Em evento na sede da OEA, Organização dos Estados Americanos, em Washington, o ministro da justiça José Eduardo Cardozo, afirmou que a 'apologia à violência' em esportes e videogames alimenta a criminalidade no Brasil. "A violência é hoje cultivada e aplaudida, seja em esportes ou jogos de crianças pequenas", disse Cardozo, demonstrando absoluta falta de intimidade com o tema, ao menos no que se refere ao entretenimento digital.
Não se ouvia opinião obtusa e contundente do gênero de uma autoridade de governo brasileiro desde as infelizes declartações de Marta Suplicy, para quem os games 'não são Cultura'. A fala de Cardozo expõe mais uma vez o desconhecimento dos representantes do país em relação à Cultura de Games e a leviandade com que professam suas ideologias retrógradas e em descompasso com a cultura digital.
“O vídeo game é uma nova mídia que ajudou a revolucionar a maneira como lidávamos com o computador, desenvolveu nossa cognição […] nossa percepção físico-espacial e ampliou a relação dos indivíduos com os meios digitais”, explicou o professor Alan Richard da Luz em seu livro Vídeo Games – História, Linguagem e Expressão Gráfica, de 2011. O autor não está só em sua visão sobre o caráter transformador dessa linguagem, como indica a opinião dos autores Lawrence Kutner e Cheryl K. Olson no livro Grand Theft Childhood. Em 2008, os pesquisadores atestavam: “uma descoberta encorajadora foi [ver] o quão sofisticada é a compreensão dos garotos em idade escolar em relação aos jogos violentos. Eles se agradavam de jogar com os ‘Caras Maus’, sem querer ser um deles”.
O ministro citou um 'especialista' que teria afirmado nunca ter visto um game em que o vencedor é quem salva vidas, "pois o vencedor é sempre quem mata", ressaltando a ignorância em relação a projetos como Minecraft, LittleBigPlanet e Journey ou apostas indies mais recentes como Ori and the Blind Forest e Valiant Hearts: The Great War, para ficar em apenas alguns exemplos. É lamentável que nossas autoridades se sintam a vontade para expor seus preconceitos e falta de visão com as premissas de um futuro digital sem qualquer esforço para atualizar seus conhecimentos sobre um assunto tão importante e delicado.
A reportagem da BBC, que apresentou as ponderações do ministro, teve o cuidado de comunicar que um estudo recente da American Psychological Association concluiu que games violentos podem, eventualmente, estimular comportamentos agressivos em usuários. O artigo acadêmico evidenciava, no entanto, não ter encontrado indícios indicando que tais jogos estimulem atos criminosos.
Vale lembrar que recente pesquisa da Universidade de Oxford confirmou que games não levam à violência, comprovando outro estudo, de 2013, de Christopher Ferguson e Cheryl Olson. Os estudiosos corroboram a avaliação que os games não tornam os adolescentes mais agressivos. Outra análise, com duração de 10 anos e 11 mil crianças entrevistas, publicada em 2013 no British Medical Journal, não encontrou quaisquer evidências de efeitos nocivos dos games no comportamento dos jovens.
É um bom momento para uma reflexão mais ampla de tais personalidades, imbuindo-se de informações atualizadas e, no mínimo, melhores assessores, capazes de evitar gafes do gênero. Melhor sorte ao ministro (e aos games) nas futuras abordagens sobre o assunto.
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