Impulsionados pelos algoritmos, os conteúdos das redes sociais que chegam pelas telas dos smartphones e computadores podem reforçar vieses preexistentes. Essa dinâmica dificulta o acesso a informações equilibradas e aprofunda tensões políticas e sociais, aponta a coordenadora do InternetLab, Ester Borges.
Convidada do Pauta Pública da semana, Borges discutiu as consequências de viver nas chamadas “bolhas de informação” criadas pelos algoritmos e as implicações disso para a democracia. O InternetLab é um centro independente de pesquisa interdisciplinar que promove o debate acadêmico e a produção de conhecimento nas áreas de direito e tecnologia, com foco na internet.
Segundo Borges, “quanto mais um indivíduo fica preso na sua própria realidade, mais propenso está em acreditar em meias-verdades, desumanizar e invalidar as crenças de grupos com pontos de vista divergentes”.
Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.
“Essa pergunta tem motivado muitas pesquisas aqui dentro do InternetLab, o centro de pesquisa que eu faço parte, mas é difícil responder. Por que é difícil responder? Porque a gente tem muitas variações do que as pessoas chamam de bolha.
Temos uma definição dentro da teoria da comunicação, uma definição muito relacionada a algoritmos que estariam direcionando as pessoas a verem só o que elas gostam de ver nas redes, só o que elas já concordam. Mas aqui dentro do InternetLab, como a gente sempre coloca o usuário como o ponto principal, e não a tecnologia, a gente também chama de bolhas outras coisas, que são, por exemplo, os grupos que a gente decide ativamente participar.
Então, falando desses grupos que a gente decide ativamente participar, eu acho que a gente pode entender pelas pesquisas do InternetLab que sim, nós estamos em bolhas, mas talvez não bolhas tão inconscientes quanto algumas pessoas imaginam ou argumentam.”
“Eu penso muito em uma pesquisa sobre vetores da comunicação política online. É uma pesquisa grande que a gente faz já há quatro anos, então a gente tem quatro edições no ar, e nela a gente pergunta para as pessoas muito sobre como elas se relacionam com grupos de WhatsApp e outros aplicativos que têm mensageria. Não é uma rede social pública, mas você consegue falar com pessoas.
Quando a gente pergunta para as pessoas sobre que tipo de grupo elas procuram – onde elas se sentem à vontade para conversar sobre política principalmente, mas também assuntos da sociedade de maneira geral, desde notícias do bairro, a notícia sobre compra –,as pessoas sempre falam que elas têm preferido estar em grupos com afinidades semelhantes.
Cada vez mais elas estão em espaços em que elas retroalimentam os próprios valores, as próprias crenças, porque o divergente não é visto com bons olhos. As pessoas se sentem mais à vontade para conversar sobre assuntos da sociedade em espaços onde elas se sentem acolhidas, e esses espaços dificilmente são grupos como o grupo da família ou o grupo dos amigos. Porque ali existe a afinidade de um laço que não está vinculado ao interesse.
Agora, quando elas vão para um aplicativo como o Telegram, que elas procuram grupos de interesse e não necessariamente conhecem as pessoas ali, elas se sentem super mais à vontade. Parece que a sua vida privada, suas relações privadas, não necessariamente são as pessoas com quem você vai formar opinião.
Agora, as pessoas que vinculam de algum jeito a mesma ideologia política que você frequentam os mesmos fóruns da internet, esse tipo de coisa, aí sim, ali você consegue ser você mesmo, falar sobre sua opinião, principalmente quando se trata de política. Então, acho que se criam divisões muito grandes na sociedade a partir dessas bolhas. Acho que essa é a principal consequência.”
“Quanto mais contato a gente tem só com reafirmações das nossas próprias crenças, dos nossos próprios valores, mais a gente se torna propício acreditar em meias-verdades ou teorias da conspiração, e eu acho que isso está super relacionado com esse extremismo político.
Porque o extremismo, na verdade, é você desumanizar um pouco o outro lado. Eu acredito que tenha essa ligação, assim, de você acabar se relacionando tanto com pessoas que pensam tão parecido com você que a pessoa que pensa diferente é quase desumanizada. E, quando ela é desumanizada, você acredita em teorias conspiratórias sobre ela, você acredita que ela não é um sujeito de direito tal qual você, você acredita que o discurso dela deveria ser cerceado de um jeito diferente do que o seu poderia ser cerceado ou não.
Então, acho que vai mais ou menos por aí, assim, quanto mais você está na sua própria realidade, preso na sua própria realidade, nas suas próprias crenças, menos você enxerga as crenças dos outros como válidas.”
*por Por Andrea DiP, Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo | Agência Pública
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