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GameCultura: A Game-Art é Arte? Artes Visuais e Cinema – Volume III

Em nosso último texto da coluna GameCultura, avaliamos o pensamento acerca da Arte como uma realização humana que vai muito além da produção material de uma obra, como visto no pensamento de Heidegger. Embora se trate de um recorte específico sobre tais conceitos, vale observar que estamos buscando na pesquisa dos principais pensadores da humanidade conteúdos capazes de balizar nossas interpretações sobre a Arte como fenômeno social e contemporâneo.

Como objetivo, pretendemos criar um contexto capaz de indicar as relações entre os preceitos da Arte em sua essência e os jogos digitais, estabelecendo aproximações e distinções que nos permitam um olhar criterioso para os games como expressão artística.

Até aqui, buscamos elementos para chancelar a Game-Art como uma dessas expressões. Se, por meio desses artigos, conseguirmos levar os gamers, críticos de arte e profissionais de áreas diversas em ambos os segmentos à reflexão sobre o Game como uma vertente artística, tanto quanto as linguagens consolidadas, como a dança, a literatura ou a vídeo-arte, já teremos percorrido um vasto caminho para pavimentar esses conceitos, ainda hoje controversos para muitos.

No texto anterior, observamos a tendência à interpretação da Arte como uma produção de autonomia subjetiva. Esse pensamento passou a ganhar força, em certa medida, a partir da libertação da Arte como recurso de representação da vida. Ou, nas palavras de Platão e Aristóteles, mímese e imitação.

Mas, se a representação do homem e da natureza serviram de base para a produção artística inicial, a situação mudaria a partir da invenção da fotografia, atribuída a Joseph Nicephore Niepce que, no final do século XVIII, já exibia a habilidade de ‘imprimir” a luz em uma superfície sem o uso de tintas ou pigmentos, por meio de processos químicos.

Foto: primeira imagem fotográfica de Joseph Nicephore Niepce

Desde então, muitos artistas e intelectuais, incluindo o poeta francês Baudelaire, enxergaram a fotografia como uma técnica de registro imagético totalmente libertadora para a arte, que deixou de ser um recurso exclusivo para a “cópia fiel do real” e abriu um novo campo para a expressão humana da criatividade, do pictórico ao conceitual.

“Que seja [a fotografia] enfim a secretária e bloco-notas de alguém que na sua profissão tem necessidade duma absoluta exatidão material”, escreveu o autor Phillipe Dubois, em O ato fotográfico, rompendo com o status de representatividade das artes. [1]

Embora à ocasião alguns artistas tenham perdido clientes para a novidade do registro fotográfico durante o advento da invenção, essa realidade abriu as portas da inspiração para tantos outros, possibilitando a criação de novas formas de composição de suas obras e do uso de técnicas mais experimentais, desencadeando verdadeiras escolas estéticas.

Foi com Manet que as primeiras ousadias estéticas começaram a se chocar com as escolas da arte naquele período, como nos rememora Gombrich: “ele abandonou o método tradicional de sombras suaves, em favor de contrastes fortes e duros, [que] causaram um clamor de protestos entre os artistas conservadores”. Mais à frente, em outro trecho sobre a produção artística de Manet, Gombrich relata que “as cabeças de Manet parecem planas. A dama de pé ao fundo não tem sequer um nariz propriamente dito [na obra ‘O Balcão’, de 1869]” [2].

Foto: O Balcão – Manet [1869]

Cerca de 15 anos mais tarde, o cinema produzia suas primeiras incursões e era visto como um recurso disponível para fins documentais e como curiosidade nas feiras em parques de diversão.

As artes não-realistas levariam ainda muito tempo para serem vistas como algo mais do que devaneios de seus criadores e receberem a chancela de uma produção com valor digno de admiração e o cinema só conquistou o status de Arte em 1912, a partir da idealização do “Manifesto das Sete Artes”, pelo teórico e crítico de cinema Ricciotto Canudo, também integrante do futurismo, um movimento artístico e literário italiano. [3]

Com base no até aqui relatado, portanto, eu lhes pergunto: se duas entre as mais importantes linguagens das Artes contemporâneas não foram chanceladas como expressões artísticas em suas primeiras décadas de existência, que sorte teriam criações como Pong, Space Invaders ou Tetris, tidas por muitos como curiosidades tecnológicas ou mero entretenimento, como aconteceu com essas linguagens antecessoras?

Assim como no passado para estas linguagens, um forte movimento avalia que as produções resultantes de programação, pixels, modelagens 3D e estrutura narrativa baseada em desafios e superação, não são elegíveis à categoria de obras de arte.

Apostando no rompimento desse pensamento estanque, alguns profissionais vêm desenvolvendo criações que colocam em cheque tais ‘verdades absolutas’, produzindo a Game-Art.

No próximo texto, veremos algumas manifestações das artes eletrônicas, digitais, cibernéticas e exemplos de criações inspiradas nos jogos digitais que dão concretude a um novo olhar sobre a arte de nosso tempo.

[1] https://pt.scribd.com/document/385966025/DUBOIS-PHILIPPE-O-ato-fotografico-pdf
[2] http://www.institutodehumanidades.com.br/index.php/h/277-historia-da-arte-de-ernst-gombrich
[3] https://portal.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/12781_POR+QUE+O+CINEMA+E+CONHECIDO+COMO+A+SETIMA+ARTE

Imagem: Expo Game Masters – ACMI Melbourne/Mark Ashkanasy [2012]

Kao Tokio

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