Publicado originalmente no site da Dyxel
A Parada do Orgulho LGBTQIA+ acontece em São Paulo, neste domingo (14), de forma virtual devido à pandemia do novo coronavírus
Hoje seria o dia da Parada do Orgulho Gay de São Paulo 2020, cancelada em função da pandemia do covid-19. No entanto, para não deixar passar em branco o evento mais colorido da cidade que abriga a Dyxel, convidamos o nosso sócio Carlos Alberto Paiva, o Beto, para exercer o seu lugar de fala dando o seu depoimento sobre como é pertencer à comunidade LGBTQIA+ (Lésbica, Gay, Bissexual, Transgênero, Queer, Intersexo, Assexuado e afins) e trabalhar com games.
“Começo pensando na pressão para escrever algo sobre o mês do Orgulho Gay. Acho oportunista simplesmente usar uma data (comemorativa?) para falar algo que deveria trazer reflexão o ano todo.
Tenho quase meio século de vida. Sim, sou o que alguns classificam como uma bicha velha. Me dei conta da minha identidade, da minha realidade tarde, tanto que só tive coragem de me assumir em 1998, já com 27 anos. Nessa época, eu vivia um casamento heteronormativo, com 3 filhos, sob o assédio moral de um chefe que me tratava aos berros com insinuações preconceituosas e buscando a autocompreensão de ser assim. Casei cedo, mais pela pressão social de tentar ser o macho, o que se espera socialmente. Mesmo depois de longos anos amando profundamente uma mulher que me deu 3 vezes o maior presente que qualquer homem pode ter, a paternidade, eu tentava entender porque eu sentia atração por homens. A autoaceitação é algo complicado e requer tempo. De um lado, você sente a todo instante que é uma aberração ou alguém amaldiçoado por Deus, tão enraizado pela criação cristã que tive; por outro, você sente que aquela luzinha completamente obliterada e escondida na sua alma precisa respirar. Não é incomum passar por depressão, pensamentos suicidas e todas as desgraças que ceifam a vida de milhares de adolescentes e jovens na atualidade.
Eu nunca sofri qualquer discriminação em casa, com meus pais ou familiares. Infelizmente, a sociedade – escola, “amigos”, emprego, chefes, etc. – executou essa discriminação. Foi minha a decisão de um casamento e uma vida ditos normais, motivados pela necessidade de agradar a todos e fazer aquilo que se esperava do primogênito da família. Penso, às vezes, qual teria sido a reação dos meus pais caso eu tivesse me assumido mais cedo. Infelizmente, perdi minha mãe antes mesmo do meu primeiro casamento. Já o meu pai acompanhou de longe o meu longo calvário de autodescobrimento, meu sofrido divórcio e me ofereceu o ombro, o apoio e, principalmente, o amor e a aceitação que eu tanto precisava. Fico feliz em pensar que ele conheceu, mesmo no fim de sua vida, o homem com quem vivo há quase duas décadas e que ele via no meu esposo um genro como qualquer outro. Curiosamente, todos os meus familiares com mais de 60, 70 anos enxergam nele alguém maravilhoso. Meu tio de mais de 90 anos o adora e sempre pergunta por ele. Minha tia de 67 anos fica horas no telefone conversando com meu marido. E eu, às vezes, me pego enciumado porque ele é muito bem tratado pelos velhinhos da família… Rsrsrs.
Mas voltando ao mês do Orgulho Gay, já vivendo essa relação homoafetiva sólida e com um emprego estável e menos preconceituoso, ouvi de um conhecido: “Eu não entendo. Mês do Orgulho Gay. Orgulho de quê?” Foi aí que caiu a minha ficha e percebi o quanto teria de brigar muito para não voltar às sombras da minha vida egressa. “Orgulho de ser quem eu sou de verdade, orgulho de não ter de viver nas sombras da mediocridade de gente como você, orgulho de não ser a pessoa ignorante e preconceituosa que você é”, respondi. Bom, o assunto nunca mais veio à tona e a pessoa passou a manter uma distância saudável. Ótimo! Desde então, repito o meu mantra de saída do armário: “O Beto que você conhecia ontem continua exatamente o mesmo de hoje. A diferença é que agora você sabe que ele dorme com homens. Não peço aceitação, apenas respeito. Se puder entender isso, ótimo. Teremos uma boa vida próximos. Se não puder, ótimo também: nós nos afastaremos, mas ficarei grato por não ter de lidar com relações embasadas em falsidade”.
Sou branco, cisgênero, pertenço à classe média graças ao trabalho árduo, possuo a estabilidade emocional dada pela idade, uma vida financeira estável… Meus privilégios facilitam imensamente a minha situação, mas tenho consciência que não é a realidade da maioria d@s jovens gays. Em épocas de pandemia, tudo piora: as agressões às travestis e transexuais, aos “filhos bichinhas”, à filha “sapatão”… Mas não se engane: a pandemia não é o motivo! O motivo é o preconceito e a ignorância arraigados, travestidos na figura de pessoas conservadoras que defendem os tais “valores morais”, mesmo sem segui-los.
ME POUPE. SE POUPE. NOS POUPE.
Eu estou numa situação de conforto, mas convivo diariamente com estudantes que passam por dificuldades ímpares, cujos familiares agridem verbal e fisicamente e, não raramente, os expulsam de casa. Pessoas que sofrem assédio moral no trabalho, somadas às dificuldades que a pandemia trouxe. Muitos desses estudantes têm como ponto de fuga os jogos, ir pra escola para conviver com os seus iguais. Ser aceito num grupo é algo intrínseco a todo ser humano, pois encontramos forças no grupo que nos aceita e nos enxerga como iguais. Vejo isso ocorrer cada vez mais dentro dos jogos: vem aumentado o número de mulheres e de LGBTQIA+ nos games. Quando vejo um grupo de estudantes emplacar um jogo com temática LGBTQIA+, os olhos umedecem e tenho de me segurar muito para não deixar as lágrimas rolarem – malditos ninjas cortadores de cebola! Isso é orgulho! Isso é a maior representatividade que já vi em ser LGBTQIA+: quando alguém coloca na sua obra de arte em forma de jogo um pedaço da sua alma, dos seus sentimentos frente à sociedade. E, felizmente, a diversidade está cada vez mais presente.
Embora pareça que queremos dominar o mundo com uma “ditadura gay”, sempre que damos um pequeno passo na conquista dos nossos direitos, é triste ver retrocessos. Exemplo é a tentativa de se estabelecer cotas para estudantes trans nas universidades, proposta que foi derrubada. Oportunidades iguais, alegaram. Quantas mulheres e quantos homens trans você conhece ? Quantos trans você vê diariamente exercendo todos os tipos de atividade: enfermeir@s, professor@s, engenheir@s, médic@s, etc.? Imagino que não sejam muit@s.
Novamente: ME POUPE. SE POUPE. NOS POUPE.
Não queremos ser mais que ninguém, mas também não aceitamos ser menos. Queremos apenas ser iguais a todos, possuir os mesmos direitos. Se pessoas héteros podem andar de mãos dadas na rua, por que homossexuais não podem? Se uma pessoa hétero pode beijar a pessoa amada na rua, porque não um@ homossexual não pode? Amor é amor, não importa a sua forma.
“Ah, mas os mais velhos… A cultura… A religião…” Sou a prova viva que os mais velhos, que seguem preceitos cristãos entendem sim. Qual vai ser a sua desculpa?
Aprender é algo eterno, que não acaba quando você encerra o ensino fundamental, médio ou a faculdade. Eu, que estudo até hoje, ainda me surpreendo com as coisas que aprendo muito além da sala de aula. Pode ser uma série como a “Todxas Nós”, da HBO, protagonizada por uma personagem não binária. Foi lindo aprender sob qual “nova pele” o preconceito racial agora se expressa, perceber que eu tenho uma filha linda que passou pela mesma situação da co-protagonista de não conseguir um emprego pela sua aparência, ter contato com palavras novas como sororidade. É o que sempre digo: aprender sempre!
Esse é um dos principais motivos que me levou a firmar sociedade com dois grandes amigos e fundar a Dyxel Game Publisher: oferecer algo mais na área de jogos, que possa ajudar tod@s a encontrarem o seu caminho. A inclusão étnica, de gênero, de orientação sexual, cognitiva e física, entre as milhares de outras que existem ou vão existir, faz parte da alma da nossa empresa. É algo intrínseco pessoal e profissionalmente à Dyxel. E é muito bom fazer parte disso!
Obrigado pela atenção até aqui.
Bjão, Beto.”
Dá para jogar no navegador
Gostos musicais
Entenda melhor