Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor
Sobre o fim do grupo Boteco Gamer, o maior espaço para desenvolvedores indies no Facebook
A indústria de games no Brasil evoluiu substancialmente nos últimos 10 anos. No entanto, alguns setores dela permanecem na idade do bit lascado e isto acontece especialmente em relação aos grupos de discussão. Para quem ainda não ligou os pontos, esses grupos adotaram as mecânicas funcionais dos antigos BBS (Bulletin Board System), que se popularizaram principalmente nos anos 80.
“O primeiro BBS foi criado por Efrem Lipkin, Mark Szpakowski e Lee Felsenstein em Berkeley e São Francisco em 1972 com o nome de Community Memory. A Community Memory era um tipo de boletim eletrônico, voltado para a comunidade, onde as pessoas podiam postar textos e procurar por noticias que lhes interessavam. O servidor da primeira versão foi disponibilizado por uma organização sem fins lucrativos, voltada para o uso da tecnologia de informação, para fins comunitários e educacionais, localizado em São Francisco. Uma pessoa podia deixar mensagens e anexar palavras-chave a ela. Outras pessoas podiam então achar mensagens através das palavras-chave.”
Parece familiar?
Nos BBS existiam o que era chamado de “conferência” e cada uma podia ter um tema específico (tipo jogos de computador) onde os inscritos debatiam sobre cada tema. Mais tarde, com o advento da internet e da popularização do e-mail, esse tipo de atividade passou a se chamar “lista de discussão”, ou seja, uma lista de pessoas que recebiam mensagens comuns, sobre determinados temas e seus comentários ou respostas iam também para todos da lista. Com a web (a internet como a conhecemos hoje) surgiram os grupos de discussão.
Ao longo das décadas, o ponto comum que une todas essas iniciativas é o fato de que, por espelhar a própria sociedade que o representa, sempre houve tensão nos debates. Sempre existiram as famosas “tretas”, brincadeiras, bullying, panelinhas e principalmente choque de opiniões. Mesmo quando os grupos eram/são criados com o propósito de explorar apenas um assunto ou uma característica de um tema. Esse desentendimento faz parte da própria natureza humana.
O que não evoluiu absolutamente nada, nesses anos todos, é a compreensão do que realmente importa dentro das discussões dos grupos. Afinal, discussão ou debate pressupõe um confronto de ideias com o propósito das duas partes evoluírem com o conhecimento e não uma parte predominar sobre a outra, a golpes de frases de efeito duvidoso.
Hoje, dia 13 de setembro de 2020, entra em hibernação (desativado) um grupo de discussão no facebook que, ao longo que quase 10 anos reuniu a nata da produção nacional de jogos, tanto em termos de desenvolvedores, quanto de jornalistas, entusiastas, estudantes, etc. E ele sucumbe exatamente por ter sido sufocado pela troca de insultos tóxicos entre correntes opostas de pensamento, numa clara reprodução do que acontece neste instante em quase toda a sociedade brasileira (ou pelo menos nos meios de comunicação e produção de conteúdo).
É curioso constatar que um grupo com mais de 6 mil inscritos não conseguiu se auto gerir de forma eficiente. Talvez pela individualidade ainda presente nos grupos de um modo geral, já que são criados no tempo e no espaço por uma pessoa (e não por um grupo delas).
Seja lá como for, ou de quem seja a culpa, a lição que fica para os que pretenderem ocupar esse espaço é o fato de que a vida em “grupos de discussão” precisa evoluir. Não é a ferramenta ou o ambiente que importa, mas como cada participante entende e vê a sua participação neles.
Se isso não acontecer, além de nascerem já destinados a morrer num futuro breve, os novos grupos poderão sucumbir pela ação de
retardolescentes munidos não apenas de certezas mas da necessidade visceral de opinar e fazer prevalecer a sua opinião sobre tudo e sobre todos, em todos os posts e comentários indistintamente.
Vida longa aos grupos de discussão.
Renato Degiovani é o primeiro game designer de jogos digitais, desde 1981. É colunista do site Drops de Jogos no espaço DEV.LOG, com textos regulares sobre sua experiência de décadas. Foi o desenvolvedor do jogo Amazônia, é conhecido na comunidade nacional do aparelho MSX, editou a revista Micro Sistemas e é responsável pelo espaço TILT Online.
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