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Opinião: Como o game Final Fantasy VII ainda representa o nosso zeitgeist no mundo

Por que tamanha comoção por um jogo clássico e velho, que possuía personagens deformados e cabeçudos nos anos 90?

A resposta está num termo alemão chamado zeitgeist, o "espírito do tempo". FFVII captava o espírito do tempo em 1997 e possui a mesma sensibilidade com as pessoas ainda em 2015, quase 20 anos depois. Os motivos estão no roteiro do game, em seus personagens e na jogabilidade em si.

A nossa falta de conexão com a Terra

A jornalista e pesquisadora de games Flávia Gasi publicou um artigo interessante na IGN Brasil abordando como a realidade dos heróis Cloud Strife, Barrett Wallace, Aeris Gainsborough e Tifa Lockheart está ligada com a chamada "Teoria de Gaia", formalizada em 1970 na biologia e que conclui que a Terra seria um organismo vivo. Em FFVII, Sephiroth, o ex-SOLDIER e inimigo de Cloud, é influenciado pela entidade Jenova a colocar o mundo em perigo por uma causa quase superior a ele.

O enredo em si é uma luta do grupo por uma causa ecológica. Embora eles queiram salvar o planeta, o que Sephiroth pretende fazer é, de uma certa forma, corromper Gaia e provocar a sua destruição através de meteoros. O grupo de heróis, então, manifesta uma preocupação genuina com o meio em que vivem.

Na nossa vida real, somos frequentemente confrontados com dados que mostram como os homens estão degradando com o planeta. E a ecologia se mostra como uma alternativa para nossa sobrevivência, propondo um modo de vida mais saudável. Final Fantasy VII, de uma certa forma, gera identificação em seu roteiro com a nossa realidade ao representar o planeta em perigo.

Mas esta é apenas a casca do zeitgeist.

O problema das grandes corporações

Sephiroth traz a ameaça dos céus, mas a Terra também é ameaçada pela Shinra Electric Power Company, uma grande empresa que suga os poderes do centro do planeta tornando-o vulnerável. Viu paralelos com as nossas grandes indústrias e formas predatórias de habitar o mundo em que estamos? É justamente esta mensagem que FFVII passa com o grupo corporativo.

A grande corporação revela aos personagens um mundo distópico em que boa parte deles vive em lixões e distantes do contato com a mãe natureza. O cenário deste capítulo de Final Fantasy lembraria facilmente São Paulo que passa por uma crise hídrica graças a corrupção empresarial e de políticos. E lembra também a gigantesca China, consumida por um capitalismo que escraviza as pessoas.

Solução cyberpunk

Cloud e seu grupo de amigos então decide salvar o mundo das diferentes ameaças. Eles confrontam diretamente a Shinra, Sephiroth e os poderes ocultos que existem em Gaia. Eles são autênticos cyberpunks, rebeldes contra a dominação tecnológica assim como muitos épicos que utilizam tal estética, do filme Mad Max até a literatura de Neuromancer, escrito por William Gibson em 1984.

O escritor e produtor de Final Fantasy VII, Hironobu Sakaguchi, passou pelo falecimento de sua mãe na época do game e decidiu retratar seus sentimentos no roteiro. É por isso que, dentro do caos tecnológico e alienígena, os personagens aliados de Cloud Strife também lidam com a morte e com sacrifícios. Mas como a mãe Terra é um organismo vivo, um falecimento nunca é um desaparecimento completo.

A morte absoluta em FFVII significa render-se completamente às máquinas ou às empresas. Em última análise, o desintegrar da vida se dá quando um personagem poderoso em magia como Sephiroth decide agir como Deus e colocar o planeta em risco. A morte, portanto, está nos extremos. A vida passa por perdas, conquistas e transformações de maneira mais moderada.

Vivemos numa sociedade ameçada pelo medo do chamado aquecimento global, da mudança drástica do clima e da ameaça que o nosso estilo de cotidiano consumista pode nos acarretar. Vivemos em metrópoles sem contato com a natureza e numa degradação progressiva. Embora não exista mágica como no videogame, Final Fantasy VII é uma história que gera identificação.

Não é à toa que muitas pessoas que assistiram a apresentação na E3 choraram ao visualizar o retorno de um dos maiores games clássicos do primeiro PlayStation. E um jogo digital de 18 anos ainda sintonizado com o espírito do nosso tempo.

Pedro Zambarda

É jornalista, escritor e comunicador. Formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e em Filosofia pela FFLCH-USP. É editor-chefe do Drops de Jogos e editor do projeto Geração Gamer. Escreve sobre games, tecnologia, política, negócios, economia e sociedade. Email: dropsdejogos@gmail.com ou pedrozambarda@gmail.com.

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