Como encarar seu próximo game: Comparando jogos e filmes, parte final. Por Renato Degiovani, colunista do Drops de Jogos - Drops de Jogos

Como encarar seu próximo game: Comparando jogos e filmes, parte final. Por Renato Degiovani, colunista do Drops de Jogos

Esta série de posts foi escrita com o objetivo de destacar alguns pontos comparativos entre a produção de filmes e de games, levando em conta duas coisas: Não seria a sua primeira aventura neste sentido e segundo por causa da aproximação que o setor de audiovisual vem intentando junto ao setor de games, em especial por conta do edital da Ancine.

Foto: Divulgação/ABRAGAMES

Deixei para o final a parte referente a vendas principalmente porque o edital irá usar a comercialização do seu game, para obter de volta o que te "emprestou" e ainda ganhar mais um pouco. Isso se o game vender, é claro.

Vamos ao exercício então…

Embora as regras de produção, tanto de jogos quanto de filmes, não tenham mudado muito nas últimas décadas, a comercialização andou passando por reformulações significativas. Elas se distanciaram ainda mais essas duas vertentes da produção cultural.

Participei uma única vez de uma produção audiovisual no final dos anos 70, como aprendizado dentro do curso de Comunicação Visual. Na época se usava como equipamento câmeras e projetores Super 8 e slides 35mm. Meu primeiro game foi feito num equipamento cuja resolução gráfica era de 64×48 pixels. Naquele tempo a receita para quem fazia filmes vinha essencialmente da venda de ingresso nos cinemas e a receita para quem fazia games vinha da venda de fitas K7, nas lojas.

Mundos completamente diferentes.

Hoje, quem faz um filme não tem apenas as salas de exibição para buscar receita. Ao logo dos anos surgiram o videocassete, DVD player, TV por assinatura (a TV aberta sempre foi muito difícil para produções independentes) e mais recentemente os canais de streaming.

Os games ampliaram seus canais além das lojas e foram parar em bancas de jornais, vendas pelo correio, download e mais recentemente as stores, ou lojas virtuais.

Tanto a evolução dos meios de produção de um filme, quanto a dos games exigiram mudanças no comportamento das pessoas responsáveis por "fazer o produto render" e a competitividade dos tempos modernos não permite uma margem de erro muito grande para esses profissionais. Percorrer e negociar com os meios atuais de distribuição de filmes não é nada parecido com percorrer as stores, colocando seu jogo à venda.

Mundos ainda completamente diferentes.

Se não são iguais ou correlatos, torna-se muito arriscado tratá-los dentro de um mesmo guarda chuvas ou conjunto de regras para concessão de recursos e/ou subsídios, que exigem retorno integral ao término de um período.

A dúvida aqui é: O pessoal do audiovisual tem ou terá a necessária compreensão dos mecanismos de venda dos games para traduzir isso em exigências contratuais? Mais do que justas, elas serão coerentes com a dinâmica dos próximos anos?

O edital fala em sete anos, retirando 80% do faturamento até "pagar" o investimento e depois disso 40% até findar o prazo (e mais 2% de qualquer outro produto correlato lançado por você). Não diz nada sobre o que acontece se não vender o suficiente, mas deixa claro que qualquer deslize você terá que devolver tudo, com juros, correção monetária e multa pesada, podendo chegar a 20% do valor do financiamento.

Sinceramente eu não faço a menor ideia de como é o desempenho comercial de um filme nos dias de hoje mas sei o que se desenha no horizonte de lançamento, para games nas faixas 250 mil, 500 mil e um milhão. Só para ficar nas stores, há uma retenção em torno de 30% em cima de preços pressionados para o mais baixo possível, sem contar o IR retido na repatriação do dinheiro. Do que restar, 80% ficarão para a Ancine até a quitação total.

Faça as suas contas.

Já vi contrato duro, mas nem empréstimo bancário, com 5% de juros ao mês e sem carência, me dão tanto arrepio na espinha quanto esse edital. Se der tudo errado, você estará numa complicação enorme e se der certo, muito certo, provavelmente você será o que menos ganhará com isso.

Eu sei, você sabe e toda a torcida do flamengo sabe também que se um game arrebentar a boca do balão na semana do lançamento, o financiamento pode ser pago integralmente nos primeiros dias. Por outro lado, quantos games, em cada 100 dos que são lançados todos os dias, atingem isso? O seu vai ser mais um entre tantos simplesmente porque o dinheiro que veio de fora não cria diferencial de mercado e não foi desenhado para isso.

Afinal, estão incentivando o que?

A minha conclusão é a mesma do primeiro post que escrevi sobre esse assunto: Leia várias vezes o edital, os anexos e, se possível, com um advogado junto.

Dinheiro é uma parte importante se você quer produzir games, ainda mais se e o seu primeiro jogo não rendeu o que você esperava e agora você está naquele ponto de achar a salvação da lavoura está finalmente logo ali na esquina.

Renato Degiovani é o primeiro game designer de jogos digitais, desde 1981. É colunista do site Drops de Jogos no espaço DEV.LOG, com textos regulares sobre sua experiência de décadas. Foi o desenvolvedor do jogo Amazônia, é conhecido na comunidade nacional do aparelho MSX, editou a revista Micro Sistemas e é responsável pelo espaço TILT Online.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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