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O dilema e o desafio do jogo AAA brasileiro. Por Maurício Tadeu Alegretti, do Indústria de Jogos

Salve salve, gamedevs!

Outro dia, em um dos grupos de discussão em que participo (mais especificamente o excelente Game Developers Brasil, para quem é de São Paulo ou estiver pela cidade fica a dica de estar de olho nas datas dos meetups mensais e não deixar de ir) veio à tona a boa e velha questão: quando o Brasil vai produzir um jogo AAA, se é que já não o fez?

Como sempre acontece em torno desse assunto, as opiniões foram muitas e bem divergentes. Também deixei as minhas, e achei legal registrar aqui em um editorial o que penso, e o porque na minhão opinião ainda não tivemos um AAA brasileiro, porque ainda levaremos um tempo para ter, e principalmente porque não há nenhum problema nisso.

Bom, começando do princípio e da definição – o que significa um “jogo AAA“? Com certeza vale contextualizar, pois algumas pessoas comentaram que na cabeça delas, isso indicaria um selo de qualidade de um jogo. Na verdade, não é: o termo AAA, em sua essência, define um jogo que teve um grande orçamento de produção e marketing. A designação começou de forma bem informal nos anos 90 nos EUA (e não, não tem nenhuma empresa que administre ou dê um selo de AAA para games), quando se começou a perceber que os grandes títulos requeriam muito tempo (“A” lot of time), muitos recursos (“A” lot of resources), e muito dinheiro (“A” lot of money). Para traçar o paralelo com Hollywood e o cinema, seriam os nossos equivalentes aos blockbusters.

Aqui cabe a primeira reflexão em cima do termo: perceber um jogo como AAA, isto é, reconhecer que ele é uma super-produção, assim como no cinema não é de forma alguma uma garantia de qualidade. Muitas coisas podem sair errado, são projetos complexos, e em ambas as indústrias temos casos de produtos que, bem, no final das contas não ficaram tão bons assim ou que nem chegaram a pagar seus custos.

O que leva ao segundo ponto para levarmos em consideração: os jogos estão progressivamente ficando mais caros para serem produzidos. O que demandava investimento em torno das dezenas de milhões de dólares (diz-se que Halo 3 custou em torno de US$ 30 milhões) há alguns anos, hoje já passou das centenas de milhões (GTA V teve um estimado total de US$ 250 mi). Já é claro e sabido por todos o quanto um investimento deste porte está diminuindo a criatividade das grandes produções, afinal de contas ninguém quer ou pode arriscar tanta grana em algo que não tenha uma mínima garantia de retorno. Vivemos a era dos Call of Duties anuais, remakes / remasters / reboots, e outras sequências sem fim.

A situação é tão crítica que analistas e desenvolvedores já questionam se o modelo AAA não é falido, e um relatório da EA Européia estimou uma queda do número de estúdios totais de jogos trabalhando com títulos AAA de 125 para 25 nesta geração, com um aumento de quatro vezes o quadro de funcionários em cada um deles. Será que a indústria de jogos mundial ruma a um novo crash como o de 1984?

Não sou nem de longe pessimista desta forma, até porque realmente questiono o quanto o tal “crash de 1984” afetou globalmente o mercado (assunto para outro editorial um dia destes, podem me cobrar). Videogames já estão impregnados nas nossas vidas e na humanidade, e sempre encontraremos um modelo novo de nos manifestarmos como criadores e de jogarmos experiências novas. E no mercado atual, se os AAAs carecem de inovação, os jogos indie oferecem de sobra.

O que leva ao último ponto: AAA significa “muito tempo, muito recurso, muito dinheiro“, certo? Pois é tudo o que não temos no Brasil. A enorme maioria de nossos jogos em desenvolvimento tem prazos de entrega escassos, equipes pequenas (quando não individuais), investimentos mínimos. Estamos comemorando (e temos mesmo, muito!) o edital da Ancine por contemplar produções brasileiras, onde as duas maiores receberam em torno de US$ 315 mil – o que não faz nem cócegas no orçamento de um AAA de console atual. No entanto, vira e mexe ouvimos algo como “este será um AAA brasileiro”, e não vejo como pode ser positivo se posicionar desta forma. Uma mensagem como esta, ao cair na imprensa de games internacional ou para investidores experientes do mercado não irá despertar muito além de um sorriso sarcástico na melhor das hipóteses, pode acreditar.

O irônico é que justamente o que temos de melhor e mais reconhecido internacionalmente, a nossa criatividade, é o que se sugere como solução do tal problema dos orçamentos estratosféricos que matam a inovação. Se não temos acesso fácil ao capital, aparentemente conseguimos fazer muito com pouco. E se realmente não pudermos dizer ainda que temos um jogo com os tais “monte de dinheiro, de recurso e de tempo” em produção no nosso país, talvez já tenhamos ou estejamos prestes a ter o nosso equivalente ao Tropa de Elite – um jogo criativo porém tão polido, que desperte no jogador a percepção de “nossa, é tão bem feito que parece um jogo AAA“.

E aí, meus amigos… segura a gente.

PS: Falando em jogos brasileiros com polimento ao nível de um AAA, não deixem de prestigiar o Galaxy of Pen & Paper, da Behold Studios, que acabou de sair na Steam. Excelente exemplo de tudo que coloquei acima.

Mauricio Alegretti ("Malegra") é fundador do Indústria de Jogos, chair do capítulo Sorocaba da IGDA, co-fundador do estúdio Smyowl e Microsoft MVP em Kinect. É creditado em mais de 20 jogos nas plataformas Android, iOS, Windows, Windows Phone e STEAM. Saiba mais em malegra.com.br.

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