EXCLUSIVO: Instituto Alana defende crianças e adolescentes dos fantasy que apareceram no Marco Legal dos Games
O Drops de Jogos manteve contato recente com o Instituto Alana, que defendeu hoje no Senado Federal os direitos das crianças e adolescentes nos fantasy games que apareceram no Marco Legal dos Games, categoria de jogos que pode sim se confundir com apostas. Emanuella Halfeld foi a porta-voz da entidade.
Eles enviaram o seguinte documento, que reproduzimos com exclusividade abaixo.
Pela defesa dos direitos de crianças e adolescentes no ambiente de jogos
Sobre o Projeto de Lei nº 2.796/21
O Projeto de Lei nº 2796/21 visa criar o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos e para os jogos de fantasia. O Instituto Alana1 vem ressaltar, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, o dever do Estado, da Sociedade e da família assegurar os direitos de crianças e adolescentes com absoluta prioridade, inclusive no desenvolvimento de jogos eletrônicos e de fantasy games.
O que são Fantasy Games?
Fantasy games são um modelo de negócios que permite que usuários se tornem técnicos de times de esporte, selecionando e organizando seus times a partir de jogadores da vida real. A performance de seus times depende da performance dos jogadores reais. Os fantasy podem ser totalmente gratuitos ou envolver a premiação (seja em itens, prêmios, pontuação ou dinheiro).
Há, ainda, modelos diferentes de fantasy games, como os “daily fantasy”, um modelo muito mais acelerado com competições de duração diária ou semanal, com recompensas imediatas.
Crianças brasileiras estão jogando cada vez mais. Mais da metade das crianças e adolescentes brasileiras, entre 9 e 17 anos de idade, jogam online. Esse número sobe para 75% quando falamos dos meninos.
Dados demonstram que crianças e adolescentes que jogam jogos eletrônicos estão mais expostas à riscos (como testemunho de discriminação e violência), mas também à oportunidades positivas na Internet (realização de pesquisas, busca de empregos, engajamento cívico-político).2
Por um olhar para riscos de saúde: A OMS reconhece o problema da “Gaming Disorder” (Desordem de Jogo), quando há descontrole sobre o ato de jogar com prejuízo nas demais dimensões da vida.
Instituto Alana, organização da sociedade civil, sem fns lucrativos e de impacto socioambiental, com foco na proteção e promoção dos direitos das crianças: https://alana.org.br/.
Por um olhar para riscos fnanceiros em mecanismos de compras e transações em jogos: A introdução de mecanismos que estimulam o comportamento de ‘vício’ para manter uma criança ou adolescente em um jogo deve ser objeto de preocupação de um Marco Regulatório.
Jogos na educação, seja como pedagogia ou recreação, necessitam de um olhar cuidadoso para evitar estímulo e entrada a jogos que causem riscos à saúde, vício ou até mesmo ampliem a publicidade infantil explícita ou mascarada. Diferentemente da saúde, a estrutura descentralizada da educação não possui fltros de entrada tão claros. Isso pode gerar riscos de promoção, nas escolas, de jogos que causem riscos à saúde, ampliem contato com conteúdos danosos ou até mascarem publicidade infanto-juvenil no ambiente educacional.
É essencial que qualquer introdução de jogos eletrônicos em escolas tenha, como aliado, a educação em sentido amplo, incluindo educação fnanceira e limites para lidar com a questão de microtransações e indução ao consumo e às compras dentro de plataformas, bem como um pensamento crítico sobre tecnologia.
Há literatura que demonstra que fantasy sports, mesmo quando gratuitos, podem estimular comportamentos de apostas e de vício. Faltam estudos e pesquisas brasileiras aprofundadas sobre o tema e seus impactos.
O texto atual do Marco Legal de Games pode estimular o desenvolvimento de fantasy games direcionados para crianças e adolescentes, na medida em que, ao condicionar a classifcação apenas aos critérios atuais atuais do Estado, pode legalizar jogos de fantasy de Classifcação Livre. Também pode incentivar sua introdução nas escolas como forma de recreação.
Nos Estados Unidos, foram criadas empresas de fantasy voltadas para o público infanto-juvenil que, inclusive, realizaram estratégias de parcerias com escolas e professores para estimular o uso por crianças e publicidade direcionada.5
Houghton, D. M., Nowlin, E. L., & Walker, D. (2019). From fantasy to reality: The role of fantasy sports in sports betting and online gambling. Journal of Public Policy & Marketing, 38(3), 332–353. Disponível em: https://psycnet.apa.org/record/2019-32951-003.
As salvaguardas a serem pensadas para defesa de direitos de crianças e adolescentes no contexto de jogos eletrônicos não são as mesmas dos fantasy games devido à diferença do modelo de negócios e seus efeitos mapeados na literatura.
O desenho de um jogo eletrônico de acesso ou provável acesso de crianças e adolescentes, bem como a gestão de suas comunidades deve considerar o melhor interesse da criança e adolescente, sua saúde e seu bem-estar.
Pedidos e Recomendações sobre o Tema:
Aprofundamento do Debate via Comissão de Educação e Cultura do Senado: Devido à importância de aprofundamento da discussão e problemas não enfrentados no Projeto de Lei, especialmente da ótica da educação e da defesa de direitos de crianças e adolescentes, apoiamos o Requerimento nº 808, de 2023, do Senador Flávio Arns, de oitiva da Comissão de Educação e Cultura.
Inclusão de Cláusula Geral de defesa do melhor interesse da criança e do adolescente no desenvolvimento de jogos eletrônicos no PL 2796/21
Art. Os jogos eletrônicos de acesso ou provável acesso por crianças e adolescentes devem ter como parâmetro para sua concepção, design, gestão e funcionamento o melhor interesse da criança e do adolescente e adotar e documentar as medidas adequadas e proporcionais para mitigar os riscos aos seus direitos que possam advir da sua concepção ou funcionamento, bem como para fomentar a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes relacionados ao ambiente digital.
Pontos não exaustivos a serem considerados em uma regulamentação de jogos eletrônicos no Brasil para defesa de direitos de crianças e adolescentes:
Dever de cuidado dos desenvolvedores, que implica na observância do melhor interesse de crianças e adolescentes em todas etapas de design e uso de jogos eletrônicos e de suas comunidades ofciais;
Investimento em pesquisas de qualidade da experiência da criança e do adolescente em jogos eletrônicos, que considere o seu bem-estar, saúde e Direitos Humanos;
Critérios para Classifcação Indicativa que levem em conta riscos relacionados à saúde e ao uso de mecanismos de microtransações;
Dupla verifcação e aplicação de salvaguardas para microtransações e apoio aos responsáveis no caso de compras não autorizadas;
Enfrentamento dos mecanismos de ‘Gacha’ e ‘Loot Boxes’ (caixas de recompensa pouco transparentes), que podem causar impacto à saúde fnanceira e mental de crianças e adolescentes e coibição de outros padrões obscuros de design de jogos que visem estimular o comportamento compulsivo;
Para jogos que apresentem mecanismos de interação entre jogadores:
Diretrizes de Comunidade em português, alinhadas aos Direitos Humanos e à legislação nacional;
Práticas responsivas e transparentes de moderação de conteúdo e disponibilização de Canal de Denúncias;
Ações de conscientização e educação nos jogos e nas comunidades ofciais em respeito e promoção a Direitos Humanos;
Salvaguardas e mecanismos para limitar possibilidades de interação com perfs de crianças e proteger perfs de adolescentes;
Diretrizes para mecanismos responsáveis e éticos de moderação e supervisão parental;
Reforço da proibição de publicidade infantil, explícita ou mascarada, em jogos destinados à crianças;
Pontos de recomendação do Guia de Defesa do Consumidor de Fantasy Sports, do National Council on Problem Gambling dos Estados Unidos para regulamentação do modelo de fantasy:
Transparência sobre Políticas e Diretrizes da Plataforma, incluindo sobre chances reais;
Transparência sobre avaliação de impacto de riscos de participação no fantasy sports, especialmente naqueles que envolvem risco de perda monetária;
O treinamento de funcionários para garantir práticas de responsabilidade no jogo (“responsible gameplay”),
Apoio, atendimento e informações ao usuário(a), especialmente aos que desenvolveram prejuízos mentais ou fnanceiros devido à utilização da plataforma;
Estándares de publicidade ética, inclusive, sobre as reais chances de obtenção de ganho monetário nas plataformas;
Comprometimento público, transparente e prático com publicidade ética, coibindo quaisquer práticas de anúncios que deturpem a frequência ou extensão das vitórias;
Proibição de publicidade direcionada para menores de 18 anos de idade e para pessoas avaliadas com perfl tendente ao vício;
Ferramentas que auxiliem o controle de tempo, controle fnanceiro do usuário e apoio à autoexclusão do usuário;
Publicidade sobre formas de procurar ajuda no caso de vício ou problema com o jogo e sobre serviços de atendimento ao consumidor e apoio direto;
Coibições de padrões de design que visem manter o usuário engajado ou induzir sua participação em premiações após tentativa de se remover da plataforma;
Conheça mais sobre o trabalho do Drops de Jogos acima.
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Pedro Zambarda
É jornalista, escritor e comunicador. Formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e em Filosofia pela FFLCH-USP. É editor-chefe do Drops de Jogos e editor do projeto Geração Gamer. Escreve sobre games, tecnologia, política, negócios, economia e sociedade. Email: dropsdejogos@gmail.com ou pedrozambarda@gmail.com.