Ana Ribeiro é a mulher que entrou na realidade virtual dos games primeiro no Brasil

Perfil da desenvolvedora pioneira em VR no nosso país

Ana Ribeiro, a criadora de Pixel Ripped 1989 e 1995, quer ser a "Lady Gaga dos games". Foto: Divulgação

Este perfil foi publicado originalmente em 12 de setembro de 2016.

O texto foi fruto de uma entrevista de oito horas com Ana Ribeiro na Avenida Paulista. Antes do lançamento dos jogos Pixel Ripped 1989 e Pixel Ripped 1995. Ela está hoje na ARVORE Immersive Experience.

Eu a conheço há quase dois anos. Marcamos um almoço e uma conversa no dia 21 de julho, uma quinta-feira razoavelmente ensolarada mas fria.

Pessoalmente nós dois nos conhecemos há pouco tempo.

Ana Ribeiro tem 32 anos, completados no dia 6 de julho, e é psicóloga de formação. A história dela é conhecida no meio gamer e para algumas pessoas de fora do setor que acompanharam o noticiário entre 2014 e 2016 com Pixel Ripped.

O tom de voz dela carrega um sotaque carregado de São Luís, do Maranhão, que possui um andamento rápido para narrar coisas que acontecem em seu dia a dia. No entanto, o olhar de Ana também é atento para ouvir minhas explicações sobre os reais motivos por trás de nossa conversa.

“Gosto muito de falar, mesmo. Mas estou sempre aprendendo com o que as pessoas me falam, também. A minha história quase sempre aconteceu por aprender a fazer as coisas na hora que elas ocorrem”.

Do VentureBeat para pautar a minha carreira

De certa forma, conhecê-la marcou uma mudança na minha própria carreira. Depois de 80 colunas que tinha escrito no site TechTudo, da Globo.com, eu estava lançando o Geração Gamer como uma página independente e estava morrendo de medo ao tentar manter aquele projeto online. E lembro da curiosidade que senti assim que li sobre a história de Ana Ribeiro no site VentureBeat.

Ana já estourou internacionalmente entre outubro e novembro de 2014. Li aquele texto e outra reportagem do UOL Jogos, feita pelo Claudio Prandoni. O jogo dela, com o nome na época de Pixel Rift, ganhou destaque por ser inovador e envolver uma história bem inusitada para a época. O game mudaria de nome no ano seguinte para Pixel Ripped.

Não sabia muita coisa sobre realidade virtual até aquele momento. Soube da campanha no Kickstarter do Oculus Rift que lançou Palmer Luckey no Vale do Silício em 2012 e depois da compra de sua empresa pelo Facebook por US$ 2 bilhões.

Quando a rede social entrou na jogada, senti que o caminho dos games, sobretudo os inovadores, seguiria na trilha do VR, para o bem ou para o mal. Era para mim uma óbvia continuação do Nintendo Wii, de 2006.

Abandone o controle e utilize o corpo para jogar. Veio depois o Kinect da Microsoft em 2010. Já existiam experimentos de VR nos anos 90.

O futuro era ali. Me parecia óbvio, tanto pela tecnologia quanto pelas apostas pesadas do mercado – incluindo não somente o Facebook, mas também Google (Cardboard), HTC (Vive), Razer (OSVR) e outros.

Os últimos dias da criação do Pixel Ripped

Encontrei Ana por volta de umas 14hrs no Starbucks próximo do MASP na Avenida Paulista. Vestia uma jaqueta vermelha e utilizava o wi-fi para mandar informações para a equipe que está responsável pelo seu jogo há dois anos. “Essa jaqueta é nova. Me lembra muito o Michael Jackson. Eu gosto muito de coisas que me lembrem os anos 80”.

A carteira dela é em forma de um console PlayStation de 94. O cartão de visitas de Ana tem o design de um cartucho de Game Boy. Tudo o que ela faz e envolve games engloba, normalmente, nostalgia.

Os termômetros de São Paulo registravam menos de 20 graus.

Almoçamos comida japonesa num bufê dentro da praça de alimentação do Shopping Cidade São Paulo e fizemos a entrevista andando pela Paulista e dentro da Fnac em frente ao prédio da Fundação Cásper Líbero, na altura do número 900. Foram oito horas, pelo menos, conversando sobre a vida de Ana Ribeiro e a atual situação do Pixel Ripped.

Ana veio ao Brasil para participar do EXPO BRVR, evento pioneiro em realidade virtual no país que reuniu 435 pessoas. Antes de chegar em São Paulo, no dia 16 de julho de 2016, passou por São Luís para rever a mãe e trazer o namorado. Foi dentro do BRVR que encontrei Ana Ribeiro pela primeira vez pessoalmente. Trocamos um abraço apertado e ela me mostrou a versão que caminha para finalização do Pixel Ripped. Antes daquele momento, eu tinha testado uma demo no começo de 2015.

A equipe conta com Lucas Assis Ribeiro, que também é programador do Cinetica Studio e é de São Bernardo do Campo, e com Leonardo Batelli, da empresa Bad Minions de Alkimya. Ana Ribeiro chegou a visitar Lucas em sua casa. Além dos apoios brasileiros, Pixel Ripped mantém em seu time a artista 3D Stef Keegan, de Londres, que ela conheceu na pós-graduação em Design e Desenvolvimento de Jogos na National Film and Television School. Ela trabalhava na faculdade para diferentes equipes e entrou oficialmente em novembro de 2014.

Na época em que conversamos ela estava vivendo com o programador canadense James McCrae (33), que desenvolveu o motor gráfico JanusVR.

James é ainda mais falante do que Ana Ribeiro. “Mas ele gosta mais de ficar dentro de casa. Lá no Canadá todos tem infraestrutura. Então ele estranhou muito a hospitalidade dos brasileiros. Ficou indeciso de vir ao Brasil, mas minha mãe chegou a separar um quarto para ele. Na hora em que chegou, não entendeu toda aquela intimidade”.

Pixel Ripped 1989 obteve aprovação para seu desenvolvimento para PSVR, o aparelho de realidade virtual da Sony. Além disso, já funciona em HTC Vive, Oculus Rift, Gear VR da Samsung e a maioria dos dispositivos VR. Justamente por isso, a ideia é que o game saia ainda neste ano.

O jogo traz duas personagens: Nicola e Dot. Nicola é uma menina que vive no final dos anos 80 (por isso o game tem o título 1989) e que gosta de jogar no portátil Game Girl. Dot é a personagem 2D, parecida com Samus Aran, que a protagonista feminina controla.

Ana nega que as personagens sejam inspiradas apenas em si mesma, mas elas possuem semelhanças. E o game acaba sendo sobre o próprio ato de jogar.

O título é dividido entre cinco estágios: Sala de aula, recreio, sala de aula com Game Girl quebrado, sala da diretoria e um cômodo final com console.

O objetivo de Nicola/Dot é derrotar o Cyblin Master, um dragão 2D que roubou o espírito do mundo digital no game.

Efeitos psicodélicos, jogadores de futebol e animações coloridas fazem parte da aventura que envolve jogar papeis na professora e na sala de aula enquanto você movimenta a personagem 2D numa pequena tela.

Por que Ana Ribeiro vendia empadas antes de desenvolver jogos?

Almoçamos naquele dia 21 e, ao perambular pela Avenida Paulista, perguntei novamente à Ana Ribeiro sobre sua história pessoal, que chamou atenção de toda a imprensa quando Ripped ainda era uma demo. Revivemos o passado de Ana em detalhes. E, ao resgatar a história, dá pra entender por que algumas coisas aconteceram.

A desenvolvedora ficou mundialmente famosa por ter sido uma funcionária pública do Tribunal de Justiça de São Luís, formada em psicologia pela Universidade Ceuma, que largou seu país para estudar games na cidade Beaconsfield, Buckinghamshire, no Reino Unido.

Antes desta transformação, Ana foi empreendedora ao vender empadas no TJ pela empresa Kero Mais. Quando conseguiu vender quatro mil salgadinhos por mês, ela fez um curso no Sebrae, chamado de Empretec. Foi lá que ela descobriu que não queria ser funcionária pública ou vender empadas, mas sim desenvolver games, o que era um sonho de infância.

Mas de onde surgiu essa veia para o empreendedorismo?

“Poucas pessoas sabem dessa história, mas eu sempre vendi coisas. Quando era pequena, sendo filha de artista plástica, comercializava desenhos que fazia por cruzeiros, que era a moeda da época. Quando cresci, eu colecionava bootlegs dos Hanson para ter raridades de uma banda que era fã. Depois disso, eu vendi bijuterias e, na faculdade, comecei a levar doces para as pessoas comprarem. Sempre tive uma facilidade em vender meu peixe e me comunicar com as pessoas. Meu apelido era ‘docinho’. É por isso que eu vendia empadas antes dos jogos”.

O pai de Ana é médico e sempre foi mais conservador do que a mãe, que entendia a veia artística e empreendedora da menina. Mas ela sabia que não tinha aptidão para medicina. Uma amiga do pai sugeriu psicologia e ela fez o curso. Mas o que Ana Ribeiro sempre quis cursar era marketing. A relação entre os dois, apesar das discrepâncias, é boa. O pai de Ana lançou um livro recentemente com as artes da filha.

E a veia dos games? Veio tão cedo quanto o empreendedorismo.

Fez parte do Myth.Ladies, o maior time feminino de Counter-Strike de São Luís, no Maranhão, no começo dos anos 2000. O time de cinco meninas tinha patrocínio para não pagar as partidas na lanhouse. Ana Ribeiro, em 2005, tinha os cabelos tingidos de ruivo e também jogava Battlefield.

Crescendo num círculo familiar que sempre valorizou sua curiosidade por conhecimento, ela praticou kickboxing por três anos, fez karatê, dança do ventre e sempre foi uma garota interessada e entusiasmada.

Fã de Tetris, Pac-Man e todos os clássicos, o filme favorito de Ana é a série De Volta Para o Futuro. “Marty McFly é um personagem que inclusive me inspira na área de jogos”, complementa.

O preconceito por ser mulher

Num determinado período da tarde do dia 21 de junho, pedi que Ana Ribeiro sentasse comigo e conversasse sobre temas naturalmente mais delicados sobre sua trajetória profissional. Fiz perguntas tanto sobre detalhe do projeto Pixel Ripped quanto sobre preconceitos que ela enfrentou na iniciativa por ser mulher num meio predominantemente machista.

“Pixel Ripped nasceu de pelo menos cinco projetos que montei em Beaconsfield antes de chegar numa demonstração definitiva. Aprendi, na Inglaterra, a programar do zero e me interessei pela realidade virtual. Como era uma faculdade de cinema, os professores e os cursos têm uma inclinação grande para a inovação. Nesta situação, eu desenvolvi um game sobre o Carnaval brasileiro e depois cheguei a pensar um jogo sobre como matar índios em que você é o vilão. Mas nenhum deles realmente atraía a atenção dos europeus. Então eu deixei nossos elementos folclóricos de lado e desenvolvi um tema mais universal no meu primeiro jogo”.

Disse a Ana que seu jogo teve um impacto global muito positivo, sobretudo por ela ser brasileira e por ter sido pioneira em mexer com realidade virtual num projeto mais completo. “Eu ainda acho que meu game é um projeto universitário”, alega.

A desenvolvedora diz que na sua opinião os europeus são mais sisudos e preferem games mais dramáticos, assim como no cinema. “E descobri como sou brasileira justamente por essas diferenças. Não precisava colocar índios ou o Saci nos meus games. Eles naturalmente são mais irônicos, psicodélicos e até mais alegres. Acho que essa malandragem, não a sacanagem ou o ‘jeitinho brasileiro’, é a característica nossa e só nossa”.

E os preconceitos por ser mulher?

“Mulher inteligente não pode ser bonita, não é?”

Com essa frase, ela entrou no assunto dos preconceitos que sofreu dentro da National Film and Television School. “No decorrer da minha pós-graduação, notei que alguns colegas estavam insatisfeitos sobre o meu próprio trabalho. Duas pessoas foram reclamar para a diretoria porque tinha fila para jogar meu game em evento”.

Por que Ana chamava atenção dentro da instituição inglesa? A razão por trás disso eram os churrascos que ela participou para vender o Pixel Ripped dentro da universidade, nas Summers Parties regadas a cerveja. E não era ela a única mulher de sucesso no game. Stef também conquistou as pessoas ao fazer o modelo 3D da Nicola e de outros personagens.

O marketing de Ana Ribeiro escondia muitos defeitos das primeiras versões do game. Árvores pré-renderizadas e elementos prontos de acervos públicos cobriam deficiências de modelagem que o time inicial tinha. E mesmo assim o jogo fez sucesso.

O ápice foi no evento promovido pela Eurogamer em Londres no ano de 2014. Oito projetos da National Film and Television School foram apresentados. Pixel Ripped foi um dos poucos games universitários noticiados nos sites Kotaku, Rock Paper Shotgun e VentureBeat.

O financiamento e o futuro

Em meados de 2015, Ana Ribeiro pediu 40 mil libras no Kickstarter para finalizar Pixel Ripped. O crowdfunding não deu certo, mas a aceleradora Boost pagou US$ 20 mil e os custos de estadia dela para acabar o projeto na cidade de San Mateo, no Vale do Silício dentro dos EUA. Com isso, a criadora de jogos trocou a Inglaterra pelos Estados Unidos.

É lá que ela mora atualmente com James McCrae. O canadense recebeu US$ 1 milhão da Boost, o maior da empresa, justamente por desenvolver um motor de programação para realidade virtual chamado Janus. Ela diz que se apaixonou por ele justamente por vê-lo criar códigos com velocidade.

“Nunca esqueço do barulho das teclas enquanto ele trabalhava concentrado”.

Graças ao primeiro game brasileiro em VR, Ana Ribeiro conheceu pessoalmente os desenvolvedores do Oculus Rift, dentro do Facebook, além dos responsáveis pelo PSVR da Sony.

Sua fama no Brasil cresceu tanto que a levou a carregar a tocha olímpica durante os jogos no Brasil em 2016. Ela também foi convidada a fazer uma palestra na China, além de ter passado por eventos de VR na Alemanha e na Bélgica.

No exterior, ela afirma que os eventos de VR costumam reunir cerca de 70 pessoas. Por este motivo, os brasileiros podem ficar otimistas quanto ao potencial da tecnologia no nosso país, que já movimentou mais de 400 pessoas num evento em São Paulo.

E o que ela planeja para o futuro?

“O lançamento de Pixel Ripped terá uma versão especial em realidade virtual. Penso em fazer um evento de estreia totalmente em VR, onde as pessoas possam interagir umas com as outras”.

Conversei com Ana utilizando o gravador do celular e um bloquinho de notas. Mas muitas de suas declarações foram feitas sem que eu intervisse com anotações, perguntas ou observações. De maneira fluída, ela me contou sua história.

Seu perfil me inspira como jornalista de games a criar textos e relatos mais longos sobre as entrevistas que faço. Por trás dos jogos que vemos e gostamos, existem histórias pessoais de verdadeiros artistas e empreendedores digitais.

A história de Ana Ribeiro é uma amostra que a persistência, a boa comunicação e o entusiasmo são capazes de transpor barreiras tecnológicas, territoriais e preconceitos de gênero.

Ela é, assim como sua Nicola/Dot, uma heroína de uma realidade absolutamente nova.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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