Cultura

5 musicais para homens hetero que curtiram Wicked

A história é sempre a mesma: você, homem hetero, resolveu fazer um agrado pra sua namorada/noiva/esposa/crush acompanhando-a no cinema para assistir aquele tal de Wicked, achando que seria uma boa oportunidade de cochilar por umas 3 horinhas e ainda deixar a sua mulher te devendo uma. Mas aí aquele mundo colorido apareceu na telona, começou a cantoria toda e você… ficou acordado. Não só acordado, mas prestando atenção. E, ao contrário da sua companheira, que a cada vinte minutos ligava o celular para responder uma mensagem, você não conseguiu desviar o olhar do filme por um único segundo. E o pior: desde que o filme acabou, toda vez que fica sozinho você não consegue parar de cantarolar I think I’ll try defying gravityyyy em looping.

Eu sei, eu sei… quando a gente coloca essas coisas no papel tudo parece muito preocupante. Mas não é! Na verdade, é normal. Todo homem passa por uma “fase musical. Pode acontecer ainda na infância, mas também tem muita gente que se descobre fã de musicais depois dos 30 — e tá tudo bem. Eu mesmo só fui me descobrir quando já tinha meus 20 e tantos anos.

O ano era 2010. Eu estava em uma festa da Unicamp ouvindo um Djavan, Céu, Tim Maia, essas coisas que toca em toda festa de faculdades de humanas. Foi então que uma menina que eu só conhecia de nome sentou ao meu lado, já meio “alegrinha” de caipirinha, e começou a puxar assunto. Cinco minutos de papo, ela de repente pega minha mão e fala “eu PRECISO te mostrar uma coisa”, me puxando pelo braço em direção à biblioteca da faculdade de artes.

A gente então entra na biblioteca e ela me leva para umas salinhas de vídeo, que ficavam no segundo andar do prédio. A gente entra numa das salas e ela na hora me empurra para um dos pufes que estavam ali, eu caio meio sentado, meio deitado, meio sem entender nada. Ela só olha pra mim e fala “não precisa ter medo, eu vou com carinho”, ao mesmo tempo em que tira um uma capinha de DVD do bolso da jaqueta.

O filme começa, todo preto e branco, alguém falando sobre um teatro e um fantasma e alguma coisa sem sentido assim. Eu não estava me divertindo, e também não estava entendendo porque ela precisava me mostrar aquela coisa sem sentido e tão urgente. E então… quando o primeiro TÃÃÃÃ do órgão atingiu meus ouvidos, tudo mudou.

Assim como a música trouxe de volta todo o encanto do teatro decrépito que era mostrado ali no filme, ela também me preencheu de um jeito tal que nada no mundo à minha volta voltou a ser igual. E enquanto eu assistia extasiado ao triângulo entre Erik, Raoul e Christine, me deixando levar pelas notas da sinfonia e as letras de Andrew Lloyd Webber, era observado… talvez? Provavelmente? Eu realmente não sei, porque juro que até esqueci que eu não estava sozinho ali.

Sim, qualquer fã de musicais vai falar que a versão 2004 de O Fantasma da Ópera é uma das mais pobrezinhas, mas, quando você é criado na posição de homem hetero dentro de uma sociedade como a nossa, você normalmente não escolhe como será a sua primeira experiência com musicais — ela só acontece, normalmente quando você menos espera.

A partir de então, os anos subsequentes foram quase que totalmente dedicados a tirar o atraso nos musicais: Rent, Hairspray, Chicago, Moulin Rouge, Mamma Mia!, Rocky Horror Picture Show, Dreamgirls, High School Musical, Glee, In The Heights, Cats, West Side Story, Cantando na Chuva, A Noviça Rebelde, Cabaret, Os Produtores. Stephen Sondheim, Leonard Bernstein, Mel Brooks, Jule Styne, Charles Strouse… Não importava de quem era: se era musical, eu precisava conhecer.

E nessa fase eu sofri um pouco porque, mesmo depois de me assumir como amante de musicais, eu ainda continuava sendo um homem hetero, sujeito às mesmas sensibilidades de todo homem hetero comum. E eu preciso ser franco com vocês: eu odiei — ou no mínimo achei chatíssimos — muitos dos musicais que são considerados clássicos.

Por isso, estou aqui escrevendo este texto para duas coisas: te confortar e te guiar. Sim, é normal homens hetero gostarem de musicais, mas você não vai gostar de todos os musicais que assistir; e sim, vão existir coisas que os críticos falam que são horríveis mas que acabarão se tornando algumas de suas obras preferidas, porque se existe algo que a crítica especializada em arte — principalmente quando falamos de musicais — não consegue compreender é a complexidade da vivência de um homem hetero e todo o peso cultural que carregamos em nossas costas. E eu tenho certeza que você vai encontrar qualidades que conversam com o seu âmago mais secreto em pelo menos um desses cinco musicais que eu indico nos próximos parágrafos desta matéria.

1) Rock of Ages

Seria impossível falar de “musicais para homens heteros” sem citar este que provavelmente é o melhor exemplo do gênero: Rock of Ages. Na Los Angeles dos anos 1980, enquanto um grupo de mães conservadoras tentam forçar a prefeitura a fechar um famoso bar de rock, um jovem garçom e uma garçonete buscam uma oportunidade de mostrar que são verdadeiros astros do rock.

Aqui temos romance, drama, hinos de revolta, versões de clássicos do hard rock/hair metal e Tom Cruise de peruca finalmente mostrando o rockstar que ele deveria ter sido em Rainha dos Condenados. Com versões de clássicos como Don’t Stop Believin’, More Than Words e Paradise City, Rock of Ages é um musical que todo crítico diz ser ruim, mas que provavelmente vai se tornar um de seus preferidos.

Resumindo…

Sexo, Tom Cruise de peruca e Rock & Roll.

2) The Lightning Thief

Antes de os livros de Percy Jackson se tornarem uma ótima série na Disney+ (mas bem depois deles terem recebido aquelas duas adaptações horríveis ao cinema), eles se tornaram um ótimo musical. The Lightning Thief é uma adaptação do primeiro livro da série (Percy Jackson e o Ladrão de Raios) e conta a história de Percy, um garoto de 12 anos que, na mesma semana, descobre que os deuses e monstros da mitologia grega são reais, que ele é um semideus, que sua mãe foi raptada por Hades, que ele foi acusado de roubar o Raio de Zeus, e que só ele pode evitar uma guerra entre deuses que traria graves consequências para o mundo dos humanos.

A produção estreou em 2014 e, no melhor espírito dessa época, The Lightning Thief é um musical com grandes influências do movimento garage, emo e indie rock de bandas e artistas como Beck, Broken Social Scene, Metric, Vampire Weekend e qualquer grupo que soa como parte da trilha sonora de Scott Pilgrim Contra o Mundo. Se você é um homem hetero com mais de 25 anos, provavelmente vai gostar deste musical.

Resumindo…

Um musical YA para a geração Tumblr e MySpace. (YA vem de “Young Adults” e define aquele gênero literário de Harry Potter e todas essas histórias voltadas pra adolescentes e adultos que ainda não superaram o fim da adolescência).

3) Nasce Uma Estrela

Esta é uma das histórias mais clássicas de Hollywood, com umas 47 versões, mas eu indico especificamente a de 2019, com Bradley Cooper e Lady Gaga. Eu sei que provavelmente você já cansou de ouvir Shallow no rádio (principalmente aquela versão pau-mole da Paula Fernandes), mas como em todo bom musical, a música mais famosa não é a melhor: Maybe It’s Time é uma balada country que bate no fundo da alma, Heal Me é uma música perfeita pra fazer sucesso na pista de EDM, e Always Remember Us This Way talvez seja a melhor música pop que a Lady Gaga já compôs na carreira — e eu não estou exagerando.

A história de Nasce Uma Estrela é aquele clichê de “garoto-conhece-garota-eles-se-apaixonam-brigam-e-reatam-até-chegar-o-fim-do-filme-e-você-ficar-sem-chão”, mas se você está naquele momento do mês em que se sente um bosta que não vale nada, recomendo assistir a esse filme sozinho no banheiro se não quiser que ninguém veja você chorando.

Resumindo…

Uma ode ao amor que é eterno só até a mulher se mostrar mais talentosa e profissionalmente relevante do que o homem.

4) Epic, um projeto de Jorge Rivera-Herrans

Ao contrário dos outros projetos que citei até aqui, Epic não é um filme ou produção para a Broadway, mas um projeto musical criado por Jorge Rivera-Herrans (um cara que eu admiro bastante e que provavelmente seria leitor do Drops de Jogos se falasse português, já que ele é músico e youtuber que faz streaming de videogames).

Epic é um musical sobre A Odisséia, texto que é considerado uma das primeiras obras de fantasia da literatura ocidental e que serviu de inspiração para outras tão diferentes quanto O Senhor dos Anéis e A Incrível Jornada (aquele filmes dos cachorros + um gato que ser perdem na mudança e saem em busca de seus tutores). Apesar de ser baseado em uma das obras mais antigas da história humana, Epic é um musical totalmente contemporâneo, misturando música erudita, eletrônica, rock, rap, pop e teatro musical de maneira única.

Esta talvez seja a obra menos conhecida de tudo que eu citei aqui, mas eu não me espantaria se, daqui uns 10 anos, visse Jorge Rivera-Herrans com a agenda de trabalhos tão lotada quanto um Lin Manuel Miranda. Epic ainda é uma obra incompleta, mas os fãs esperam que o último ato da história seja lançado ainda neste ano. De qualquer forma, este é um projeto que conheci em março de 2024 e, desde então, estou totalmente obcecado por sua qualidade, pois não há uma única música lançada até agora que tenha me deixado com aquela reação de “meh”.

Resumindo…

Ouça uma música e descubra a sua próxima obsessão.

5) Racionais MC’s

Agora você vai me falar: “pô, mas desde quando Racionais é um musical?”. Claro, na superfície Racionais é “apenas” o melhor e mais importante grupo de rap brasileiro. Mas vem comigo, vamos fazer um lista de coisas que a gente encontra na discografia dos Racionais Mc’s:

  • histórias contada em versos, com início, meio e fim
  • personagens diversos, que dão diferentes perspectivas para a mesma narrativa
  • duetos entre diferentes personagens

Não estou dizendo uma música ou um álbum dos Racionais tenha estrutura de musical. A carreira deles como um todo é um extenso musical sobre como é ser negro e pobre no Brasil. As dificuldades, os anseios e os sonhos dessas pessoas, e sobre como essas pessoas precisam lutar para sobreviver contra toda uma estrutura social desenvolvida para moer seus corpos em nome do “deus Mercado”.

Se Steven Sondhein mudou a história da Broadway com Rent, Mano Brown e os Racionais Mc’s mudaram a história da música brasileira com um rap que nada mais é do que a nossa versão de uma história de pessoas que conseguiram sobreviver “ao inferno” e ter sucesso mesmo jogando contra o mundo.

Resumindo…

Bem antes de Hamilton, os Racionais já usavam o rap pra contar histórias. E ao contrário de Lin Manuel Miranda, eles sabem fazer rap.

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