Por Sullivan Martinelli, Sullz Player, comunicador independente e YouTuber.
Governar é, em si, um ato de arrogância. E isso vale para qualquer um que tenha a ambição de mandar em outra pessoa, seja em um país, em um município ou nos corredores de uma empresa. Afinal, quem exatamente é digno de governar os outros? Como mensurar quem tem a sabedoria, o equilíbrio emocional e o discernimento necessários para decidir a vida de outras pessoas? Se alguém acredita ter esse direito puramente por autoestima, e não legitimado por um verdadeiro direito político, talvez já esteja se revelando como o tipo de pessoa que não deveria tê-lo.
É esse o tipo de análise necessário para entender como funciona a estrutura de poder hoje: uma máquina que recompensa ambição, e não a ética ou a dignidade. E é aí que mora o perigo. Porque, na grande maioria das vezes, quem sobe até o topo não é quem tem senso de justiça e boa vontade, mas quem sabe manipular, mentir e explorar oportunidades — justas ou não.

Foto: Reprodução/Montagem Pedro Zambarda/Drops
Poder é Palco para Frieza
Você já se perguntou por que certos líderes parecem tão imunes à empatia, tão “frios e calculistas” em suas ações? Em uma meta-análise — espécie de estudo sobre os estudos — publicada no Journal of Applied Psychology, Landay, Harms e Credé (2019) investigaram a complexa relação entre psicopatia e liderança. Ao sintetizar os resultados de múltiplos estudos, eles observaram que indivíduos com traços psicopáticos — caracterizados por frieza emocional, manipulação e falta de empatia — demonstram uma tendência a emergir em papeis de chefia. Curiosamente, essa ascensão não se deve necessariamente a uma maior eficácia na liderança a longo prazo. Em vez disso, a ambição por poder e status, aliada a habilidades sociais superficiais e assertividade, pode impulsionar sua busca por posições de influência, operando frequentemente dentro das normas sociais para alcançar seus objetivos.
“Ele não faria isso comigo, né?” Então, queride… ele faria sim! Em 1993, o renomado Robert Hare, autoridade máxima em psicopatia, já nos advertia em seu livro ‘Without Conscience’: muitos predadores de colarinho branco não estão atrás das grades, eles estão atrás do poder. Para Hare, a falta de remorso é uma arma secreta, e a manipulação, uma arte refinada para quem visa o topo em ambientes onde a competição é disseminada. Você consegue pensar em algum ambiente assim? Tipo no Capitalismo?
Os dados escancaram uma realidade incômoda: o poder não apenas atrai, mas também protege aqueles com a inclinação para dominar. Ele se torna o palco perfeito para o exercício do controle, onde a falta de consciência é uma vantagem estratégica, não uma falha moral. Essa constatação nos obriga a confrontar a imagem idealizada do líder benevolente e a reconhecer que a ambição desenfreada pode ser o disfarce de uma patologia perigosa, inerente à própria estrutura de poder que idolatramos.

A Maquiavélica Prosperidade
A ânsia pelo controle absoluto, a incapacidade de aceitar críticas, o impulso constante por submissão dos outros — tudo isso pode ser lido como sinal de uma patologia psíquica e social. É claro que nem todo líder é um psicopata. Mas o sistema está estruturado de forma a premiar comportamentos autoritários. Líderes narcisistas tendem a se sair bem em ambientes onde carisma vale mais que consistência. Chefes manipuladores prosperam onde resultados importam mais que processos éticos. A estrutura recompensa a toxicidade — desde que ela produza lucro, votos ou controle. Os fins realmente justificam os meios?
O filósofo anarquista Mikhail Bakunin já dizia que “nenhum homem pode ser suficientemente bom para governar outro homem sem o seu consentimento”. O problema é que, na vida real, o consentimento costuma ser manipulado, fabricado, comprado. E o poder, uma vez conquistado, dificilmente será devolvido sem uma revolução.

Descentralize e Desconfie
Não se trata de propor o caos, mas sim a liberdade genuína para todos e o fim de qualquer forma de dominação. Em vez de concentrar decisões nas mãos de poucos, a ideia é construir espaços de diálogo coletivo, onde o consenso e a participação direta moldam o futuro. No lugar de hierarquias rígidas, a força das conexões e das redes auto-organizadas. E em vez de uma obediência imposta, a responsabilidade compartilhada por todos.
Esse é um caminho complexo, que exige tempo, maturidade política e, acima de tudo, a vontade de transformar. Mas o modelo que nos aprisiona hoje já escancarou suas falhas: crises cíclicas que descambam no fascismo, líderes duvidosos, sistemas corroídos pela corrupção, desigualdades abissais, violência institucionalizada e a destruição imparável do nosso planeta.
Se a própria ambição de governar carrega uma sombra de arrogância, talvez o primeiro passo seja questionar aqueles que almejam o poder. E o segundo, desenvolver juntos as estruturas de uma sociedade onde o poder central se torna obsoleto. Não pela busca de uma uniformidade utópica, mas pelo reconhecimento de que ninguém deve ter o direito de ditar os destinos de todos.
A saída é reinventar a maneira como coexistimos. Não depositar nossa esperança em novos líderes messiânicos, mas cultivar a capacidade de vivermos livres, autônomos e subsistentes de forma sustentável.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.
