Não é novidade que o MoMA (Museum of Modern Art, em Nova York) incorporou em seu acervo artístico 14 jogos digitais na condição de obras de Arte, em 2012, ao lado de artistas consagrados como Paul Cézanne (1839–1906), Auguste Rodin (1840–1917) e Vincent van Gogh (1853–1890), para ficarmos apenas em exemplos mais clássicos.
Igualmente, é de conhecimento geral a opinião lançada pelo articulista Jonathan Jones, no The Guardian, no dia seguinte, decretando a atitude do Museu como um erro. Mais tarde, Paola Antonelli, curadora de arquitetura e design do museu, responsável pela aquisição dos games, viria a público para defender sua decisão, ao afirmar acreditar que “o design é a mais elevada forma de expressão criativa”, descrevendo em seguida os games como “a forma mais pura de design de interação”.
Ainda que não enfatize em sua fala o caráter artístico dos jogos, Paola corajosamente levou os games para o museu. A curadora não está sozinha nesse pensamento e muitos estudiosos dedicam-se hoje a explicar a legitimação dos games como Arte.
Suzette Venturelli, docente e pesquisadora já anteriormente citada em nossos textos, acredita que a Game-Art “procura, na linguagem dos jogos eletrônicos, desenvolver uma poética artística interativa”, sendo esta poética em desenvolvimento “marcada por uma reflexão onde o lúdico simula situações ou testa ruptura na desconstrução de outros modelos sociais”.
Mas a história nos mostra como a crítica – mesmo especializada – muitas vezes se apresenta despreparada para compreender os novos caminhos da Arte, descreve o breve relato de Albert Wolff para o jornal Le Figaro, em 1876, sobre a Exposição de Impressionistas realizada naquele ano em Paris: “Entrei e meus olhos horrorizados se depararam com algo terrível. Cinco ou seis lunáticos, entre eles uma mulher, reuniram-se para exibir suas obras […] Esses pretensos artistas intitulam-se revolucionários, ‘impressionistas’. Tomam um pedaço de tela, cor e pincel, besuntam meia dúzia de manchas sobre ela ao acaso, e assinam o nome nessa coisa. É uma manifestação delirante”.
Será muito improvável que qualquer crítico de Arte, hoje, use palavras semelhantes para definir o trabalho destes artistas. Mas, passados mais de um século, a situação não é diferente hoje com a Mídia Art, gênero artístico presente há décadas na cultura contemporânea.
Arlindo Machado, doutor em comunicações e professor do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC/SP e do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA/USP, identificou o problema a esse respeito ainda em 1997, na já citada obra A Arte do Vídeo, ao conjecturar que “nossos critérios de julgamento e crítica não se tornaram suficientemente maduros para possibilitar uma avaliação desses trabalhos em termos de sua real importância, ou de sua contribuição efetiva para uma redefinição dos conceitos de arte e de cultura” (p. 54). Se assim é com a Arte Mídia, quais as perspectivas para a Game Art?
Henry Jenkins, professor de Comunicação, Jornalismo e Artes Cinematográficas na University of Southern California e um dos mais prolíficos pesquisadores de mídia, explica como as expressões artísticas são vítimas da incompreensão de seus avaliadores, ao resgatar informações da inclusão da linguagem cinematográfica no livro de The Seven Lively Arts, de 1924, do escritor e crítico cultural estadunidense Gilbert Seldes: “Os leitores da época ficaram céticos ante as afirmações de Seldes sobre o cinema por muitas das mesmas razões que os críticos contemporâneos desprezam os jogos – eles suspeitavam das motivações comerciais do cinema e suas origens tecnológicas, preocupados com os apelos de Hollywood à violência e erotismo, e insistiam que o cinema ainda não havia produzido obras de valor duradouro”.
No mesmo texto, Jenkins aproxima suas considerações das opiniões de Machado sobre a crítica à Mídia Arte, ao testificar que “neste momento, os críticos de jogos representam uma força conservadora na inovação estética, com a maioria dos comentários organizada em torno de preferências de gênero pré-existentes. Eles também estão mais organizados em torno de elementos técnicos em oposição ao impacto emocional do jogo ou seus fundamentos estéticos”.
O crítico de cinema Roger Ebert seria uma das primeiras personalidades a expressar publicamente suas objeções à ideia de games como expressão artística, em um debate em 2005. Para ele, a interatividade proporcionada pela interação virtual nos games poderia arruinar obras consagradas, a exemplo de Romeu e Julieta, que poderia receber um final alternativo e feliz.
Em um artigo em 2010, Ebert afirmaria que “uma diferença óbvia entre a arte e os jogos é que você pode ganhar um jogo. Há regras, pontos, objetivos e um resultado. [Kellee] Santiago pode sugerir um jogo imersiva sem pontos ou regras, mas eu diria que ele deixa então de ser um jogo e torna-se uma representação de uma história, um romance, uma peça de teatro, dança, um filme. Essas são coisas que você não pode vencer; você só pode experimentá-las”.
Ao julgar o game apenas por sua vertente lúdica, o crítico se nega considerar a experiência proporcionada pela jornada na aventura e outras sensações como euforia, emoção e frustração ao longo de uma vivência imersiva nos ambientes digitais ou na superação de um desafio.
De volta à atualidade, Ralph Koster já defendia a ideia de games como expressões de Arte em seu livro The Theory of Fun in Game Design, de 2004, entendendo que a linguagem está para além do mero entretenimento. Em um artigo lançado em sua página, o autor retoma o assunto, com as seguintes declarações: “dizer que [o game] é uma arte menor porque requer a disciplina de engenharia de código de programação é também difamar algo como o filme, que apresenta uma elevada competência técnica necessária”.
Koster também se indispõe com as opiniões que apontam os games apenas como instrumentos de diversão: “A maioria das músicas também é apenas entretenimento, e a maioria dos romances é lida apenas por diversão; a maioria dos filmes é mero escapismo, e sim, até mesmo as mais belas fotos são apenas imagens bonitas. O fato de a maioria dos jogos ser apenas entretenimento não significa que isso é tudo o que eles estão condenados a ser”.
Esse texto integra nossa ampla reflexão a respeito do tema, observando exemplos de artes criadas a partir dos games e jogos digitais concebidos com a premissa de serem percebidos como mais do que apenas entretenimento. As opiniões expressas nesses artigos trazem o pensamento de tais debatedores sempre calcado em proposições acadêmicas e em busca de definições mais plenas acerca dos games e da arte como um imbricado conjunto de ações. Em breve, a parte IX da série.
Esse artigo é uma atualização do texto “Discutindo Game Art: Uma obra interativa com elementos lúdicos ou entretenimento digital como objeto de arte?”, produzido para o site Play’n’Biz, em 24 de janeiro de 2015.
Imagem: Kao Tokio