quando a cobertura vegetal original recupera-se naturalmente – prejudicando funções ecológicas importantes, como o estoque de carbono. A conclusão está em uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, baseada em uma revisão dos métodos para quantificar e avaliar a qualidade da recuperação de florestas tropicais.

O estudo sugere que essa diminuição é consequência do avanço de cultivos agrícolas na região e da legislação sobre a Mata Atlântica, que não proíbe intervenções na fases iniciais da regeneração da vegetação. “A modelagem do ganho de cobertura florestal, também conhecida como modelagem espacialmente explícita ou modelagem de mudanças do uso da terra, utiliza dados passados e atuais de uso da terra para projetar cenários futuros de distribuição espacial da paisagem”, explica ao Jornal da USP o engenheiro florestal Frederico Miranda, que realizou a pesquisa para elaborar sua tese de doutorado na Esalq.

“Uma das principais vantagens dessa abordagem é a possibilidade de explorar cenários políticos, como mudanças em leis ambientais, e climáticos, como alterações nos padrões de chuvas, permitindo ajustar decisões de gestão no presente para otimizar resultados futuros favoráveis à conservação”, afirma Miranda. “No entanto, as projeções enfrentam desafios de precisão devido à imprevisibilidade inerente às dinâmicas florestais tropicais, à alta variabilidade temporal nos processos de perda e ganho de floresta e à recorrência de cortes em florestas secundárias. Esses fatores limitam a precisão dos mapas futuros gerados pelos modelos.”

De acordo com o pesquisador, a primeira parte da tese consistiu em uma revisão sistemática de artigos que utilizaram modelagem espacialmente explícita para criar cenários futuros de regeneração natural. “Nesse caso, todas as regiões tropicais e subtropicais foram abordadas, embora a grande maioria dos estudos estivesse concentrada na América do Sul, com destaque para o Brasil”, descreve. “Essas regiões possuem características ímpares, como alta produtividade primária, que permite o crescimento rápido das florestas, combinada com demandas socioambientais complexas, especialmente em países em desenvolvimento”, relata Miranda.

“Ambas as características são consideradas estratégicas para iniciativas de restauração florestal voltadas à mitigação das mudanças climáticas”, diz. “A segunda parte da tese focou em um estudo de caso no bioma Mata Atlântica, que abrange aproximadamente 1,1 milhão de km² e que em 2023 conservava apenas 27% de sua cobertura florestal original. A Mata Atlântica é reconhecida como um hotspot de biodiversidade, abrigando também cerca de 70% da população brasileira em sua área.”

Recuperação da Mata Atlântica

Segundo o engenheiro florestal, a regeneração natural tem sido o principal mecanismo de recuperação da cobertura florestal nativa em diversas regiões tropicais. “Esse processo consiste no restabelecimento espontâneo da vegetação nativa após distúrbios como desmatamento, incêndios ou deslizamentos, sem intervenção humana direta”, observa. “Com o tempo, essas áreas evoluem para o que denominamos florestas secundárias.”

“No entanto, nas regiões tropicais, essas florestas secundárias apresentam baixa permanência na paisagem, sendo frequentemente submetidas a cortes recorrentes”, salienta Miranda. “Essa dinâmica é impulsionada por múltiplos fatores: demarcação de posse de terra, preservação do valor futuro da propriedade, prevenção do alcance de estágios de desenvolvimento que confeririam proteção legal, e manutenção de sistemas tradicionais de agricultura itinerante (pousio)”, explica o engenheiro referindo-se ao período de repouso de terras agrícolas, interrompendo a cultura para tornar a terra mais fértil.

A pesquisa verificou um aumento na cobertura florestal nativa, porém os cortes frequentes comprometem a geração contínua e a qualidade dos serviços ecossistêmicos, particularmente no que diz respeito ao estoque de carbono. “Em termos práticos, o ganho florestal observado pode ser considerado de baixa qualidade ecológica, pois seu potencial máximo não é alcançado devido à interrupção constante do processo sucessional”, ressalta o engenheiro florestal.

“Na segunda parte da tese, revelamos uma tendência ainda mais preocupante: a vida útil das florestas secundárias na Mata Atlântica está diminuindo progressivamente”, aponta o pesquisador. “Esse fenômeno parece ser um efeito colateral de dois processos simultâneos: a expansão de cultivos como cana-de-açúcar e soja sobre áreas de pastagem, e a aplicação da Lei Federal nº 11.428/2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica.”

De acordo com Miranda, a lei criou uma proteção mais robusta, por exemplo, com o corte mediante autorização em casos excepcionais, como utilidade pública e interesse social, das vegetações primárias ou secundárias em estágios avançados e médios de regeneração, ou seja, florestas mais velhas e formadas. “No entanto, a lei não proíbe a intervenção em estágios pioneiros e iniciais de regeneração”, ressalta. “Isso significa que um proprietário rural que tenha áreas em processo de regeneração natural, por exemplo, em um terreno abandonado, realiza a limpeza ou corte da vegetação antes que ela atinja os estágios médio ou avançado, evitando, assim, que a área se torne protegida por lei e inviabilize o uso futuro desse terreno.”

Permanência

Segundo Miranda, diversos estudos indicam que o aumento das florestas secundárias está ocorrendo paralelamente ao desmatamento de florestas maduras, resultando em um processo de rejuvenescimento da Mata Atlântica. “Essa transformação estrutural tem implicações significativas para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, uma vez que florestas mais jovens possuem características ecológicas distintas das florestas maduras”, conclui.

“Identificamos lacunas significativas na literatura revisada, desenvolvemos diretrizes metodológicas para representar de forma mais realista a dinâmica da regeneração natural característica das regiões tropicais. Já o estudo de caso realizado na Atlântica representou um avanço significativo na compreensão da dinâmica das florestas secundárias, através da quantificação e mapeamento detalhado de seus padrões espaciais e temporais”, diz o engenheiro florestal.

“Os resultados obtidos evidenciam a necessidade urgente de implementar medidas que aumentem a permanência ou, idealmente, garantam a perpetuidade dessas florestas na paisagem, assegurando assim a plena realização de seus benefícios ecossistêmicos”

“Contudo, para a formulação de estratégias eficazes que revertam a atual tendência de cortes recorrentes, torna-se imprescindível aprofundar os estudos sobre as múltiplas causas subjacentes a esse fenômeno”, recomenda o pesquisador. “A complexidade desses fatores demanda uma abordagem interdisciplinar que considere tanto aspectos biofísicos quanto socioeconômicos, permitindo assim o desenvolvimento de políticas de conservação e manejo florestal verdadeiramente efetivas.”

A pesquisa foi orientada pelo professor Pedro Brancalion, da Esalq, com coorientação de Paulo Molin, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e do professor Sean Sloan, da Vancouver Island University, Canadá. Durante a realização do trabalho, o pesquisador participou do Emerging Leaders of Americas Program (Elap), financiado pelo governo canadense, e teve bolsa da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

*por Júlio Bernardes | Jornal da USP

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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