Cultura

Museu das Favelas reabre com mostras sobre magia e vida em comunidades

Antes localizado no bairro de Campos Elíseos, o Museu das Favelas reabriu nesta semana, em novo endereço, todas as exposições. O museu agora fica na região do Pateo do Collegio, no centro histórico de São Paulo.

Nessa retomada, quatro exposições ocupam os imensos salões de um casarão antigo. A principal mostra é Sobre Vivências, que busca resgatar as conexões históricas das favelas e apresentar aos visitantes as inúmeras expressões das pessoas que constroem suas vidas nessas comunidades.

Fazem parte ainda da programação as exposições Marvel – O Poder é Nosso, que compartilha com o público a releitura sobre heróis, agora membros de grupos minoritários, e a itinerante Favela em Fluxo, que é composta por obras de 22 artistas dessas comunidades e desembarca em São Paulo após percorrer Recife, Salvador e Rio de Janeiro.

Para Oswaldo Faustino, integrante do grupo curatorial da Favela em Fluxo, entre as qualidades que se acentuam na seleção das obras para a exposição, a mais esparramada de todas foi igualar as contribuições da curadoria às de funcionários do setor educativo.

O setor de pesquisa também participou das decisões. Faustino explica que foi fundamental validar as percepções de quem está simbolicamente nos bastidores, mas, na verdade, é a linha de frente, pois atende os visitantes e os guia pela exposição.

Quando se transita pelas salas onde estão expostas as obras, nota-se uma multiplicidade de linguagens. Há pinturas a óleo, colagens, arte têxtil e vídeos que utilizam inteligência generativa. Os textos que antecipam algumas das intenções de que estão impregnadas as obras resumem, por vezes, em poucas palavras, como encará-las.

Deusa da Espreita é como artista Lua Barral chama a pintura que fez este ano no Recife. Em uma cabine escura, é exibido um vídeo de travestis que miram no fundo das lentes da câmera reafirmando quem são. Afinal, travesti é um termo usado para realçar a cápsula que se torna o corpo de quem é sempre oprimido, como é o caso da travesti. Aer favelizada significa ser duplamente forte. E é assim que uma das travestis comemora, segurando um bolo com uma vela de número 2, o aniversário de seu processo de transição de gênero.

A favela não é uma, são várias, declaram os artistas e servidores do museu. Negros, indígenas e ribeirinhos; palafitas, casas verticalizadas e, ainda assim, precárias, isso tudo pertence ao seu universo.

Outra obra que chama a atenção tem praticamente uma segunda moldura para a colagem no centro, feita com lâminas de barbear perfiladas. O sentido político continua quando o visitante para para prestar atenção à música que deixa, então, de ser somente um fundo indefinido. É o gargantear dos funkeiros Pétala Lopes, MC Mano Feu e Luiza Fazio, no clipe de Linguadinha na XXT, que pode ser constrangedor para os mais recatados ou conservadores.

Uma das salas abriga um beco com fotografias. Faustino conta que a primeira coisa que lhe ocorreu, quando soube que a exposição teria esse elemento, foi a referência de um lugar sufocante. “Aí, uma mulher trans do nosso grupo virou e disse: ‘Mas também pode ser libertador’. Eu falei: ‘Como libertador?’ Ela respondeu: ‘Quando eu era pequena, estava na favela tal, com a minha tia, eu pulava da janela do quarto e caía no beco. Saía do beco e, de repente, encontrava espaço livre. Então, o beco, para mim, era o caminho da liberdade'”, relata.

“Eu disse: ‘Olha, a gente está olhando a favela do lado de fora. E você está me dando o olhar de dentro’. Achei maravilhoso”, emenda.

A palavra “favela” tem relação com o Morro da Favela, hoje chamado de Morro da Providência, no Rio de Janeiro, e que fez parte do contexto da Guerra de Canudos. A etimologia, ou seja, origem do termo, é também lembrada na exposição Sobre Vivências, na forma da planta denominada faveleira, agora estruturada com madeira e um material inusitado em sua copa.

A ideia foi de um coletivo de artistas. “O coletivo olha e me diz: ‘Vamos fazer a copa dessa árvore em crochê. Aí, vira uma árvore estilizada. No tronco, foram feitos em pirografia nomes relacionados às nossas ancestralidades. Ou seja, não tem espinhos. E por que não tem espinhos? Porque nossos ancestrais já apararam. Então, hoje, favela, que nasceu como carência, passa a ser potência'”.

A entrada é gratuita e as exposições no Museu das Favelas poderão ser visitadas até fevereiro do ano que vem.

*por Letycia Bond | Agência Brasil

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