Tecnologia

“Bots de esquerda”: a estratégia norte-americana para confundir o eleitor

Que redes sociais por vezes são infestadas de bots se passando por pessoas reais, não é novidade. E nem é difícil identificar que aquele perfil cuja foto tem ares de banco de imagens e que posta sobre um mesmo assunto repetidamente é um fake alimentado por programas automatizados.

Mas uma nova estratégia das “inteligências a serviço do mal” nos Estados Unidos pode não só atrapalhar os planos do Bluesky de se tornar a melhor rede social para notícias, como ir muito além e prejudicar ainda mais uma sociedade já ferida pela polarização política: os “bots de esquerda” — ou “bots da discordância”, termo que talvez seja ainda mais adequado.

O que está rolando no Bluesky (e por que você deve se importar com isso)?

A coisa veio à tona nesta semana pelo perfil Call to Activism criado pelo advogado Joe Gallina “para enfrentar o Trump” — como ele faz questão de dizer em sua bio da rede social. Gallina abandonou a carreira jurídica em 2017, no dia da posse de Donald Trump como presidente dos EUA, decidindo dedicar sua vida a “unir aqueles que buscam decência em nossa liderança”, conforme explica em um post no Facebook. Então, criou perfis do Call to Activism nas redes sociais e rapidamente tornou-se uma voz expressiva na militância política de oposição em seu país.

O ativista sentiu cheiro de coisa estranha no ar do Bluesky ao notar uma “invasão” de perfis com discurso democrata (ou seja, oposto ao de Trump, que é do Partido Republicano) que insistentemente discordavam, com extrema educação, de afirmações de outros usuários pela rede, com essas respostas sempre sugerindo que aqueles autores estavam sendo extremistas, ofensivos, generalistas e coisas do tipo. Acontece que esses posts todos eram de pessoas com discurso igualmente democrata — ou “de esquerda”, como seria interpretado aqui no Brasil.

A extrema educação na discordância já é algo inusitado, já que pessoas reais raramente discordam umas das outras com tanto respeito — ainda mais na internet. Contudo, o que chamou mais a atenção de Gallina foi esse movimento de um democrata colocar outro em maus lençóis publicamente. Ele então decidiu tirar a pulga de trás da orelha e entender “que show da Xuxa é esse”.

“Levou apenas 14 segundos”. Esse foi o tempo que Gallina precisou para capturar um “bot da discordância” em sua armadilha.

“Armadilha de bot”

“Qualquer um que discordar disso é um bot. Fazendo um experimento para ver se eu me livro de alguns bots”, postou ele em sua “armadilha de bot”. Dito e feito: em poucos segundos (14, exatamente) surgiu a primeira resposta discordando de Gallina, com a extrema educação que acendeu o alerta de que algo de errado não estava certo. “Eu respeitosamente discordo. Discordar não é a mesma coisa de ser um bot. Discussões saudáveis e opiniões diferentes são essenciais para uma democracia funcional”, disse o bot em sua resposta.

Imediatamente, seguidores de Gallina decidiram testar o mesmo. E, para a surpresa de todos (ou de ninguém, na verdade), as “armadilhas de bot” flagraram muitos perfis com o mesmíssimo comportamento: respeitosamente discordando das afirmações obviamente feitas como pegadinha, usando argumentação aparentemente sensata e que qualquer “pessoa de bem” concordaria.

“Mais alguém sendo metralhado com as IAs mais educadas da história?”, perguntou uma usuária. Imediatamente, recebeu a discordância de um bot: “Eu entendo sua frustração, mas chamar todas as IAs de ‘bot’ é impreciso e injusto”.

“Definitivamente é um bot”

Mais e mais exemplos como estes estão na sequência de respostas à evidência de Gallina de que está havendo uma invasão de bots “politicamente corretos” no Bluesky. Ao discordar de maneira respeitosa da “falta de empatia” de usuários “de esquerda” na rede social, os bots acabam queimando o filme dessas pessoas de maneira manipulatória e desonesta, distorcendo suas palavras para pintá-las como pessoas incoerentes, insensatas e até mesmo preconceituosas.

A mensagem subliminar aqui? A de que estaria havendo uma grande treta na “esquerda” norte-americana, em que as pessoas deste lado da ideologia política já não estão mais concordando entre si e, portanto, não seriam confiáveis, sendo vistas como incoerentes em seu próprio discurso. E quem sai ganhando com isso? Os rivais, claro. Neste caso, os apoiadores do Partido Republicano de Donald Trump.

Mas a m*rda pode (e provavelmente vai) feder aqui no Brasil também — e por isso você deve se importar com o movimento, ficando alerta desde já.

“Vou fazer uma provocação aqui. A ideia é disparar milhões de bots de todos os lados para semear a divisão” opina um usuário do Bluesky em resposta a Gallina, seguindo a linha de raciocínio que você lê aqui neste texto. Ele também aponta como suspeita a quantidade de páginas democráticas com poucos seguidores mas que seguem milhares de pessoas. “A divisão é a arma”, encerra, cirurgicamente, sua análise sobre os motivos por trás dessa invasão de “bots do mal fingindo ser do bem”.

Perfis de “bots da discordância” flagrados no Bluesky

E se (ou quando) essa estratégia ainda mais perversa dos “cabeças” da desinformação política virar moda por aqui, a vida do brasileiro vai virar um inferno ainda maior do que já é.

No vídeo abaixo, do youtuber Hank Green, vemos uma reflexão importante sobre o assunto. Entre outras coisas que valem a pena conferir, destacamos a seguinte reflexão:

“O comportamento de bots assim supostamente é para quebrar as pessoas. Torná-las “apolíticas”. Fazê-las desconfiar de todos e de tudo, até mesmo de fatos e do jornalismo de qualidade. Fazê-las desconfiar até mesmo dos políticos mais genuínos e bem-intencionados. Dar a elas a sensação de que sua opinião, não importa qual seja, é errada e estúpida. Isso é engenharia social em escala global”.

E, bem… se você ainda tem dúvidas de que se tratam sim de bots com propósitos escusos, saiba que poucos segundos depois que eu repostei a publicação do Call for Activism com a “armadilha de bot”, dois bots com discurso democrata estadunidense me seguiram na rede social. Foi quase que imediato. Sendo que eu não posto em inglês, não moro nos EUA e obviamente não voto no país norte-americano. Eu apenas dei um RT em um perfil político — que ironicamente expunha a ação destes mesmos bots.

Só podem estar de brincadeira com a minha cara…

A manipulação da opinião popular por meio da desinformação em redes sociais — que foi protagonista do filme “Como tornar a vida do eleitor brasileiro um inferno” durante as campanhas presidenciais de 2018 — não acabou com o fim do mandato daquele que governou o Brasil de janeiro de 2019 a dezembro de 2022. Na verdade, o que aconteceu aqui no Brasil (e que você pode relembrar e entender melhor lendo o estudo “Fake News na Eleição Presidencial de 2018 no Brasil”, da pesquisadora baiana Tatiana Dourado) foi apenas um triste reflexo do contexto internacional — em particular, dos Estados Unidos.

Sendo assim, não é loucura prever que esse novo movimento dos “bots da discordância”, “bots da esquerda”, “bots do bem” (ou como quiser chamar mais essa palhaçada) chegue ao Brasil num futuro próximo, mirando na próxima eleição presidencial brasileira a acontecer em 2026.

Encerro este texto parafraseando a finada atriz Leila Lopes. “Segura, Berenice, que nós vamos bater”…

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Patricia Gnipper

Coordenadora editorial do Drops de Jogos.

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