Lembra do console Atari? Em especial o da segunda geração? Lançado em 1977, ele só chegou efetivamente no BR em setembro de 83. Claro que antes disso ele já era popular entre a moçada mais antenada – uma gíria daquela época. Mas o computador pessoal, que também estava em início de carreira, era muito mais instigante porque, além de jogar, o desafio era fazer games.
Os primeiros games daquela época, quando todo mundo era indie de carteirinha, eram feitos buscando uma transcrição ou simulação daqueles que eram jogados nas horas vagas – e nas não tão vagas assim também. Velha, Batalha Naval, Banco Imobiliário, Senha, Forca, 21 palitos, War, etc… E tome diversidade, pois ousar era sinônimo de inovar nas mecânicas funcionais, enredos, narrativas, etc.
Depois de esgotadas as referências veio a onda do "joguinho". Navinhas, corrida de carros, motos, lanchas, invasores espaciais. Correr, atirar e matar tornou-se o ponto alto desses games simplesmente porque velocidade é a marca da juventude. Isso se tornou desafiante e é muito legal. Principalmente se quem ou o que morre o faz com estardalhaço em efeitos especiais.
Os consoles eram tecnicamente limitados e os computadores não ficavam muito atrás, até que um dia a evolução do hardware permitiu o surgimento do FPS 3D, elevando a trinca "correr, atirar e matar" a patamares nunca antes vistos da história recente das diversões eletrônicas e digitais. Com uma plástica e dinâmica mais próxima da realidade, os games – tanto os de console, quando os de computador – tornaram-se um mercado que não poderia mais ser desprezado pelas forças do capitalismo.
Corta para 2016, mais precisamente para a cena indie BR. O que essa garotada está esbanjando em riqueza gráfica e visual, em sonoridade, jogabilidade, portabilidade e mais algumas "dades" não está no gibi, que é outra gíria antiga.
Mas ainda tem muito correr, atirar e matar. Isto não é bom nem ruim, muito pelo contrário. Se você quer massa palpável de usuários e depende disso por alguma razão, a fórmula está correta. Os grandes games usam esta estratégia até o limite do possível.
Lembra do Jogo da Velha ou do Batalha Naval? Pois então, eram jogos cuja proposta não era matar mas sobrepujar o inimigo com estratégia, inteligência e raciocínio. Melhor que ver o adversário morrer era ver ele ser obrigado a admitir a derrota e esse tipo de jogo nunca caiu em desuso ou deixou de ser apreciado pelos jogadores. Massivamente inclusive.
Percebeu a diferença entre esses dois modelos, ou não?
Se não conseguiu percebe-la pense no seguinte: Com o poder de processamento que está hoje em suas mãos, com os recursos técnicos e de comunicação disponiveis e (finalmente) com o setor de investimento em produtos de massa percebendo o potencial comercial dos games indies, por que razão você não ousa ir um pouco mais longe do que correr, atirar e matar?
Já tem desenvolvedor e/ou game designer pensando nisso. Já tem gente que diz, há algum tempo, que tem coisas que podemos experimentar de forma mais incisiva com nossos games. O problema talvez nem seja de produção, mas de divulgação.
A questão que fica no ar é: O esforço de "pensar" algo fora dos moldes tradicionais vai ter respaldo midiático ou melhor, vai ser devidamente reconhecido como tal? Os meios de divulgação, os investidores, gente que gravita ao redor da produção mas não está diretamente ligada a ela vai ser capaz de perceber as sutilezas da diversidade e o que ela representa de fato?
Corremos o risco de perder vários bondes de inovação, criatividade e diversidade se o chamado jornalismo de games (em especial o brasileiro) focar demais nas pirotecnias que custam cents ali na lojinha de assets da esquina.
Renato Degiovani é o primeiro desenvolvedor de jogos brasileiro, desde 1981. É colunista do site Drops de Jogos no espaço DEV.LOG, com textos regulares sobre sua experiência de décadas. Foi o desenvolvedor do jogo Amazônia, é conhecido na comunidade nacional do aparelho MSX, editou a revista Micro Sistemas e é responsável pelo espaço TILT Online.
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