Somos um grande mercado consumidor em expansão, com algumas empresas de desenvolvimento brasileiras que já ganham destaque internacional. Os eventos especializados crescem a cada ano, independente da crise econômica que afeta o Brasil e o mundo.
Ainda assim, segundo aponta o Mapeamento da Indústria Brasileira de Jogos Digitais de 2014, o faturamento de 75% das 120 empresas brasileiras mapeadas não passa de R$ 240 mil anuais, sendo que apenas 4% delas fatura mais de R$ 2,4 milhões. Em termos de indústria global, ainda estamos engatinhando, com empresas pequenas, muitas vezes sem registro formal e grande parte delas existe há menos de cinco anos.
Potencial não falta. Estamos presenciando a emergência de jogos de qualidade e projeção internacional, a consolidação de estúdios que sobrevivem ao fim do primeiro projeto e a formação de uma cena brasileira unida. Ela é fomentada por ações como o SPIN, SBGames e o Big Festival.
Nos últimos três anos eu me dediquei a estudar uma das possíveis saídas para impulsionar de vez o crescimento deste setor e, inspirado pelo impacto que algumas políticas públicas tiveram na consolidação de uma cadeia produtiva do audiovisual no Brasil. Observei como que os jogos digitais foram abordados sobretudo pelo governo federal nos últimos 12 anos.
Neste período, viajando e conhecendo desenvolvedores, empresários, investidores, pesquisadores, membros de associações e atores governamentais de ministérios e secretarias, cheguei a uma conclusão surpreendente a primeira vista: Sim, é possível dizer que existem políticas para jogos digitais no Brasil. E que sua temática é abordada por alguns dos programas governamentais existentes. Mas o que existe?
As políticas públicas para jogos digitais formuladas até hoje no Brasil são fruto ou da pressão de grupos específicos (ACIGAMES e ABRAGAMES principalmente), ou da ação de atores governamentais que são particularmente entusiastas desta mídia. Isso significa que o setor de games, ainda que composto por diversas especificidades e características próprias, tem grande parte de sua regulamentação e políticas embasadas em soluções improvisadas, implementadas como paliativos de uma solução definitiva e estruturada ainda vindoura.
Grande parte das iniciativas apresentam soluções pontuais e focadas em problemas específicos, com a construção de editais de fomento pontuais e sazonais, sem efetivo acompanhamento de resultados – como foi o caso do JogosBR e BRGames – que não promoveram o impacto necessário.
O fomento, por si só, pode criar um mercado amorfo, sem sustentação, e relegar a produção local à dependência do financiamento público. Políticas empreendedoras, como a inclusão de dispositivos de fomento ao audiovisual têm potencial para equilibrar a relação entre o alto consumo e a baixa produção de jogos em território nacional.
Escoar uma parcela dos lucros de venda dos jogos e consoles de propriedade intelectual estrangeiras pode financiar produções locais, mas não construir uma cadeia produtiva completa. A construção de iniciativas que tratem a cadeia produtiva como um todo ainda é escassa, e deve vir em conjunto com políticas de incentivo à produção de conteúdo.
De todas as áreas da cadeia produtiva de jogos digitais, as políticas de Comunicação e Cultura são as que se destacam dentro do governo federal, tanto no pioneirismo, quanto no avanço das articulações. Contudo, a falta de políticas industriais consolidadas e a tributação equilibrada, que dificultam a autossustentação de um setor produtivo local. Ele não consegue competir de forma realista em âmbito global.
Outro campo subvalorizado na formulação de políticas públicas para jogos digitais é o do Ministério da Educação. Ainda que os jogos digitais sejam reconhecidos ferramentas de aprendizado, nenhuma iniciativa consolidada foi estabelecida.
Vivemos ainda, no campo das políticas, em uma colcha de retalhos, formulada sem planejamento de longo prazo, e submissa às mudanças de gestão dos ministérios e das secretarias, à espera da sorte de encontrar atores governamentais entusiastas. São resultados que, assim, caminham lentamente.
Não se pode, contudo, ignorar os diversos avanços realizados. A atuação do BNDES, financiando estudos, reestruturando programas, consultando acadêmicos, grupos de interesse e setores da cadeia produtiva, apresenta-se como promissor campo de atuação e investimento. O Ministério das Comunicações, que a partir de 2011 ampliou seu escopo de atuação, abraçando também uma política para conteúdos digitais criativos, mostrou-se eficaz em investimentos como o edital INOVApps e em laboratórios de produção e pós-produção em Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Já a Apex-Brasil, em sua parceria e estreita relação com a ABRAGAMES, consolida no Brazilian Game Developers (BGD), uma das poucas iniciativas estruturadas especificamente para o setor produtivo de jogos digitais.
Em perspectiva para o futuro, notamos que as associações (ABRAGAMES, IGDA e ACIGAMES) demonstram uma atuação fundamental neste processo, ficando evidente o efeito de suas articulações. Todavia, o entusiasmo com que tratam o jogo de poder com os atores governamentais deve dar lugar a uma articulação mais madura, visando um marco regulatório consolidado.
Para além das iniciativas fragmentadas, é tempo para que as agendas das associações culminarem em proposições claras de uma regulação específica para o setor. Bandeiras, como a da necessidade de fomento, levantada pela ABRAGAMES, ou da redução da carga tributária, levantada pela ACIGAMES, são importantes. Contudo, as conquistas desses objetivos por si só não resolvem todos problemas do setor.
Ao invés de articularem um ajuste das leis já existentes para software ou audiovisual, esses grupos deveriam focar no estabelecimento de uma tipologia própria para os jogos digitais. Isso ajudaria definindo e conceituando sua atuação e campo de trabalho. Abriria caminho para uma política pública específica para as demandas do setor.
Enquanto a busca se limitar aos ajustes realizados sobre políticas para setores análogos, que tangenciam os games em apenas algumas características pontuais, as iniciativas não vão resolver as necessidades de um setor complexo e único como este.
Não pode se deixar de considerar, por fim, a dificuldade em articular tais políticas em espaços conservadores, como o Legislativo ou a Receita Federal. O jogo digital, ainda que seja uma mídia consumida por grande parte da população, e aceita pelos seus vieses culturais e artísticos em vários espaços, ainda encontra barreiras ligadas ao desconhecimento, ao preconceito e à falta de interesse no aprofundamento conceitual dos governantes e tomadores de decisão.
Isso se reflete diretamente em classificações de atividades equivocadas, políticas inadequadas e falta de investimento e desenvolvimento ao setor.
Um meio de superar a resistência em tais espaços tradicionais, que dificultam a inclusão dos games em posição de centralidade da agenda política, é a criação de uma comissão interministerial permanente, autogerida, que possa formular políticas mais amplas, agregando instituições que já possuem abertura para o setor, como a ANCINE, o MinC, MDIC, MiniCom, MCTI, o BNDES podendo somar-se o MEC, o Ministério do Planejamento e o Ministério da Saúde, cujo setor é grande consumidor de simuladores e afins.
O Ministério das Comunicações, na gestão da Política Nacional para Conteúdos Digitais Criativos, pode configurar-se, para além do Ministério da Cultura, como um líder natural deste processo.
O embrião dessa articulação existe, mas de maneira incipiente, e sem resultados efetivos e em ação – por enquanto. A necessidade de uma política que extrapole as fronteiras dos ministérios é a única maneira para regularmos uma indústria que tem tudo para projetar o Brasil como um polo importante de produção de conteúdo e cultura.
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