Por Victor Hidalgo, jornalista e autor do canal na Twitch Camarada Hidalgo.
Já faz alguns anos que a indústria de jogos inova em remover os direitos dos consumidores a cada nova geração de consoles, enquanto vende de volta para nós, os consumidores, coisas que antes eram garantidas de existir dentro do jogo base. Como por exemplo, roupas alternativas para os seus personagens.
O que eles vendem hoje no discurso vazio de “pride and accomplishment”, era uma realidade antigamente. Ou já esquecemos do como ficamos animados em desbloquear a roupinha de peixe do Kratos em God of War 2 por simplesmente completar o jogo? Só isso já era motivação o suficiente para jogar novamente do começo ao fim.
Mas não. Hoje a indústria “inova” ao remover aspectos que eram inerentes a experiência do jogador com a desculpa de não serem “essenciais” e que são apenas itens “cosméticos” que não afetam sua experiência no jogo. O que é mentira, já que existe uma clara pressão dessas empresas de fazer com que o jogador compre esses itens que não são essenciais na sua experiência com o jogo. Dificilmente você encontra hoje um AAA que não empurre esses itens logo quando você abre o jogo.
Existe também a desculpa de que jogos Free to Play não podem ser criticados por conta de seus lucros estarem atrelados apenas a itens cosméticos (na maior parte das vezes). Eu concordaria com isso caso essas mesmas empresas não fossem as mais lucrativas do mercado com lucros de 111,37 bilhões de dólares em 2023 em todo o mundo e com projeção de aumento para 117,7 bilhões para 2024(dados da Statista). Tanto sucesso, que suas mecânicas intrusivas de monetização foram aplicadas nos jogos pagos, como skins de personagens pagos, loot boxes, battle pass, gacha e muito mais.
Eu sei, foi uma longa introdução. Mas eu gosto de deixar o campo bem assentado para o que eu vou falar, contextualizando a indústria de jogos para quem não conhece muito. O que mais ouvimos de executivos de empresas como EA, Actvision Blizzard (agora da Microsoft) e tantas outras é de que “jogos custam muito caro para serem feitos hoje em dia”, mesmo o mercado tendo faturado mais de 91 bilhões de dólares só no passado. Isso contando apenas o público consumidor de consoles e PC. Esses dados do Newzoo’s.
Para colocar em perspectiva, a indústria cinematográfica lucrou em 2023 um total de 33,2 bilhões de dólares. Não chega nem a ser uma competição, é um massacre. Mas mesmo assim, continuamos escutando dos executivos que jogos precisam ficar mais caros para o consumidor por conta do custo de produção, e por isso que vemos cada vez mais DLC’s, pacotes de skins e tantas outras coisas “não essenciais” para você comprar por fora da experiência principal do que deveria ser o produto que o consumidor realmente está interessado. Mas, por quê?
Porque os jogos não são seus.
Como tudo na indústria, conseguiram transformar um aspecto negativo em positivo. Nunca vou esquecer do lançamento do Xbox One quando o antigo CEO da empresa, Don Mattrick, subiu no palco da E3 em 2013 para anunciar o novo console e anunciou que o usuário final deveria estar conectado na internet para usar o console, não seria possível vender ou trocar jogos usados e que o uso do Kinect era obrigatório. A resposta da comunidade foi tão negativa, que tiveram que reverter praticamente todas essas escolhas horríveis, e ainda foram zoados pela Sony que lançou um vídeo no seu canal do Youtube de 20 segundos no qual o então presidente, Shuhei Yoshida, entrega uma cópia de Killzone para o executivo Adam Boyes, dizendo “É assim que você compartilha seus jogos no PS4”.
Bom, estamos em 2024 e a Microsoft tem um console que não reproduz discos físicos e serve apenas para jogos digitais, deixando os usuários a mercê da empresa manter os serviços online funcionando. O que não aconteceu com os serviços da Nintendo, por exemplo. Que descontinuou nesse mesmo ano a eShop do 3DS e Nintendo Wii U, deixando que apenas os jogos que os jogadores já haviam comprado no passado pudessem ser baixados nos respectivos consoles, mas até quando?
Mesmo os jogos físicos de hoje em dia não servem de muita coisa se você não tiver acesso a internet para baixar a última atualização disponível no sistema. Isso quando o disco é entregue na embalagem. No lançamento de Fallout 76, jogadores que compraram a versão física do jogo receberam um disco de papelão com um código para ser resgatado online.
Mudanças graduais são mais difíceis de perceber do que imediatas. A indústria foi moldando o gosto dos consumidores a sua vontade e testa todos os dias qual o nosso limite. Mas Phillipe Tremblay, diretor de assinaturas da Ubisoft, abriu os olhos de muita gente quando disse que jogadores ainda não estão acostumados com um modelo no qual não são donos dos seus jogos.
“Uma das coisas que vimos é que os gamers estão acostumados a, um pouco como com DVDs, a ter e ser dono de seus games. Essa mudança entre os consumidores precisa acontecer. Eles ficaram confortáveis não sendo donos de suas coleções de CDs ou DVDs. Essa é uma transformação que está acontecendo um pouco mais lentamente nos games” disse Tremblay em uma entrevista para a Games Industry, que você pode ler mais sobre aqui.
Essa declaração pode parecer um absurdo hoje, como foi a apresentação do Xbox na E3 que citei logo acima. Mas como ele mesmo falou, é uma mudança gradual. E quando acontecer, não vamos nem perceber que ela rolou.
E isso fica mais claro quando lemos os termos de uso da Ubisoft
“1.3: Os Serviços e Conteúdos são licenciados, e não vendidos, ao utilizador. Tal significa que concedemos ao utilizador uma licença e um direito pessoal, limitado, não transferível e revogável de utilização dos Serviços e de acesso aos Conteúdos, para entretenimento e utilização não comercial, sujeito ao cumprimento dos presentes Termos por parte do utilizador. Termos de uso dos serviços da Ubisoft via legal.ubi.com
A Ubisoft trata seus jogos como serviço, e podem revogar o seu uso quando bem entenderem. Como fizeram com The Crew, um jogo de corrida 100% online que foi literalmente apagado das contas dos jogadores que o tinham comprado. Eles revogaram a licença de acesso ao jogo, como diz nos termos de uso acima. E gostaria de lembrar que o jogo era pago, não é como se tivessem desligado o servidor de um MMO gratuito (que também levanta outras questões de preservação dos games).
Novamente, não parece ser nada demais já que o jogo estaria morto de qualquer forma por ser online e a empresa desligar os servidores. Porém, ao meu ver, parece mais um teste de clima. The Crew tinha seus jogadores, mas não era Assassins Creed. Provavelmente estão coletando dados e analisando até hoje como a comunidade respondeu, como podem mitigar os danos no futuro caso resolvam fazer a mesma manobra com algum dos seus jogos principais. Por exemplo, remover um jogo antigo do seu catálogo para oferecer no lugar uma remake que você pode alugar e dar mais dinheiro para eles. Afinal, uma propriedade parada não rende mais lucro.
O que me leva a mais um ponto: a indústria de jogos não está interessada na preservação de vídeo games como arte. A única coisa que importa em propriedades antigas é a exploração de suas obras em sequências, remasterizações ou remakes. Caso a obra não seja quente o suficiente para isso, eles vão apenas segurar os direitos sobre aquele produto e morrer com eles. Para que nunca mais veja a luz do sol. Ou vocês acham que teremos um novo Hi-Fi Rush por algum outro estúdio da Microsoft que não seja o falecido Tango Gameworks?
O modelo que parecem querer seguir é o da Netflix. Um serviço no qual você paga uma taxa para acessar um vasto catálogo de produtos que podem sair a qualquer momento da plataforma na qual os consumidores não tem outro lugar para acessar. Legalmente, é claro.
Mas é viável? Não importa. É o que querem. E vão empurrar isso aos poucos nas nossas goelas no decorrer dos anos. Não dá pra dizer que estão sendo sutis em relação a isso também. Mas quando o gamer médio está preocupado com a lacração e a cultura woke nos seus jogos só por ter visto um personagem negro, os grandes capitalistas da industria sorriem pela atenção ter sido direcionada para o outro lado, enquanto fazem o que bem intendem.
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Infelizmente isso é inevitável.. o gamepass está ai e funciona exatamente desse jeito... Vc paga por mês e joga o catálogo disponível.. quando eles não querem mais o jogo no catalogo eles te oferecem (por enquanto) um desconto para vc adquirir o jogo... Vc que se vire ou pague mais caso queira continuar jogando...