Por Pedro Zambarda, editor-chefe do Drops de Jogos.
Este texto é fruto de conversas com Alan Richard da Luz, Horácio Corral, Ulisses D’Ávila e Alex Leal, integrantes da Rede Progressista de Games, a RPG, que tenta articular o setor de videogames no Brasil com a política. E o debate se centrou em uma conclusão óbvia: A demissão em massa na indústria de jogos aponta para um possível crash.
São mais de 10 mil demitidos em 2023 e mais de seis mil em janeiro de 2024. Os dados são dos sites Kotaku, GamesIndustry.biz e dos próprios trabalhadores afetados pelos cortes nas redes sociais.
Mas o crash em 2022/2023/2024, pós pandemia da Covid-19, é o mesmo crash de 1980? Um exame mais clínico nos fatores econômicos do capitalismo aponta razões diferentes. 80 foi impactado pela crise do petróleo e uma enxurrada de jogos sem qualidade que quebraram o mercado de fliperamas (arcade) e a Atari, o mercado dos Estados Unidos.
Isso provocou a posterior ascensão do Japão e da Nintendo.
O crash daquele tempo foi um crash de demanda, em que havia muita oferta que não foi entregue para o público. O problema da crise atual é de outra natureza e não se concentra somente nos EUA.
Assim como outras cadeias da economia criativa, os games passaram por um barateamento das engines nos anos 2000, com posterior ascensão dos indies, e a disseminação do trabalho remoto na pandemia da covid entre 2020 e 2022. O ingrediente final para gerar a crise viria em seguida: A OpenAI e a Microsoft popularizando a inteligência artificial.
Com isso, os gestores de empresas milionárias e bilionárias estão se livrando do ativo mais custoso nesse processo: Os trabalhadores. Numa lógica perversa, nunca se produziu tanto, e tão bem, jogos, e nunca se maltratou tanto o trabalhador nesse processo.
Se o mercado de IA não for fortemente regularizado, com impostos para subsidiar trabalhadores e suas organizações, como sindicatos por exemplo, essa lógica perversa continuará.
Quem está fazendo diferente nesse processo? A China e suas leis protecionistas. Com um adendo: A Tencent também destá demitindo. Sobretudo em suas subsidiárias ocidentais.
E quem é o cadáver nessa mudança radical e crise? A Blizzard.
Adquirida primeiramente pela Activision, as duas empresas foram compradas pela Microsoft pelo valor de US$ 69 bilhões, a maior operação do mercado. Mas essa, infelizmente, não era uma boa notícia.
O mercado, infelizmente, encolheu e desacelerou. No passo seguinte, a Microsoft está matando a Blizzard para manter a Activision, seu braço lucrativo, funcionando. Corta-se executivos e peões. Coloca-se inteligência artificial no que faltar. Enquanto a Microsoft vale muito no mercado especulativo.
Sediada em Irvine, na Califórnia, a Blizzard tem uma tradição na indústria desde 1991. Isso provavelmente irá se perder em nome do dinheiro e da maximização de lucros. Não há fórmula mágica que esconda o cadáver nessa crise que já está em vigência.
O futuro é obscuro, mas não apocaliptico. Nunca se consumiu tanto games quanto hoje e a indústria está solidificada.
Os fatos que apresento neste texto são corretos e são material para o jornalista investigativo Jason Schreier, da Bloomberg, em seu novo livro: Play Nice, que chega em 8 de outubro de 2024. A decadência da Blizzard é um fato dado. Ela vai se recuperar? Dificilmente da forma que conhecemos.
Mas crise também é oportunidade. Queremos ver os desenvolvedores de games, uma indústria bilionária, sofrendo com desemprego e precarização? Vale tudo pelo lucro ou temos que pensar naquele assunto chato, que empresário normalmente não gosta, sobre impostos e direitos trabalhistas?
Há uma oportunidade diante de todo um mercado para se tormar a decisão certa.
E isso não é culpa de inteligência artificial.
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