Em 2013, um menino de 13 anos assassinou os pais, a avó e a tia na cidade de São Paulo. Na época, a violência foi atribuída pela opinião pública ao videogame, já que o garoto tinha como foto de perfil no Facebook uma imagem do jogo Assassin’s Creed. Uma tese defendida pelo Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP revela outra face dos jogos digitais, ao destacar sua aplicação com fins educativos.
O professor Adalberto Pereira decidiu investigar os efeitos dos games nas aulas de matemática de crianças de uma escola estadual de tempo integral no município de Cotia, região metropolitana de São Paulo. Os resultados foram promissores: Pereira relata que os jogos conferiram novo sentido ao ensino e à aprendizagem da matemática. “Os alunos estudam matemática e sentem que não vão usá-la na vida prática; eles se sentem desmotivados. Ao contrário, a compreensão da matemática passa a ter um significado quando os alunos conseguem experienciar o raciocínio lógico, por meio do seu exercício efetivado com os jogos.”
Além disso, os estudantes relacionaram o conteúdo matemático a outros aspectos sociais, refletindo, por exemplo, sobre criminalidade e sobre preservação ambiental.
Realizada sob a orientação compartilhada com o professor Flávio Silva, a pesquisa teve auxílio da professora Stela Piconez, coordenadora científica do Grupo Alpha (CNPq) da Faculdade de Educação da USP.
A intenção original de Pereira era utilizar jogos no computador. A infraestrutura tecnológica presente era precária; poucos computadores; ausência de rede wi-fi e insuficiência de salas disponíveis a todos os alunos. O Grupo Alpha desenvolve projeto de cultura digital em escolas públicas e abrigou a pesquisa com jogos nos celulares dos alunos (prática conhecida como bring your own device, do inglês traga seu próprio equipamento), após autorização dos órgãos educacionais competentes. Os jogos Sim City, The Sims e Clash of Clans foram escolhidos pelos alunos. Foi realizado um estudo para verificar quais competências e habilidades matemáticas poderiam ser usadas para o ensino. “Sim City, por exemplo, é um jogo bem complexo de administração de cidades e que envolve conhecimentos de áreas interdisciplinares como a da matemática, mas também de economia, saúde, política, geografia, entre outros”, explica ele.
Por serem jogos que pedem cooperação entre jogadores, foi estimulado o uso de redes sociais, como na busca de tutoriais no YouTube, discussões em fóruns e um grupo no WhatsApp, para que fossem discutidos recursos, estratégias e que os alunos pudessem interagir.
Como o jogo era cooperativo, eles se ajudavam, tiravam dúvidas e estavam sempre animados. Isso também contribuiu com a diminuição dos índices de bullying na escola”, acrescenta o professor.
Durante um dos grupos focais, o pesquisador colocou no quadro da sala de aula três questões envolvendo a resolução de equações do primeiro grau (Álgebra I) contextualizadas com elementos e linguagem presentes no jogo digital. Os alunos resolveram de cabeça a primeira questão, porém foram incentivados a tentar formalizar matematicamente suas respostas usando o elemento incógnita “X”, nomenclatura desconhecida por todos.
“A matemática, assim como outros conteúdos curriculares, utiliza vocabulário técnico, pouco familiar aos alunos. Os jogos ofereceram oportunidade de dar sentido à linguagem matemática das resoluções de problemas, transformando a compreensão do conceito matemático, aos níveis mais abstratos comunicados por linguagem alfanumérica”, descreve Pereira.
Os alunos conseguiram estabelecer relações do conteúdo matemático presente nos games, com a diversidade de outras áreas da vida social. Por exemplo, em relação às demandas do jogo de administrar uma cidade, inferiram a necessidade do prefeito estar preocupado com a destinação do lixo de uma cidade; e a redução da necessidade de construir presídios caso se investisse mais na construção de escolas e, assim por diante.
O docente afirma ser falsa e preconceituosa a ideia de que os games viciam, ao destacar que há contribuições muito importantes dos jogos digitais para a aprendizagem de conceitos matemáticos. Pereira e Stela defendem que, quando alinhados ao currículo oficial de matemática, estes recursos podem promover aprendizagem significativa em relação à compreensão de registros abstratos e superam a desmotivação dos alunos. O estudo constatou, inclusive, que eles auxiliam na melhoria dos resultados obtidos nas avaliações externas e nas possibilidades de autonomia na própria aprendizagem dos alunos.
Assim, a composição de dispositivo móvel sob a perspectiva bring your own device, com apoio de redes sociais, ajudam na superação dos maiores desafios das escolas públicas: infraestrutura tecnológica precária existente e ausência de formação dos professores. Para o pesquisador, estes “necessitam de formação permanente que os auxilie a utilizar jogos digitais como estratégia pedagógica de apoio à construção de conhecimentos matemáticos assim como metodologia específica para uso dos equipamentos móveis na escola com a finalidade de inovar no processo de desenvolvimento e avaliação da aprendizagem dos alunos”.
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