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EXCLUSIVO: ABRAGAMES abrigou empresa ligada às apostas, que vazou dados para atacar desenvolvedores de jogos na imprensa

Por Pedro Zambarda, editor-chefe.

O Drops de Jogos recebeu informações de uma troca de mensagens do grupo interno da ABRAGAMES entre agosto de 2022 e dezembro de 2023. Esses fatos elencados ocorreram na tramitação do Marco Legal dos Games, o PL 2796, que foi sancionado por Lula e tornou-se a lei 14852.

Para proteger pessoas que não estão diretamente conectadas ao caso, algumas identidades serão ocultadas.

Nestes meses, a maior associação de desenvolvedores de jogos do Brasil abrigou o Rei do Pitaco, empresa, segundo os próprios, “líder de fantasy game diário pela qual usuários montam escalação com jogadores de campeonatos profissionais”. Bárbara Teles, advogada e diretora de relações governamentais, esteve no grupo de WhatsApp de associados da ABRAGAMES, com cerca de 200 pessoas.

A presença dela no grupo colocou as propostas do Marco Legal em risco, com vazamentos direcionados à imprensa.

Rei do Pitaco, empresa ligada à apostas e fantasy games, é recebida com comemoração como nova integrante da ABRAGAMES. Foto: Divulgação

Bárbara não é só advogada do Rei do Pitaco. Ela é diretora da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS). No mesmo período que a advogada e o Pitaco entram na associação, o lobby dos fantasy games, jogos de apostas disfarçados, entram com força na tramitação do Marco Legal dos Games, o PL 2796, através do deputado federal Darci de Matos (PSD).

Os interesses dos fantasy, no entanto, serão defendidos de forma mais contundente após a primeira aprovação do projeto de Kim Kataguiri na Câmara dos Deputados. No Senado Federal, através do parlamentar Irajá Silvestre, filho da ex-ministra Kátia Abreu, os interesses de Bárbara Teles e do Rei do Pitaco, além das demais empresas do setor, começam a se chocar com os da ABRAGAMES e dos desenvolvedores de jogos de videogame.

As conversas da ABRAGAMES com o Rei do Pitaco no WhatsApp, com os nomes de algumas pessoas censurados. Foto: Reprodução

O PL 2796 tinha passado por uma importante alteração vinda da SPJogos (associação regional de devs de São Paulo) e da ABRAGAMES, que melhorou o texto de Kim, mas a intervenção dos fantasy games fez o projeto, aos poucos, atender mais ao interesse de empresas de apostas do que os desenvolvedores de games, que precisam de investimentos públicos.

Quando os fantasy games começaram a ser criticados na imprensa, começaram os ataques também através da grande mídia.

Notícia do Rei do Pitaco ao entrar na ABRAGAMES no GMB, site da “indústria de jogos de azar”. Foto: Reprodução

Vazamentos

Entre os meses de fevereiro e agosto de 2023, textos com teor publicitário são publicados na imprensa dando a entender que a entrada dos fantasy games “geraria 12 mil empregos diretos e R$ 12 bilhões”. Sites de grande circulação, como O Globo, Metrópoles e Correio Braziliense propagaram esses materiais e entrevistas muito similares à propaganda pura e simples. 

A divulgação massiva desses conteúdos mostra que um investimento financeiro pesado foi realizado para mudar a opinião da imprensa sobre o PL 2796 e sabotar os interesses de quem quer criar jogos de videogame no Brasil.

Em 20 de setembro de 2023, a Folha de S.Paulo publica um texto criticando as mudanças de opinião da ABRAGAMES sobre o Marco Legal dos Games e dando muito espaço para o presidente da ABFS, Rafael Marcondes, tentar justificar a presença dos fantasy games no projeto. O dia é marcante porque é a mesma data que acadêmicos, associações regionais e verdadeiros especialistas desmoralizaram os lobistas ligados ao setor das apostas no Senado, em sessão pública em Brasília.

“De lá para cá, a ABRAGAMES, uma das principais associações do setor e que representa desenvolvedores de jogos virtuais, tentou emplacar uma emenda para permitir o uso de verbas da Lei Paulo Gustavo para os games, não conseguiu, e mudou de posição sobre o projeto —antes a favor, hoje é contra ele. A associação também critica a atuação de outra entidade do setor, a Associação Brasileira de Fantasy Sport, e diz que o Marco Legal dos Games não deveria incluir o setor de fantasy”, diz a Folha, numa peça de defesa dos fantasy.

O pior dos ataques é publicado no dia 27 de setembro de 2023 no jornal Estado de S.Paulo. Com o título “Gamers pressionam Estados para abocanhar R$ 419 milhões de verba pública de TV e cinema”, o Estadão publica conversas privadas da ABRAGAMES realizadas no WhatsApp.

Diz o jornal:

“‘No ofício que mandamos pro governo federal fazer recomendações aos Estados e municípios, falamos de reservar 15% para games’, escreveu em 13 de março deste ano Pedro Zambon, pesquisador e consultor na indústria de jogos ligado à ABRAGAMES, em um grupo de WhatsApp. O plano, segundo ele, é pedir 15% para cair para 10% no mínimo. A estratégia foi chancelada pelo presidente da associação, Rodrigo Terra. ‘Cada um aqui precisa participar de alguma forma nos seus Estados para fazermos um coro e bater nos 15% em todo território’, assinalou”.

A tônica dos jornais e dos sites era uma só: Afirmar que os desenvolvedores de games estão tentando ocupar um espaço que deveria ser só do audiovisual. Abocanhando dinheiro público.

Esse ataque orquestrado vazou para a imprensa de dentro da própria associação nacional de desenvolvedores de jogos.

Quem é Bárbara Teles?

Bárbara Teles e Rafael Marchetti Marcondes, advogados do Rei do Pitaco e representantes da ABFS. Foto: Divulgação

Bárbara foi assunto de reportagens exclusivas publicadas neste Drops de Jogos, nunca desmentidas pelo Rei do Pitaco e nem pela própria, além de serem provadas por documentos públicos.

Em 22 de agosto de 2023, publicamos que “embora negue proximidade, diretora de associação dos fantasy games esteve no maior evento de apostas da América Latina”, a BiS SiGMA Americas. Bárbara esteve na palestra “Fantasy Gaming e E-Sports (novas oportunidades de negócios)”.

No mesmo dia, Drops de Jogos noticiou que Bárbara Teles estaria em um segundo evento: CGS Brasil 2023, um evento internacional, no Majestic Palace Hotel, em Florianópolis. O encontro aconteceu em setembro do ano passado e ocorre há 20 anos. Teve 250 expositores, além de 25 conferências.

No mês seguinte, noticiamos que Bárbara esteve na premiação de apostas e foi notícia em um site que defende o jogo do bicho, o BNLData.

A ABRAGAMES, no entanto, só retirou Bárbara Teles do seu próprio grupo de WhatsApp em outubro daquele ano.

Se as apostas se infiltrassem no Marco Legal dos Games, canalizando editais públicos apenas no setor de tecnologia e tirando incentivos de cultura, os fantasy games iriam desfinanciar diversos jogos indie brasileiros. Iriam interromper um ciclo de investimento no setor.

E outras atitudes problemáticas da ABRAGAMES continuaram na tramitação do Marco Legal.

Mais preocupação com a Gamescom do que com as apostas

Logo do Rei do Pitaco no site da ABRAGAMES; com a saída da empresa, as informações foram apagadas

Além de Bárbara Teles, ABFS, Rei do Pitaco e ABRAGAMES, precisamos falar de mais um personagem: O senador Irajá Silvestre, do PSD, filho da ex-ministra Kátia Abreu. Irajá se transformou no maior porta-voz dos fantasy games, e portanto das apostas, no Marco Legal dos Games.

Em 22 de agosto de 2023, o Drops de Jogos noticia com exclusividade: “Senador que é relator do Marco Legal dos Games tenta empurrar PL em sessão vazia”. Informamos no texto que Irajá esteve em viagens até Las Vegas com o filho 01 do ex-presidente, Flávio Bolsonaro. Esses dados constam, com documentos do próprio Senado, que financiou a viagem, segundo o site Antagonista.

Irajá pretendia aprovar o Marco Legal dos Games com os fantasy games. Onde estava o presidente da ABRAGAMES, Rodrigo Terra?

Terra estava em uma transmissão da Gamescom, que aconteceu entre os dias 23 e 27 de agosto em Colônia, na Alemanha.

Onde estava a preocupação da ABRAGAMES com o Marco Legal dos Games que afetaria o Brasil como um todo? Quem se destaca, em uma sessão no Senado em setembro, mais do que Rodrigo Terra, são associações regionais de desenvolvedores e acadêmicos.

A atitude da associação nacional só muda, de fato, a partir de outubro daquele ano, quando o setor permanece coeso até Lula sancionar o Marco Legal com um veto.

Esse veto é questionado pelo setor de desenvolvimento de jogos, que quer incentivos similares ao do audiovisual.

Outro lado

O Drops de Jogos procurou a ABRAGAMES com as seguintes perguntas:

Por que vocês abrigaram o Rei do Pitaco, empresa de fantasy games, entre os seus associados, quando os fantasy tentaram se infiltrar e minar os efeitos benéficos do Marco Legal dos Games para desenvolvedores?

O Estadão publicou em setembro de 2023 que o setor de games tentou “abocanhar R$ 419 milhões” de verba pública. O vazamento de conversas de WhatsApp provavelmente ocorreu através de Bárbara Teles, do Rei do Pitaco. Não foi arriscado demais manter uma empresa desse tipo dentro da associação?

Por que a ABRAGAMES parecia estar mais preocupada com eventos Gamescom 2023 do que com o Marco Legal dos Games, sendo que Bárbara Teles, do Rei do Pitaco, estava no grupo de WhatsApp de vocês?

Vocês reconhecem que desenvolvedores de jogos, muitos deles não associados à ABRAGAMES, foram as pessoas que garantiram a aprovação do PL 2796 nas duas Casas e pelas mãos do presidente da República?

Vocês reconhecem que a ABRAGAMES olha muito para o seu programa de exportação, quando o setor de desenvolvimento correu o risco de perder praticamente todos os seus editais públicos de fomento nacional?

Tem algo que eu não perguntei e vocês gostariam de acrescentar?

Até o momento da publicação desta reportagem, não tivemos resposta da associação. A reportagem será atualizada caso um posicionamento seja repassado.

Veja nossa campanha de financiamento coletivo, nosso crowdfunding.

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Pedro Zambarda

É jornalista, escritor e comunicador. Formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e em Filosofia pela FFLCH-USP. É editor-chefe do Drops de Jogos e editor do projeto Geração Gamer. Escreve sobre games, tecnologia, política, negócios, economia e sociedade. Email: dropsdejogos@gmail.com ou pedrozambarda@gmail.com.

Ver Comentários

  • Um absurdo a ABRAGAMES permitir isso, eles não devem mais representar os devs brasileiros, já estão manchados de corrupção. Esses "fantasy games" arrancam dinheiro das pessoas usando da esperança e da necessidade de adrenalina, eles são uma ameaça a saúde mental do brasileiro, que já é desprovido de acesso a lazer. Jogos trazem diversão, jogos de verdade, não esses sites de aposta, e eles mais uma vez tentam arrancar a verba que poderia levar diversão a mais gente, acumulado esse dinheiro na mão de poucos. Quem é rico de verdade, vai gastar essa grana em Las Vegas, eles podem perder esse dinheiro, não faz diferença. O pobre, desesperado com a chance de ganhar um pouco e necessitado da dopamina que um pequeno ganho oferece, acaba se afundando cada vez mais nesses scams.

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