O jornalismo brasileiro sofreu um abalo nesse dia primeiro de março, a partir de um posicionamento do ministro da Economia, Fernando Haddad, com impactos até mesmo no setor de jogos digitais que estavam fora desse contexto.
A situação teve início com o anúncio do ministro informando que, como medida para compensar a isenção dos salários até a faixa de R$ 2.640,00 do Imposto de Renda, cumprindo uma promessa de campanha, o governo avalia a taxar os sites de apostas e cassinos digitais.
A declaração de Haddad foi dada durante uma entrevista ao site UOL. O jornalista Tales Faria questionou-o sobre os “jogos da internet”. Na resposta, o ministro comentou que estes jogos seriam regulamentados, já que “não pagam nenhum imposto e levam uma fortuna de dinheiro do país”. A informação por si só já identificaria não se tratar, portanto, de videogames, tendo em vista que estão entre os produtos mais tributados no país.
À despeito disso, parte da mídia interessada em gerar polêmica de olho na audiência (e a qualquer custo, em alguns casos), passou a tratar da questão como se o ministro estivesse taxando os games, em descompasso com manifestações anteriores do próprio presidente eleito e da cartilha Lula Play, entregue ao então candidato em agosto de 2022. A carta concentra uma série de iniciativas para alavancar o desenvolvimento nacional de jogos e incentivar a geração de empregos e políticas públicas e educacionais, entre outros temas.
O site O Antagonista saiu na frente, afirmando erroneamente que “Haddad promete desfazer desoneração a videogames ainda neste mês”, destacando que o “corte de impostos na área serviu de ponte para Jair Bolsonaro com eleitorado jovem”, ainda que nada disso tivesse surgido na entrevista original.
E manteve o tom de especulação ao grafar que “o ministro não detalhou o quanto o país deixa de arrecadar com a tributação de jogos e componentes eletrônicos”, em nova alusão ao mercado de games.
À tarde, o Voxel, site de games do Tecmundo, da empresa NZN, disparou contra a medida, colocando no mesmo balaio os signatários da cartilha Lula Play como imagem de destaque da matéria assinada por Thomas Schulze Costa. No artigo, o autor frisa que não se sabe se “a fala do ministro Haddad se refere aos jogos de aposta, aos games eletrônicos ou ambos”, embora identifique pouco mais abaixo que os games no Brasil são “alvo de impostos exorbitantes por décadas”. O Voxel desmonta a própria narrativa nessa frase.
Contrariamente, o G1, das organizações Globo, exerceu o bom jornalismo com a devida atenção às palavras do ministro, estampando no site o título “Haddad defende taxar aposta eletrônica para compensar perda com mudança no IR”. A matéria é assinada pelo jornalista Alexandro Martello.
A imprecisão que inseriu o mercado de games nacional e a cartilha Lula Play na fala de Haddad incendiou as redes sociais ao longo da tarde, com centenas de mensagens contra os proponentes da iniciativa e contra o governo federal, que teria enganado os jovens com um discurso em campanha e ação em movimento contrário após eleito.
Logo, o MBL, Movimento Brasil Livre, que tem um vasto histórico em exageros e distorções factuais com o objetivo de angariar as massas coléricas das mídias sociais, veio a público em um tuíte do deputado paulista Guto Zacarias, do União Brasil, declarando que “na campanha, Lula reconhecia a importância da indústria de games”, mas que Fernando Haddad iria reverter a desoneração de impostos em videogames.
O efeito cascata se seguiu, com sites como Meu PlayStation trazendo a chamada “Ministro da Fazenda: governo vai tributar ‘jogos eletrônicos’”. Até o final do dia, o artigo assinado por Thiago Barros não contava com qualquer correção da equivocada informação.
No meio da tarde, um artigo dos mesmos Carla Araújo, Letícia Casado e Tales Faria no UOL informava que, de acordo com o ministro, a taxação de apostas online pode oferecer ao país uma arrecadação entre R$ 2 a R$ 6 bilhões, através da regulamentação de apostas esportivas online, conforme estimativas em estudo pelo Ministério da Fazenda.
Pode haver entre os fãs de jogos nas suas mais diversas vertentes quem acredite que nenhum tipo de jogatina deve ser taxado e que, diferente da fala do atual ministro, a administração anterior jamais realizaria estudos do gênero. No entanto, como demonstrou a reportagem da Veja em meados de dezembro do ano passado, um decreto elaborado pela equipe de governo chegou à mesa do então presidente e lá ficou até vencer o prazo para a regulamentação do setor. Como informa o texto, “a não publicação do decreto significa que o mercado bilionário continuará operando sem pagar impostos e sem ser fiscalizado”, evidenciando a má gestão.
Diante da polêmica gerada pela notícia, e provavelmente de algumas críticas em relação à inconsistência das informações apresentadas, o Voxel atualizou a seu artigo, afirmando que “é possível que o ministro tenha se expressado de forma dúbia acidentalmente”, mas tentando ressalvar o texto original, sugerindo que “os videogames […] provavelmente estão envolvidos no tema de uma forma ou de outra”.
Considerando a tarimba dos profissionais envolvidos, é improvável que estejamos falando em deslizes gramaticais ou ingenuidade em relação ao assunto que mobilizou as opiniões nas redes ao longo do dia, gerando inúmeros cliques de acesso a tais conteúdos. Resta ponderar a serviço do que ou de quem operavam essas opções pela intriga.
Lamentavelmente, a guerra de narrativas expõe mais uma vez o grupo de profissionais do mercado que, convidados pelo Instituto Lula para propor iniciativas em favor do mercado de games e do país, viu-se registrado em um momento icônico ao lado do presidente Lula e paga um alto preço com as críticas advindas exatamente daquelas que também postulam melhorias para o setor.
O trabalho junto a interlocutores do governo continua e, se tudo correr bem, algumas dessas intenções poderão, em breve, se transformar em políticas públicas.
Imagem: fotomontagem com prints do G1 e Voxel
Ver Comentários
Sempre fizeram isso, e nos últimos anos pioraram muito mais.