Por Pedro Zambarda, editor-chefe do Drops de Jogos.
Entre uma manhã e uma tarde que oscilou entre o calor e uma chuva fraca no Parque do Ibirapuera, a exposição de games indies afro-diaspóricos fez história no Museu Afro Brasil Emanoel Araújo [espaço inaugurado em homenagem a um grande artista e colecionador de arte preto]. O Drops de Jogos foi convidado ao evento gratuito em 7 de outubro de 2023.
Cerca de 100 pessoas se divertiram em três jogos que incluíram a cultura negra, LGBTQIAP+ e a religião do candomblé.
Com o jogo de tabuleiro Mancala, que chegou a ser sorteado para o público, os players entravam em contato com um game da Etiópia que tem registros entre os séculos VI e VII. Nele você precisa fazer a gestão de sementes, enquanto pega as peças do adversário e as redistribui do seu lado. Quem perde todas as sementes, perde o jogo. Ganhei nesse, mas foi um jogo disputado de mais de uma hora.
O game tinha monitores vestidos como a entidade Zé Pelintra para ensinar suas regras.
O segundo jogo de tabuleiro presente lá era o Ayê, um RPG inspirado no jogo da vida, com tecnologia de Realidade Aumentada, voltado para crianças e adolescentes a partir dos 10 anos. Nele, o jogador monta um personagem para viver uma aventura ajudando pessoas e grupos em situações diversas, com auxílio de antepassados, encantados, Exus e Pombagiras, mestres e grandes Orixás. É um excelente game para introduzir o candomblé e a cultura afro de uma maneira didática, rica e sem o racismo estrutural do restante do mercado, que não expõe esses conhecimentos.
Dentro do game, cada uma das 16 partes do tabuleiro de Ayê é regida por um Orixá, da qual a energia estará mais forte ou mais neutra ao longo do jogo de acordo com o dia da semana. Mas essa é apenas uma das formas de jogar o Ayê, que mostra como a cosmologia africana resolve algumas situações e ajuda cotidianamente. No evento eu joguei uma versão simplificada dele, sem a realidade aumentada.
O jogo é parte integrante de um kit escolar paradidático, que explica como funciona a dinâmica da cosmologia africana e seus princípios no cotidiano, algo importantíssimo na educação de crianças e de jovens.
O terceiro game era digital: Dan: Guerreire do Arco-Íris, um jogo que conta a jornada de autoconhecimento de uma criança agênero, que estuda em uma escola conservadora no ano de 2030, na cidade de São Paulo, desenvolvido por Amanda Pellini da Dogmel Games.
Após sua melhor amiga sofrer bullying, Dan resolve reagir e algo sobrenatural acontece: passa a enfrentar algozes visíveis e invisíveis. É um jogo dinâmico, mistura de beat’em up e novel inspirado nos fliperamas, todo baseado na lógica dos encantados e nos Deuses Yorubás. Dan tem a missão de juntar as cores do arco-íris e, com elas, conhecer cada Orixá e seu real destino.
Dan recebeu financiamento da aceleradora VaiTec Games e esteve na última edição da Gamescom, maior evento europeu de games que acontece anualmente em Colônia, na Alemanha. Amanda viajou para apresentar seu game e, agora, o exibiu em um museu afro no Brasil.
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A indústria de videogames ainda tem uma inclusão “faz de conta” em seu interior: O número de representações femininas está em ascensão, LGBTQIAP+ também, mas o recorte racial ainda não traz representações pretas nem perto do suficiente. E, com a crise e demissões no setor, de maneira internacional, as representações brancas e heteronormativas são a regra. Há muito pouco game também desenvolvido por pessoas periféricas e para a periferia.
Amanda Pellini faz história com esses games no Museu Afro Brasil Emanoel Araújo. A organização do evento e a curadoria também teve o trabalho da Dyxel Gaming, da craque Érika Caramello.
O evento foi gratuito e poderia ser um modelo de ocupação de espaços públicos realmente efetivo para jogos desenvolvidos no Brasil.
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