Para além do viés feminista e pró-minorias do jogo de tiro lançado no final do mês passado, o site Drops de Jogos procurou Bruna para saber das suas inspirações, sobre o seu trabalho e visão do processo de criação de jogos. Confira as respostas.
Drops de Jogos: Primeiro, vamos ao básico. Idade? Qual foi o primeiro game que você começou a jogar e com quantos anos?
Bruna Richter: Tenho 26 anos, 27 no final do mês (ela faz aniversário no dia 29). Meu primeiro jogo? Não tenho certeza, porque o console minha lembrança mais marcante vai ou para uma fita com muitos jogos no Nintendinho dos meus irmãos ou para o jogo da Pantera Cor-De-Rosa no SNES mesmo. Sempre fui muito ruim nos jogos do Mario, além de ter muito medo das fases no castelo.
Acabei jogando mais Mortal Kombat, esse da Pantera e o jogo do Rei Leão no SNES durante a minha infância, antes de ter acesso ao Playstation 1. Naquele momento foi quando o negócio começou a ficar mais sério e frequente.
DJ: Você consegue listar de três a cinco meninas na cena brasileira de jogos que te inspiram? Por quê?
BR: Não posso deixar de citar nesta lista a Ursula Dorada, amiga e mentora que muito me ajudou a chegar até aqui. Apesar de não ser uma ilustradora atuando exclusivamente no mercado de jogos, tem um currículo e portfólio impecável e que só cresce mais a cada dia. Ela me inspira principalmente a não desistir e correr atrás do que você quer para si, que não pode se conformar e tem mesmo é que fazer o que gosta se não não vale a pena. Ela uma vez me disse: "Antes estar estudando para chegar lá do que perder tempo com algo que não te acrescenta em nada". Vou levar isso pro resto da vida.
Outra artista que não podia não estar nessa lista é a Luiza McAllister. Por chegar onde chegou fazendo o que ama com quem ama no 2Minds Studio e alcançar clientes como Riot e Blizzard no processo. Sem contar que ajudou a movimentar muitas comunidades artísticas (e criar algumas delas) brasileiras, sempre disposta a ajudar com dúvidas técnicas desde o mais iniciante até um profissional inserido no mercado de trabalho. Uma pessoa maravilhosa com um trabalho maravilhoso que merece ser destacada por isso.
Ainda na categoria de arte que, apesar de eu não ter tido tanto contato quanto com as anteriores, mas que admiro muito é a Amora Bettany. Acompanho seu trabalho pelo estúdio Mini Boss há um tempo e o trabalho que eles fazem deveria servir de inspiração para toda e qualquer pessoa que almeja trabalhar com desenvolvimento de jogos.
Thais Weiller e Carolina Porfírio também são nomes que merecem ser destacados, tanto pelo seu trabalho com jogos quanto pela sua posição quando o assunto é mulheres na indústria dos jogos. A iniciativa de Thais ao desenvolver o jogo Rainy Day, em conjunto com Amora Bettany, que aborda a visão do dia a dia de uma pessoa com ansiedade, é de se aplaudir de pé. Já o trabalho que a Carolina Porfírio faz com o projeto Fight Like a Girl mostra como temos em abundância personagens femininas fortes e marcantes, reais ou fictícias.
DJ: Você entrou no estúdio Aquiris quando? O fato de ser formada em publicidade e ser ilustradora ajudou?
BR: Entrei em novembro de 2015, vindo de um estúdio de ilustração publicitária. Não posso dizer que minha formação me ajudou muito no meu caminho até aqui. Como profissional me ajudou, me deu experiência no mercado de trabalho, me ensinou a lidar com prazos e a trabalhar em equipe, mas portfólio eu tive 0% de aproveitamento de todo o meu percurso da universidade até aqui. Tudo o que eu tive para mostrar que me ajudou a conseguir esta vaga foram projetos pessoais feitos no meu tempo livre, estudos e freelances. Mas, ao mesmo tempo, se eu não tivesse passado por tudo que eu passei, talvez não tivesse conhecido as pessoas que conheci.
Elas me ajudaram a ser a artista que eu sou hoje.
DJ: Além do Ballistic, você trabalhou em outros projetos?
BR: Trabalhei. Entrei na Aquiris especificamente para um outro projeto que está se encaminhando para o seu final agora. Quando surgiu a demanda para a criação dos conceitos da personagens femininas, eu fui relocada para o Ballistic.
DJ: Quais são as suas inspirações artísticas na hora de criar ilustras neste game?
BR: Para o design dos personagens busco inspiração em jogos com personagens fortes e marcantes indiferente do gênero e estilo de jogo, como Overwatch, Horizon: Zero Dawn, Mass Effect, Tomb Raider, The Last of Us, Mirror's Edge entre vários outros, e também em filmes como Star Wars e Jogos Vorazes, além de muitas inspirações do mundo da moda. Já no processo de criação, busco analisar o processo de artistas que admiro como Samantha Hogg, Karla Ortiz, Iain McCaig, Lois van Baarle e os próprios concepts originais do Ballistic feitos pela Sixmorevodka, que me ajudaram bastante durante a criação das versões femininas.
DJ: Você considera jogos de tiro muito machistas? Por qual razão?
BR: Considero que quando você parte do pressuposto que apenas homens jogam este gênero de jogo e apenas homens devem compor o lineup de personagens jogáveis do dito jogo, qualquer jogo será machista. Os jogos de FPS se empenham em compor um universo realista e crível, com física aplicada nos objetos mais inusitados, grande variedade de armas com ruídos e impactos únicos. Tudo isso existe para aumentar a imersão do jogo, mas personagens femininas são raramente encontradas, o que não reflete a realidade de zonas de combate.
Isso é que é revoltante. A anulação da presença da mulher na zona de combate, com a justificativa de que mulheres não são obrigadas a servir logo não possuem uma presença significativa, sendo que, por exemplo, 15% do exército americano é composto por mulheres e esse número aumenta a cada ano. Não é uma maioria, mas é uma realidade e representatividade importa, em qualquer jogo.
DJ: Bruna, Overwatch foi um shooter diferente do padrão? Você joga?
BR: Meu histórico com FPS não é o mais variado, mas tive experiência com jogos como Call of Duty, Combat Arms e Battlefield. Destes, o único que me lembro de ter personagens femininas foi o Combat Arms através de skins, em sua maioria altamente sexualizadas. Overwatch introduziu desde o começo não só diferentes maneiras de se jogar um fps, incluindo não apenas modos de jogo diferentes dos padrões do gênero e skills, mas também uma grande variedade de personagens, dentre eles aproximadamente 1/3 femininas, inclusive a personagem de capa do jogo.
Foram oito personagens femininas inclusas no lineup inicial de 21 personagens, e dentre elas personagens que foram criadas com base no feedback da comunidade, que queria ver personagens femininas diferentes e fora do padrão comummente observado na indústria de jogos. É incrível ver a relação da Blizzard com a comunidade, e como eles reconhecem a necessidade de representatividade incluindo personagens LGBT, idosas ou simplesmente fora do padrão de beleza estipulado. Por esses e tantos outros motivos Overwatch é sim um shooter fora do padrão e não é a toa que é o FPS que eu mais vejo mulheres jogando continuamento.
Eu jogo Overwatch desde o dia do lançamento, e acredito que a maior parte dos meus amigos ativos no jogo são mulheres. E não são mulheres que, ao contrário do pensamento comum observado na comunidade, jogam apenas de suporte ou não são mecanicamente boas. São mulheres que jogam bem com qualquer herói e fazem parte dos menos de 10% da comunidade que se encontra nos ranks de diamante ou superior no modo competitivo, pois ser mulher é indiferente no quão bom você pode ser em um jogo.
DJ: Ballistic tem versões femininas dos personagens e vai acrescentar opções de etnias. Na sua opinião, por que existe tão pouca variedade e inclusão na indústria de jogos, dos indies às grandes produções?
BR: É um reflexo cultural que pode ser observado no mundo todo. A imagem do ser humano padrão é um homem hétero cisgênero, e isso reflete no cinema, nas histórias em quadrinhos, na televisão e na indústria de jogos. Então não é algo que podemos atribuir apenas aos estudios desenvolvedores. Na minha opinião, é necessário uma maior conscientização sobre igualdade no mundo inteiro. É preciso compreender o feminismo, abraçar a causa LGBT contra homofobia e discriminação de gênero, é preciso reconhecer que o mundo é composto por n diferentes culturas e etnias e que generalizar não funciona mais.
Não podemos ter personagens asiáticas interpretadas por mulheres brancas, mulheres trans interpretadas por atrizes cis, nem ter jogos composto pura e unicamente por personagens masculinos. Precisamos nos esforçar para ser melhores e fazer a nossa parte buscando conscientização e igualdade e esperar que o mundo melhore junto e que a representatividade nas grandes mídias seja uma consequência disso. Se pudermos fazer nossa parte começando pela representatividade em jogos, já é um bom começo.
DJ: Tem algo que eu não perguntei que você gostaria de falar?
BR: Algo que eu gostaria de dizer para quem gostaria de entrar no mercado de desenvolvimento de jogos mas não sabe bem como:
Rodeiem-se de pessoas que te sirvam de inspiração, indiferente da sua área. Participem de comunidades que te ajudem a crescer como profissional e como pessoa, converse com pessoas que você admira e tenha metas estipuladas, mesmo que elas pareçam inalcançáveis. Mas, principalmente, não deixe de fazer o que gosta.
Jogue jogos, leia livros, assista filmes, continue a ser movida pelo o que você gosta que o seu trabalho vai refletir isso e, junto com prática e estudo, irá evoluir. Pesquise sobre estúdios ao seu redor, sobre oportunidades perto ou longe de você. Acredite em você e no seu trabalho e nunca deixe de tentar por medo de rejeição.
É melhor receber uma rejeição e saber onde você precisa melhorar ou onde você não se encaixa do que nunca saber se teria dado certo.
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