Publicado originalmente na Folha Democrata. Comecei a assistir o canal do Pirulla em 2007. Era outro YouTube, outra internet, outro país. Ele falava de evolução, criacionismo, biologia, sempre com aquele tom meio catedrático, mas didático. Durante anos acompanhei com interesse, até que em 2017 larguei.
A guinada dele para os comentários políticos, quase sempre desinformados e autocentrados, tornou os vídeos difíceis de engolir. E aqui vai minha parte da culpa também. Transformei minha discordância em rompimento. A cada divergência, parece que vamos riscando nomes da lista.
E quando percebemos, sobraram poucos. A esquerda tem se permitido esse luxo com frequência, e não é só um problema de vaidade ou pureza política. É estratégia mal calculada. Em um cenário onde a extrema direita se organiza com precisão militar, munida de dados, algoritmos, inteligência artificial e coordenação internacional, nós seguimos nos perdendo em desavenças que, no fim, só interessam ao inimigo.
Pirulla nunca foi militante de esquerda, mas, gostando ou não, estava do nosso lado nas frentes mais importantes dos últimos anos: combate ao negacionismo, defesa das vacinas, enfrentamento ao olavismo, defesa do ensino público e da laicidade. E agora, enquanto ele está na UTI após sofrer um AVC, vê-se alvo de uma máquina de desinformação que celebra sua doença como castigo divino e tenta espalhar a mentira de que a culpa é da vacina. Esse tipo de ataque não é contra ele apenas. É contra tudo o que ele representa e, por tabela, contra todos nós.
Num tempo em que algoritmos definem eleições e psicologia comportamental é arma política, precisamos de mais frentes, mais vozes, mais disposição para sustentar alianças imperfeitas. A extrema direita já aprendeu isso. E se organiza com youtuber, com pastor, com influencer, com político picareta. Enquanto isso, parte da esquerda segue escolhendo quem merece ou não ser ouvido. Pirulla pode ter cometido erros de análise, mas nunca esteve ao lado dos que zombam da ciência, das vítimas da pandemia, dos que atacam a educação e os direitos civis. Isso basta. Ou deveria bastar.
Num país em que tantos fizeram da ignorância uma bandeira política, não podemos abrir mão de quem, com todos os limites, ainda fala em nome do conhecimento. Mesmo quando discordamos. Mesmo quando nos cansamos. O que está em jogo é maior do que nossas decepções pessoais. E a máquina do outro lado já entendeu isso faz tempo.
Para ajudar a família de Pirulla com contribuições via PIX:
pirula1408@gmail.com
Marcos Siqueira
(O Marcos é parente do Pirulla)
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.
Conheci o Pirula há alguns anos. Torço para que ele se recupere. Por favor, continue dando notícias dele. Pouco importa se ele é de esquerda ou de direita, o mais importante é que é um jovem cientista preocupado em disseminar conhecimento, coisa rara nesse país.