Paula Ianelli abre o jogo sobre seu trabalho no título, com autorização das empresas envolvidas no processo de trazer o game até o Brasil. Confira a nossa conversa com ela.
Como foi a experiência de localização de The Witcher III? O que você fez pelo jogo?
A localização do The Witcher III foi um projeto que durou mais de um ano e envolveu dezenas de profissionais. A gente não faz ideia disso quando joga, mas existe uma equipe muito grande por trás da tradução de um jogo. O processo começa nas mãos da produtora e da distribuidora, que gerenciam a produção do conteúdo original e sua distribuição para diversas agências que providenciarão a tradução da obra para outros idiomas.
É nesta parte do processo que entram os tradutores e revisores. Junto com uma equipe de vários outros profissionais, como tradutores, revisores, testers, profissionais de controle de qualidade e gerentes de projeto. Eu fui responsável pela tradução de boa parte do jogo para o português do Brasil.
Conversei com produtores que falaram em 40 mil linhas de diálogos em seis línguas, por ser um jogo de mundo aberto. O trabalho foi pesado por isso?
Um projeto deste porte é sempre um desafio para a equipe de localização. Os milhares de diálogos vão chegando para nós aos poucos e são distribuídos entre os principais tradutores da equipe. Muitas vezes também não temos uma continuidade temporal exata. Eu já passei pela experiência de traduzir a cena final de um jogo na primeira semana do projeto, por exemplo. A falta de contexto é uma dificuldade séria que enfrentamos nesses casos, mas trabalhamos com bastante afinco para manter coerência total do começo ao fim.
O que também é interessante é que costumamos receber cada uma das missões em um pacote, digamos assim. Então, um mesmo profissional costuma traduzir aquele trecho inteiro e ir descobrindo pouco a pouco o desenrolar da história. Em um jogo tão extenso é bem legal ver todas as possíveis ramificações da trama de acordo com as escolhas do jogador e perceber como a história final muda. Só não dá para reclamar dos spoilers!
Quais foram as diferenças deste trabalho com a CD Projekt Red comparado com outro trabalhos teus?
O projeto foi um típico projeto de grande porte, com milhões de palavras, meses de execução, dezenas de profissionais e uma expectativa enorme por parte do público. Em outros casos, recebo projetos bem menores até mesmo de jogos que já foram publicados em inglês, o que é comum com os jogos de plataformas como Android e Facebook. Para jogos menores também é possível manter a equipe mais reduzida, mas qualquer projeto sempre demandará muito trabalho de pesquisa prévia, padronização terminológica, criação de glossários e coisas do tipo.
Gostei bastante de traduzir The Witcher III porque já curtia a história e sabia que seria um projeto de alto nível, com uma trama envolvente e textos bem escritos. Como no caso de outros jogos que já traduzi, The Witcher III já chegou com todo um legado de livros e jogos anteriores, o que demandou bastante pesquisa.
O fato de se tratar de um RPG inteligente em que as escolhas do jogador afetam o andamento da história e culminam em dezenas de finais diferentes também deixa tudo bem mais interessante e desafiador. Acabamos lidando com várias vertentes da história ao mesmo tempo. É sempre um prazer participar de projetos assim.
O que você achou do trabalho de localização de The Witcher III fora do Brasil? O padrão foi alto?
A julgar pelo profissionalismo que a CD Projekt Red exibiu na localização para o português do Brasil, imagino que sim. Eu não tenho acesso e não parei para avaliar a tradução feita para outros idiomas, mas sei que a empresa prezou por localizações de qualidade. É essencial ter essa consciência de que a qualidade das legendas ou dublagem de um jogo pode ter um impacto gigantesco na recepção daquele conteúdo em qualquer país no qual o público-alvo não fale inglês.
Por exemplo, há pesquisas que mostram como obras literárias acabam tendo níveis de receptividade muito variados em diferentes países por causa da forma como elas foram traduzidas. A CD Projekt Red e outras grandes empresas do setor estão cada vez mais cientes disso, e dá para ver esse respeito até nos mínimos detalhes, como dar crédito a toda a equipe responsável pela tradução.
Faltam projetos com este nível de trabalho no nosso país?
Felizmente projetos de altíssima qualidade estão ficando cada vez mais comuns no Brasil. O que antes era visto como inovação ou como um mimo aos jogadores, passou a ser encarado pelo público como o mínimo esperado. Em um mercado grande como o nosso, que paga de R$ 150,00 a R$ 250,00 em um lançamento, nada mais justo que poder acessar o conteúdo na sua língua materna por uma tradução caprichada.
Quando isso não acontece, vemos a reação imediata do público gamer reclamando sobre a qualidade das legendas ou falas. Isso serve para reforçar ainda mais o quanto esse elemento deixou de ser opcional para ganhar cada vez mais destaque no processo de distribuição de jogos para mercados globais.
Como gamer e tradutora, fico muito feliz por ver essa tendência e espero continuar contribuindo com o desenvolvimento deste mercado.
Você já teve outras experiências com localização de games, Paula? Me conte um pouco sobre você.
Sim, trabalho com a localização de jogos há alguns anos e já traduzi dezenas de títulos para consoles e mídias sociais. Concluí um bacharelado em tradução pela UNESP e depois me formei em interpretação pela PUC-SP. Além da tradução de jogos, trabalho com várias outras áreas tanto na tradução escrita quanto na interpretação simultânea. Esse é meu trabalho em tempo integral e é minha profissão.
Há quem pense que a tradução pode ser um “bico” para as horas vagas, mas não é assim que funciona. Quem tem vontade de trabalhar com a localização de jogos precisa investir em uma profissionalização muito grande, como em qualquer outra carreira. Também sou gamer desde pequena e sempre me lembro da época em que era tudo em inglês ou japonês. A maior alegria do mundo naquele tempo era ver que o detonado de um jogo legal tinha sido publicado em uma daquelas revistas de videogame.
A gente quebrava demais a cabeça para descobrir na raça o que precisava fazer para progredir na história, principalmente nos RPGs. Era tanto esforço e paixão pelos jogos que muitos de nós até aprendiam inglês só jogando videogame. Penso nessa época com bastante carinho, mas fico feliz demais por saber que faço parte de uma mudança no mercado e posso ajudar muito mais gente a ter acesso pleno a jogos fantásticos daqui para frente.
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