Editorial

Não deixe o jornalismo morrer, não deixe o jornalismo acabar. Por Patricia Gnipper

Por Patricia Gnipper, coordenadora editorial do Drops de Jogos.

Oi, meu nome é Patricia e eu sou jornalista. Decidi começar meu artigo de estreia no Drops de Jogos com esta apresentação direta e reta para escancarar logo quem eu sou, o que eu faço, qual é meu propósito e por que eu vim parar aqui. É que a resposta para todas essas questões está justamente nele… o jornalismo. E assim como Alcione suplicou em 1975 que não deixassem o samba morrer, é preciso agir agora para não deixar o jornalismo acabar.

Não estou falando das faculdades de jornalismo, tampouco dos jornalistas profissionais, que completaram esta graduação. Estou falando da prática do jornalismo, em sua essência — seja por parte de jornalistas formados ou os “da vida”, que se tornam jornalistas por vocação. Está cada vez mais difícil — em muitos casos, impossível — praticar o jornalismo verdadeiro em nosso mercado. O que ainda chamamos de “jornalismo”, tem se revelado cada vez mais um mero “conteúdo”. É que produzir conteúdo com base no que as pessoas estão buscando, falando sobre, no dia a dia, rende mais audiência (e, consequentemente, receita) imediata do que produzir jornalismo, não necessariamente ligado aos interesses momentâneos do público. O jornalismo não “dá dinheiro” dentro dos modelos de negócios mais adotados no momento. E por mais que os jornalistas desejem praticar o jornalismo, seu trabalho precisa dar lucro para que sua contratação se justifique, “se pague”. E é aí que a morte do jornalismo vem sendo encomendada.

Claro que é preciso obter receita para sustentar um negócio. Claro também que fazemos parte de um sistema capitalista em que o lucro é a palavra de ordem. Não estou sugerindo que o jornalismo se mantenha de maneira independente, filantrópica, vivendo de luz, de paz e amor. Idealismo não paga boletos, não enche o prato de comida, não garante o futuro de nossos filhos, não proporciona uma velhice confortável. Mas estou criticando a ganância pelo lucro acima de tudo — até mesmo acima da responsabilidade para com a população que consome o seu produto, que neste caso é a informação.

Uma vez que um veículo de mídia negligencia (chegando até a abandonar) a prática jornalística em sua redação, ele assim o faz porque outros conteúdos podem ser (e, na verdade são) mais lucrativos do que a notícia com apuração, pesquisa, checagem, análise, interpretação e demais etapas fundamentais para se produzir um conteúdo jornalístico. E quando tudo o que realmente importa, no final, é o lucro, o jornalismo é o primeiro a ficar para trás da linha de corte. Investe-se em conteúdo “que rende” (e tanto faz se ele cumpre um papel social de utilidade pública ou não), descartando o conteúdo que “não rende” — no caso, não rende em quesitos que significam lucro, diretamente falando. Quesitos esses mensuráveis de maneira concreta, preto no branco, que se traduzem em retorno financeiro ao final de cada mês. E vamos combinar que “impacto no senso crítico da população” não é exatamente um resultado que se meça em números, apresentados em uma planilha. 

Isso porque o jornalismo web, nos modelos de negócio mais comuns do momento, não se banca mesmo. Quem quer fazer jornalismo precisa “engordar” outras fontes de receita, para que esta receita, então, patrocine a prática jornalística. E ninguém parece estar muito interessado nisso. Afinal, que vantagem Maria leva? 

Bom, a Maria eu não sei, mas eu, Patricia, penso que essa vantagem está em coisas que têm um valor imaterial, além de um bom salário e uma posição de prestígio na carreira. Eu sou incapaz de atuar em alguma prática profissional sem que haja um senso de propósito, um objetivo maior do que “apenas” crescer e fazer um pé de meia. Eu preciso ter orgulho do que eu faço, do legado deixado por mim, do impacto que meu trabalho causou na sociedade. Do contrário, estarei atuando ali apenas para pagar as contas. E eu não me tornei jornalista para fazer isso.

Mas, voltando à Alcione… em sua canção, a sambista diz que “quando minhas pernas não puderem aguentar levar meu corpo junto com meu samba, o meu anel de bamba entrego a quem mereça usar”, contentando-se em “ficar no meio do povo, espiando, minha escola perdendo ou ganhando mais um carnaval”. Ainda assim, antes de se despedir, fez questão de deixar ao sambista mais novo um pedido final: que não deixasse o samba morrer, que não deixasse o samba acabar. 

Bom, ela mesma não deixou o samba morrer, resistindo a períodos em que sua sonoridade não atraía mais os holofotes e até mesmo era tida como comercialmente desinteressante, música que não vende, não dá lucro, não compensa. Os anos 1960 rejeitaram o samba raiz tal qual a década atual rejeita o jornalismo de qualidade. E, tal qual os artistas que fizeram do samba uma música de resistência há 60 anos, segurando sua vida por um fio até que ele saísse de um coma induzido e pudesse viver uma nova fase, quem preza pelo verdadeiro jornalismo deve resistir à crise atual e impedir que a profissão dê seu último suspiro, perecendo de uma vez. 

Hoje, somos bombardeados de conteúdos por todos os lados, conteúdos que em sua maioria são rasos e superficiais, ou falam, falam, e não dizem nada — ou ainda se revelam apenas mais do mesmo, a copy of a copy of a copy of a…. Mas há de chegar o momento em que a sociedade enxergará a co-responsabilidade da mídia no processo de “emburrecimento” da população e passará a consumir mais daquilo que se mostrar informativo, com apuração de verdade, checagem de fatos e que promova uma reflexão, uma crítica, um aprendizado, uma desconfiança… ou seja, aquilo que chamamos de “jornalismo”. 

Nós estaremos lá, dando boas vindas a quem mais aparecer cumprindo este serviço de utilidade pública que tem o poder de influenciar, diretamente, a evolução da sociedade. E, no que depender deste site, essa evolução será sempre para frente. Por isso, não deixe o jornalismo morrer, não deixe o jornalismo acabar… 

E assim é dada a largada nesta nova fase do Drops, que começa agora. Em breve, o site passará por uma reformulação intensa, tudo para estar na vanguarda deste novo e necessário movimento de resistência — a resistência do verdadeiro jornalismo.

Conto com vocês!

Alcione. Foto: Wikimedia Commons

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Patricia Gnipper

Coordenadora editorial do Drops de Jogos.

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  • Excelente texto! O mercado de trabalho precisa de mais pessoas assim, que tenham coragem de fazer o jornalismo de verdade. Ansioso pelos próximos conteúdos!

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