Tecnologia

Algoritmos vão muito além da tecnologia [Opinião de Leandro Kovacs]

por Leandro Kovacs*

Não é possível, não paro de ouvir que tudo no mundo de hoje são algoritmos. Posso ser sincero? A verdade é que tudo são algoritmos, mas vou te provar que isso vai muito além da ‘Era da Tecnologia’ e ultrapassa e muito o mundo das redes sociais que tanto pautam o tema. 

O mundo é dos algoritmos há muito tempo, bem antes dos avanços tecnológicos que temos hoje — mas é também verdade que a tecnologia aumentou sua popularidade. Neste exato momento, você pode achar que estou jogando palavras ao vento e inventando assunto só para publicar um texto. Como não sou de ficar apenas em devaneios, vou comprovar meu ponto com argumentação baseada em conhecimentos que aprendi estudando sobre algoritmos na faculdade.

Senta, que lá vem história.

O conceito básico de algoritmo

Quando ingressei na faculdade de Análise e Desenvolvimento de Sistemas (ADS), tinha aquela imagem comum de que algoritmos eram simplesmente um bando de códigos. Mas logo descobri que isso não era verdade.

Os códigos são escritos com uma linguagem de programação, mas ela não é o algoritmo — ela é como roupa que se veste para cobrir o corpo.. Então, se a linguagem de programação seria a roupa, o algoritmo seria o corpo desnudo de um programa, aquilo está embaixo, no centro, no miolo da questão.

Tive professor que habilmente nos tirou essa visão comum de o que é um algoritmo apresentando aquilo que seria seu conceito base: “uma sequência ordenada, finita e não ambígua de etapas que conduzem à solução de um problema”. Ele foi bem claro ao especificar que isso se aplicaria a qualquer contexto, não apenas ao computacional.

Desse modo, fica fácil entender que uma sequência ordenada de atividades que resolvam qualquer problema pode ser chamada de algoritmo.

Análise de processos

Bem antes das evoluções tecnológicas que temos hoje, já existiam grandes organizações que precisavam analisar e mapear seus processos. A ferramenta usada por essas empresas era a elaboração de fluxogramas que mapeavam os processos, de forma minuciosa, para melhorar sua produtividade e eficiência. 

Agora vou te dar um spoiler: uma das formas mais utilizadas para se representar graficamente um algoritmo também é o fluxograma. Estou tirando você para dançar no baile do “algoritmo é só programação”. A gestão de uma empresa, há muito tempo, de alguma forma, também é ligada a algoritmos, afinal; tudo que se faz na empresa tem o objetivo de resolver alguma demanda dela mesma ou de seu mercado.  Já começou a explodir a mente?

Fluxogramas são a representação gráfica de um algoritmo (Créditos: Pexels-Christina Morillo/Montagem de Leandro Kovacs para o Drops de Jogos)

Pensamento organizado

Pode até parecer uma coisa impossível nos tempos atuais – vivemos em meio a um caos de informações e estímulos –, mas entender um pouco sobre como funcionam os algoritmos pode te ajudar a ter mais clareza em seus pensamentos e tomadas de decisão. 

Pense como se estivesse criando um algoritmo mental de filtragem de informações, definindo assim o que é importante reter e o que deve ser sumariamente esquecido. Isso irá te ajudar em sua saúde mental, minimizando os danos sofridos por ser exposto diariamente a tanta porcaria que vemos por ai.

Não seria simplesmente isso, mas o fato de organizar também suas ideias, por exemplo, para tirar um projeto da sua mente para o papel e, posteriormente, para a realidade, é uma sequência lógica de pensamento organizado como um algoritmo de execução desta tarefa. Cada vez mais estou te convencendo de que os algoritmos estão sim em tudo, mas não da forma como você imaginava.

E atenção: uma dica importante é que manter as construções de seus algoritmos mentais para organizar a mente te protege de ficar à mercê de algoritmos feitos por terceiros. Traduzindo: se você não pensar por si, alguém vai tomar as decisões por você.

Uso diário de algoritmos

A criação de algoritmos mentais é uma faculdade que vem baseada no raciocínio lógico que nós estamos aptos a criar de forma, muitas vezes, imperceptível. Você utiliza algoritmos todos os dias e muitas vezes nem se dá conta disso.

Um exemplo clássico disso está nas pessoas que têm por hábito o uso de uma agenda para seus compromissos. Hoje, chamamos essa atividade de to-do list. Se você monta a sequência lógica de suas atividades ao longo do dia, até a hora de dormir, e se preparar para o seguinte, você está executando um algoritmo sequencial simples. 

Claro, imprevistos podem acontecer e isso fará com que você reorganize sua sequência de atividades. Por exemplo: você vai acordar às 6h, vai levar sua filha na escola às 7h, vai para academia às 8h, trabalhará das 9h até 17h, buscará sua filha às 18h, colocará ela no banho às 19h, vai jantar às 20h, e então vai tomar seu banho às 21h, para depois colocar a criança na cama às 22h e aí vai se preparar para dormir às 23h. 

Nada impede que, durante o seu horário de trabalho, liguem da escola avisando que a criança está passando mal, e então rapidamente você vai adaptar o seu algoritmo mental para atender essa nova demanda inesperada, de buscar sua filha na escola para levá-la ao médico, compensando o que não der pra ser feito no mesmo dia no algoritmo seguinte — principalmente suas horas perdidas de trabalho. Mesmo com a adaptação, o algoritmo terá início e fim dentro do mesmo dia.

Sua avó era um gênio dos algoritmos

Parece piada, mas não é não. Um dos exemplos mais básicos e primários no ensino de algoritmos é fazer uma conexão direta deles com a receita de um prato. Voltemos a definição: “Uma sequência ordenada, finita e não ambígua de etapas que conduzem à solução de um problema”, a receita segue uma sequência ordenada de passos para dar certo, é finita pois o prato pronto é alcançado, se bem escrita as suas etapas são explicativas para evitar ambiguidade levando à solução do problema que era antes não ter a comida pronta e agora ter.

Então quando sua avó – pode ser sua mãe ou tia também – mantinham aqueles livros “secretos” de receitas da família, elas estavam guardando um aglomerado de algoritmos para a solução do problema “alimentar a família”. Isso é fantástico, a sua avó que talvez tenha nascido em uma época onde não existiam nem computadores já tava lá dominando a arte de escrever algoritmos – diga-se de passagem, deliciosos.

Algoritmos no esporte

Algo visto como tão nerd e tecnológico não pode estar ligado ao esporte, não é possível. Você está enganado e nem vou te dar exemplos de como são utilizados hoje – com auxílio de tecnologia – para melhorar o desempenho de atletas de alta performance. 

Vamos falar de algo mais simples e que sempre foi um problema para a maioria dos atletas em diversos esportes, a perda de peso. Um programa organizado de perda de peso – feito na planilha mesmo, com anotações e passos – pode ser visto como um grande exemplo de algoritmo. 

Um algoritmo simples de repetição, onde serão repetidos passos sequenciais de alimentação, treinamento físico, períodos de desidratação, descanso, tudo com uma “flag” (termo usado para indicar um alerta) com o peso alvo. Por exemplo, tudo será repetido até que se alcance o peso de 76kg, no momento em que se chega a esse peso, encerra-se o algoritmo e o problema foi resolvido.

Algoritmos na política

Não seja inocente, derrubar um governo ou enfraquecer um adversário político também passa por uma sequência ordenada de ações visando o objetivo final. Claro, no caso político, por lidar com variáveis externas muito voláteis, é necessário estar constantemente atualizando os dados para adaptar suas variáveis com valores mais próximos da realidade como sentimento popular, insatisfação de pares, tensão de forças armadas etc.

Vamos pensar em um exemplo democrático, onde podemos apenas derrotar adversários nas urnas. Após uma série de pesquisas e análises, a oposição identifica que a maior fraqueza (variável de um sistema) é a questão da alta inflação e problemas econômicos (dados). A organização da oposição será para atacar sistematicamente esse ponto fraco com todas as suas ferramentas disponíveis, repetidas vezes, até que o objetivo seja alcançado, simples assim – se você já viu isso acontecendo ou está vendo nesse exato momento, entenda que tem fundamento. 

Isso é um exemplo bem básico, os algoritmos são normalmente modulares e podem ser expansíveis, aumentando o seu nível de complexidade e, em consequência, o grau de retorno de suas respostas. E mais uma vez isso não se resume apenas as versões tecnológicas, mas também as inclui. Vou te dar outra definição mais simples ainda sobre o algoritmo que tem a ver bastante com política: o algoritmo pode ser visto como uma ESTRATÉGIA ou TÁTICA para alcançar um objetivo.

Algoritmos no marketing

Deixei esse por último por ser o mais próximo do que vemos hoje massivamente com a forma extremamente tecnológica dos algoritmos automatizados. O que você não pode pensar é ser algo novo, o marketing moderno funciona muito bem desde os anos 1950, 60, bem antes dos computadores serem usados por eles. Um dos princípios fundamentais do marketing é a determinação de um público-alvo a qual se quer atingir com seu produto, serviço etc. 

Antes, isso era feito com análise de mercado e pesquisas diretas coletando dados de forma a ordená-los (algoritmo) para a obtenção desse público-alvo e, mais a frente, a construção de uma persona, que é o cliente ideal do seu negócio levando em conta todas as métricas utilizadas na construção do público-alvo. A construção da persona seria como um algoritmo mais refinado que busca um resultado mais específico sobre para quem se quer vender. 

Além disso, não basta idealizar – muitas vezes a resposta real externa quebra as suas expectativas – as pesquisas eram feitas para coletar dados e filtrar determinando o comportamento de consumo de um grupo específico, uma região, até consumidores de marcas concorrentes para criar com algoritmos mentais e físicos (tabulações, métricas, gráficos) resultados de informação para obter melhores estratégias ao tentar se adequar no mercado.

O algoritmo tornou-se tecnológico e programável

Com a computação moderna os algoritmos se tornaram automatizados e programáveis (Créditos: Pexels/Luis Gomes)

Agora chegamos ao ponto mais próximo de nossa realidade, os algoritmos tecnológicos e programáveis. Depois dos anos 80 o crescimento de programas de computador e agora aplicativos é exponencial. Eles nada mais são do que sequências de algoritmos programados em linguagens diversas para a conclusão de suas demandas iniciais. 

Outra forma de algoritmos programados são os de coletas de dados de consumo nas redes sociais – esses são os mais famosos – que geram aquela frase: “não assiste isso na minha conta que vai bagunçar o meu algoritmo”.

Então, seja por linhas de programação, sistema de recomendação, relevância de resultado ou até um GPS calculando sua rota mais rápida, todos são algoritmos tecnológicos que foram programados para dar como saída os resultados nos quais foram definidos como suas funções iniciais.

O algoritmo de consumo: os sistemas de recomendação

Esse é o que mais assusta as pessoas, “pelo amor de Deus, pesquisei faca Tramontina uma vez no google e agora não para de aparecer anúncio de facas, virei o Jason” ou “assisti um vídeo de um russo comendo uma lasanha de big mac com uma glock como colher e não para de aparecer vídeo armamentista na minha timeline”, pois é, as vezes, basta assistir uma única vez para movimentar seu algoritmo de consumo em uma plataforma para que ela se adapte a “nova realidade” do consumidor.

O objetivo deste tipo de algoritmo é te manter o máximo de tempo dentro de uma plataforma ou maximizar a chance de você clicar em um determinado anúncio que apareça no site ou app. Ele é baseado no seu comportamento online, ou seja, tudo o que você faz, assiste ou consome de uma forma geral na rede é tratado como dado e coletado para passar pela filtragem do algoritmo que determina no final qual tipo de conteúdo você estará mais aberto a consumir na sequência daquele que já está assistindo ou lendo sobre.

Toda a discussão sobre a proteção de dados de navegação vem sobre o mau uso deste tipo de algoritmo que apenas quer te prender a tela ou ampliar o consumo desenfreado e irresponsável. Lembra quando eu falei que era importante manter seus próprios algoritmos mentais para não ser alvo de algoritmos escritos por terceiros – pense por você para que outro não pense – era sobre isso. Tudo que é exposto a você como recomendação ou anúncio segue basicamente o mesmo tipo de algoritmo, alguns mais refinados que outros, mas todos complexos e difíceis de lidar sem força de vontade.

Dados são transformados em informação

Você já deve ter escutado a frase: “vivemos na era da informação”, e isso é uma verdade. Dados por si só não tem valor agregado, seja o que você consome ou um monte de números desordenados em um papel, dados são apenas dados. 

Eles só passam a ter algum valor quando são transformados em informação, sendo organizados, ordenados, e adivinha quem faz isso desde sempre? Os algoritmos, seja de forma computacional (a mais utilizada hoje) ou os métodos rudimentares anteriores. Dados só terão valor se puderem passar pelo filtro organizacional de um algoritmo para sairem no formato de informação. A informação é a ferramenta para tomada de decisões, o feedback e posterior adaptação as decisões tomadas geram o conhecimento, é assim que funcionam as empresas.

O mundo dos algoritmos não é algo novo

Conseguiu perceber com os exemplos que o algoritmo, apesar de hoje estar muito ligado à tecnologia, ele vai muito além dela? Sua origem remonta a idade média do nome do persa Muḥammad ibn Musa al-Khwarizmi, que teve na latinização mantida para o nome que conhecemos hoje o seu sobrenome, al-Khwarizmi = algoritmo

Podemos até dizer que está por trás da computação – no âmbito de computar e fazer contas – devido a sua origem na matemática. Mas seu conceito é tão amplo que ficou impossível aprisioná-lo nessa área ou simplesmente jogá-lo diretamente na computação moderna com o uso de máquinas. Entenda, se você sai de casa, realiza sua sequência de tarefas do dia e retorna ao lar para dormir, você completou o seu algoritmo diário.

*Leandro Kovacs é jornalista e radialista. Trabalhou com edição audiovisual e foi gestor de programação em emissoras como TV Brasil e RPC, afiliada da Rede Globo no Paraná. Também foi redator de tecnologia no Tecnoblog e editor no BitMagazine, escrevendo e editando artigos explicativos sobre softwares, celulares, cibersegurança e jogos. Hoje, estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas na Unicarioca, mas para manter pulsando sua veia de comunicador, colabora com o Drops de Jogos com artigos espontâneos e esporádicos.

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