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Muito se fala sobre um tal de enshitification de produtos e serviços nos últimos anos. O termo, que à risca pode ser traduzido como “merdificação”, foi criado pelo jornalista canadense Cory Doctorow para explicar um padrão de queda de qualidade de tudo o que usamos ou consumimos.
Mas, quando falamos de redes sociais, vemos um movimento que vai além disso. É que as redes sociais passam pela merdificação com o passar do tempo e, como sempre dá para piorar, ainda acabam decidindo eliminar suas características inicialmente distintas, tornando-se extremamente iguais umas às outras — uma “mesmacoisificação” de tudo.
Não faz tanto tempo assim que era fácil explicar as diferenças entre as redes sociais do momento para qualquer leigo. Se você gosta de textos curtos, tem o Twitter (tinha, né); se prefere textão, tem o Facebook; se você quer procrastinar vendo vídeos curtos, tem o Snapchat e o TikTok; para vídeos longos, tem o YouTube; se quiser ver fotos do dia a dia da sua galera, vá para o Instagram; para imagens de galera que trabalha com fotografia, tem o Pinterest; e se você gosta de passar raiva ou de contar histórias inventadas como se fossem grandes parábolas profissionais, o Linkedin é o reduto desse tipo de porcaria.
Só que essa distinção se perdeu: hoje, todas as principais redes sociais são espaços onde você vai ver textos, vídeos, fotos e passar raiva, porque apesar de terem formatos diferentes, seus algoritmos acabam dando preferência para o mesmo tipo de conteúdo merda, publicado pelas mesmas pessoas que você provavelmente gostaria de nem saber que existem.
Sério, você consegue explicar para alguém que nunca usou uma rede social por que instalar o Instagram em vez do Bluesky ou do TikTok? Pra quem tem a internet como seu habitat natural essa pode parecer uma tarefa fácil porque elas aparentam ser muito distintas, mas tenho certeza que você vai começar a se perguntar se essa diferença é algo real mesmo quando a pessoa que nunca usou a rede perguntar “mas isso eu só posso fazer nesta rede aqui?” e a sua resposta for “na verdade, não… isso você consegue fazer nas três”. E então ser incapaz de explicar de fato qual o grande diferencial de uma plataforma em relação à outra.
E não importa se o “isso” seja postagem de vídeo, de foto ou de texto: o algoritmo de cada rede social pode trabalhar de maneira diferente, mas não há nada que te impeça de postar um texto curto no Instagram (e não no Bluesky, provável substituto do Twitter), um videozinho no Bluesky (e não no TikTok) ou conselhos mequetrefes de coach no TikTok (e não no LinkedIn).
Dito isso, temos o Threads, uma rede social que ninguém sabia explicar exatamente pra que servia, inicialmente. Das “novas” redes sociais que estão começando a bombar numa realidade pós-Twitter, ela era a mais “não sei, só sei que foi assim”: o Bluesky foi feito para quem amava o Twitter em 2012 e debandou de lá quando o ambiente ficou insalubre; o Mastodon abrigou quem queria que o Twitter tivesse um lance de comunidades parecido com o Orkut; e o Threads era… o Threads? Quer dizer, na teoria o Threads seria apenas uma rede social de microblogging onde você pode postar qualquer coisinha e criar threads sobre aquilo, tal qual o Twitter, mas ninguém sabia dizer direito qual era a personalidade da rede social, exatamente para que ela serviria além de supostamente “tentar substituir o Twitter”.
Aí você alia esse sentimento de “para que serve isso aqui?” com um algoritmo diferentão que ninguém sacou como funcionava e então vimos no Threads um ambiente que Patrícia Gnipper, coordenadora editorial aqui no Drops de Jogos, chamou certa vez de “o fumódromo da internet”: um lugar que você desce uma timeline com um monte de posts de gente que você não conhece e nem faz questão de conhecer, mas interage com elas por 30 segundos e é legal, é divertido, para então cada um voltar pro seu canto e nunca mais se trombarem na vida.
E é justamente essa característica que fez do Threads uma rede social interessante pra gente como eu, que não liga pro que influencers e marcas estão fazendo, mas adora comentar em histórias aleatórias de gente comum por motivos de entretenimento.
Outra característica muito específica e bacana do Threads era a falta de “contas bot” (e aqui uso entre aspas porque não necessariamente precisam ser bots reais, mas apenas contas comandadas por pessoas que agem como se fossem bots). Quem era ativo no Twitter sabe do que eu estou falando: aqueles perfis com nomes tipo “Cupons de Desconto do Dia” e que aparecem aleatoriamente em postagens de qualquer assunto com comentários nível “argumento de ChatGPT” pra tentar passar por orgânica a publicação de um link de afiliados. Este tipo de perfil — que infelizmente já é comum no Bluesky (até porque ele é feito para aceitar tudo o que já funcionava no antigo Twitter) — eu nunca encontrei no Threads.
Nesta rede da Meta eu já tive discussões acaloradas com pessoas que não conhecia (e nem fazia questão de conhecer) mas que ficava claro que a todo momento eu estava discutindo com uma pessoa real, e outras pessoas reais acabaram interagindo e entrando no assunto — para o bem ou para o mal. Já no Bluesky, em 5 minutos que fiquei conversando com um conhecido sobre um filme do Rambo, já me apareceu umas dessas contas tentando emplacar um link de ofertas da Black Friday.
Só que parece que essa era do “fumódromo da internet” já está chegando ao fim. Recentemente, o Threads anunciou uma atualização em seu algoritmo para “priorizar conteúdo de pessoas que você segue” — nas palavras exatas de Adam Mosseri, chefe do Instagram. E a aba “For You”, que exibia posts que provavelmente te interessam e tanto faz quem postou (se você segue ou não), acabou ficando muito parecida com a aba “Following”, que justamente já trazia os posts de quem você segue.
Qual o sentido de “mesmacoisificar” duas seções distintas da rede social? Gerar uma redundância sem sentido? Se este era o objetivo de Mosseri, parabéns, acertou em cheio.
Dar mais espaço para os posts de quem a gente segue e exibir menos conteúdo de estranhos com mentes geniais é o primeiro passo para a “mesmacoisificação” do Threads, e tenho certeza que logo veremos coisas como posts patrocinados por lá também. Aí, o lugar será dominado pelos mesmos influencers e marcas que já dominam todas as outras redes sociais. E então\ ela vai se tornar cada vez mais igual ao Instagram, ao Facebook, ao TikTok e qualquer outra rede social “mais do mesmo”.
É a versão virtual de ver o seu bar preferido transformando o fumódromo em um espaço VIP com parede instagramável, afastando a clientela tradicional e comum numa tentativa de atrair influencers e metidos-a-influencers que vão usar o local como cenário para Stories no Instagram e vídeos no TikTok. E só quem já esteve em ambos os ambientes sabe que, mesmo considerando toda a fumaça e bitucas de um fumódromo “raiz”, nada dá mais ânsia de vômito do que um lugarzinho cheio de pseudo-influencer fazendo birra igual criança no supermercado porque a foto que postou há 5 minutos teve só 15 curtidas e “o alcance está horrível”, e em seguida abrindo outra rede social mais do mesmo para postar coisas como “o algoritmo está entregando pouco para vocês também ou só comigo isso acontece? tive um trabalhão para produzir esta foto incrível no bar XYZ e flopou, obrigada rede social TAL por arruinar meu dia!”
Nessas horas eu automaticamente envelheço mais 30 anos, cresço um bigode grisalho na cara e tenho que segurar a vontade de gritar “vai arrumar um emprego de verdade!” como se eu fosse meu pai no auge de sua identidade de cristão-conservador-pai-de-família-homem-de-bem. E eu não gosto nem um pouco de me sentir assim…
*Rafael Silva é jornalista desde 2017. Cresceu lendo revistinhas de videogame, entrou numa noia quando percebeu que o “jornagames” ainda era feito para adolescentes que só tinham interesse de discutir qual console era melhor, e agora está numa missão de vingança para resolver isso com as próprias mãos.
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