Por Pedro Zambarda, editor-chefe do Drops de Jogos.
O site Kotaku está fazendo a conta dos layoffs na indústria de games entre 2023 e 2024. São quase 20 mil profissionais desligados de suas empresas. 8100 somente neste ano. Por tantas notícias ruins, e até pelo espanto de figuras como John Romero (Doom), senti a necessidade de escrever este editorial.
Vou começar contando uma história um pouco diferente para chegar ao mercado de videogames.
Embora eu não seja desenvolvedor de jogos eletrônicos e seja apenas jornalista, também fui vítima de demissão em massa. Trabalhei aproximadamente dois anos, dois anos e meio na Editora Abril. Fui demitido em dezembro de 2022. Foi o meu primeiro emprego CLT e o meu primiro desligamento na imprensa. Lembro de ter ficado devastado na época.
Meu salário e meus direitos trabalhistas foram pagos.
Ouvi uma fala sábia naquele período. “Talvez você tenha dado sorte”. E foi sorte mesmo e falo isso sem contar vantagem. Em maio de 2013, o filho do fundador da empresa, o empresário Roberto Civita, faleceu por complicações de um aneurisma. Os herdeiros não conseguiram tocar a maior editora de revistas da América Latina na era da internet e a empresa foi para o buraco. Na reta final da editora Abril, profissionais não foram pagos nos cortes.
“Havia uma fila indiana para demissões quando a empresa chegou ao ponto de falir”, me contou um amigo editor, anos depois, em um café.
E as demissões não ficaram na Abril, que faliu e vendeu revistas e sites para instituições financeiras, como o BTG Pactual. O Grupo Globo promove milhares de demissões há anos, reduzindo e precarizando sua cara operação da televisão com o avanço do streaming. Na comunicação, demissão em massa é uma palavra comum. E não deveria ser.
As reações no setor são mistas. Em geral, os profissionais demitidos têm receio de falar sobre os cortes nas empresas e nos possíveis crimes trabalhistas que as mesmas companhias cometem. Por medo de não serem contratados por outras companhias. Para manter-se habilitado no mercado e não perder o sustento. Como o jornalismo lida mais abertamente com questões ideológicas, há profissionais de imprensa que abrem veículos para criticar os veículos dominantes no mercado e que empreendem para não depender de um empregador.
Nos videogames, pelo menos no caso da cena brasileira de jogos, o mercado parece não ter ainda essa maturidade. Fatura mais, gira mais dinheiro, mas não dá liberdade de manifestação dos seus profissionais. E agora ele é atingido em cheio por demissões em massa com o avanço da inteligência artificial e a vontade do empresariado de pagar menos pela produção de games.
Há algo mais sério acontecendo na Wildlife Studios. Este Drops de Jogos noticiou em 28 de fevereiro que a empresa brasileira, considerada como “unicórnio” por valer mais de US$ 1 bilhão, demitiu 21% da sua força de trabalho. O percentual corresponde a 130 pessoas.
Houve três demissões em massa na Wildlife, além do fechamento de um escritório em Israel. No ano de 2021, o site internacional Rest of the World noticiou que existiu um relatório com acusações de abuso moral e cultura de assédio contra mulheres dentro da empresa.
Dá para somar cerca de 300 desligamentos só nessa empresa criada no Brasil nos últimos anos.
Os profissionais que praticaram abuso moral foram desligados da Wildlife nas demissões em massa? Ou antes? Quem foi cortado? Mulheres foram demitidas?
Citei no começo do texto a situação do mercado de jornalismo porque, com todas as contradições, existe alguma solidariedade entre os profissionais de imprensa. Não está faltando ouvir os profissionais do mercado de videogames? Ir além de textos fofos no LinkedIn e de máximas como “a crise vai passar”?
E se a crise não passar?
Quando vamos falar a sério sobre salários, condições de trabalho e de prosperidade nesse mercado, sem cair em clichês típicos da propaganda dos anos 80 e 90. Vamos falar quando sobre sindicalização?
Gravei um vídeo sobre isso que ainda está pegando. Vale ver.
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