Os games brasileiros estão chegando ao horário nobre da tv. Depois da novela G3R4Ç4O BR4S1L (2014) que inseria o game Legendary Heroes na trama, agora Tormenta: O Desafio dos Deuses, game produzido pela universidade Feevale, apareceu em um capítulo da novela Babilônia, durante uma 'DR' dos personagens Bento Laranjeira (Dudu Azevedo) e Paula Camargo (Sheron Menezzes). Em ambos os casos, a presença de games foi obra de Arthur Protasio, contratado como consultor da emissora de tv. Arthur é reconhecido no meio dos games pela produção de vídeos do LudoBardo, em que discorre sobre as narrativas nos games.
Drops de Jogos – De uma hora para outra, os games começaram a aparecer na tv aberta em horário nobre, nas novelas. Trata-se de uma apropriação da linguagem digital pela comunicação de massa tradicional ou uma rendição às qualidades narrativas do novo meio?
EdH – Acredito que seja decorrente de uma aceitação gradual do tradicional público das novelas frente às novas tecnologias. O perfil dos gamers mudou muito na última década, é hoje um público que envelheceu, e as mulheres também estão jogando mais. É natural que essa mudança de padrão também reverbere em outras mídias.
Arthur – Não acho que tenha sido de uma hora para outra. Acho que pra nós, produtores de jogos, pode ter sido um susto, mas há alguns anos, jornais, revistas e inúmeros veículos já tem falado para as massas sobre os feitos da indústria e mercado de games. Quando trabalhei na novela Geração Brasil, ela chamou atenção por realmente abraçar a temática da tecnologia como ponto central, mas isso se deu por causa da importância e da forte presença da tecnologia digital na vida cotidiana e a sua manifestação cultural através do jogo. Ou seja, a linguagem digital já é um elemento do dia a dia de todos e a intenção de representar essa realidade que está se tornando cada vez mais comum é o que fez com elas fossem parar em produtos de entretenimento de massa, como novelas.
Drops de Jogos – Em termos de cultura de massa, porque parece tão importante que os games consigam invadir a tv convencional em horário nobre?
EdH – Considerando-se que a novela é o fenômeno midiático máximo do nosso país, para mim, torna-se como uma legitimação: Legitima-se como presença em uma mídia popular, que normalmente discute/insere questões polêmicas e contemporâneas. Ou seja: apareceu na novela, assume-se que é popular, que faz parte das discussões diárias. Isso é importantíssimo porque coloca os games na pauta de setores da sociedade que antigamente tratavam os games como algo alienígena.
Arthur – Porque uma vez que os jogos fazem parte da cultura de massa, significa que os jogos estão ganhando uma aceitação mais ampla também. Significa que o que antes era uma cultura de nicho relegada a garotos nerds, se torna um material de entretenimento acessível e desejado por pessoas de variadas idades e formações. Em outras palavras, a novela sempre foi tida como um elemento inerente à cultura brasileira e se um jogo é mostrado nela, entende-se que ese jogo também faz parte dessa cultura.
Drops de Jogos – Com as promessas de uma tv realmente interativa e o aperfeiçoamento das narrativas digitais nos games das recentes gerações vocês acreditam que caminhamos para formas de interação lúdica capazes de aproximar ou unificar estas duas linguagens? Podemos ter, como sugerem as recentes produções da Telltale, games que possam ser jogados como novelas interativas?
EdH – Ainda acho cedo uma discussão dos games dentro do ambiente tradicional da TV, mesmo que digital. Entendo que este tipo de público ainda precisa amadurecer em relação ao consumo de novas formas interativas. Mas sim, é algo possível numa próxima geração, e iniciativas como a da Telltale realmente apontam novas perspectivas neste sentido.
Arthur – Certamente há potencial para aproximação e unificação, mas há tantas outras questões que precisam ser levadas em conta. Antes de mais nada fala-se de um produto, então é necessário investigar se primeiramente haveria público disposto a consumir essa forma de história (torço que sim!) e como seria possível comercializar essas produções dentro de um modelo sustentável. É importante entender que apesar das inúmeras inovações tecnológicas que surgem, não são todas que realmente são abraçadas pelo público de massa.
Drops de Jogos – Narratologistas e ludologistas discutem há anos a capacidade dos games em contar histórias e ser também (ou não) um novo meio para as narrativas clássicas. Qual a opinião de vocês?
EdH – Vejo essas discussões como complementares, embora alguns teóricos defendam ferrenhamente o seu ponto de vista. O que defendo é que o game, como linguagem, deve ser responsável por trazer sempre novas visualizações para as narrativas, principalmente se elas forem baseadas em textos clássicos. É como ouvir uma banda nova que faz um cover de uma música já conhecida: se não trouxer algo de novo à composição original, quem ouvir vai preferir ficar com a versão tradicional que já conhece.
Arthur – Toda mídia que é capaz de comunicar uma mensagem, seja jogo, pintura, dança, é capaz de contar uma história. Para contar uma boa história, no entanto, é importante primeiramente avaliar se o conteúdo que pretende-se contar é convincente e capaz de produzir vínculos emocionais e, em segundo lugar, avaliar como essa história será contada. Não basta saber o que contar, mas também como contar. Da mesma forma que não basta saber como contar, mas também o que. Por causa disso, é importante reconhecer que é possível levar histórias clássicas para os jogos, mas elas terão de ser adaptadas conforme as características específicas da sua nova mídia – e o uso bem feito disso é que provavelmente vai justificar o interesse do público.
Drops de Jogos – Artigo do CS:Games da PUC-SP denomina o entretenimento interativo como “soap-operas digitais” com "elaboradas tramas dramáticas somadas à oportunidade de agenciamento plenamente imersivo". Vocês acreditam que esse seja um caminho para os games?
EdH – Dentro do ponto de vista narrativo, sem dúvida. Mas aí entramos novamente naquela discussão dos Narratologistas e Ludologistas… um game não necessita exclusivamente de uma narrativa elaborada para agradar seu público, às vezes uma mecânica interessante de gameplay já basta.
Arthur – Sim, esse é um dos caminhos para os jogos. Um caminho de vários. Como roteirista e designer de narrativas, eu entendo que contar uma boa história é saber (novamente) adequar o conteúdo de maneira apropriada à mídia escolhida. Faça isso de maneira bem feita e há uma chance de que haverá um público interessado. No entanto, não é apenas porque estamos falando de jogos que necessariamente todos eles precisam se propor a contar complexos enredos. E por que precisamos do rótulo de jogos? Até que ponto não estamos falando apenas de “experiências interativas” que se valem de diferentes recusos para comunicar diversas mensagens?
Drops de Jogos – Voltando à tv, temos visto algumas iniciativas tentando apresentar a cultura dos games em programas de entretenimento, incluindo nomes como Flavia Gasi Gustavo Petró e outros profissionais na tv aberta. Porque estas iniciativas não têm obtido sucesso e audiência?
EdH – Acredito que talvez o público a que se quer atingir não esteja na TV aberta necessariamente, mas na internet, se levarmos em consideração a grande popularidade atual dos youtubers.
Arthur – Não é uma resposta fácil, mas muito provavelmente o público que tem interesse no tema não esteja mais vendo TV aberta. Basta olhar para o sucesso de tantos programas na internet que consegue atingir o público específico que desejam sem correr o risco de ser transmitido para uma outra parcela desinteressada.
Drops de Jogos – Qual o futuro da junção entre games e novelas na sua opinião?
EdH – Seria legal a inserção de mais personagens gamers, que desmistifique a visão bitolada e preconceituosa que alguns setores da sociedade possuem.
Arthur – Do ponto de vista narrativo, eu adoraria explorações na linha transmídia e que tivesse a oportunidade de desenvolver uma experiência interativa que se comunicasse com a história de uma novela. Do ponto de vista cultural, acho que essa junção tem muito a ganhar no sentido de mostrar os jogos são um elemento cultural cada vez mais comum na sociedade.
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