Por Victor Hidalgo, jornalista e autor do canal na Twitch Camarada Hidalgo.
Microtransações em jogos são uma armadilha para pegar jogadores neurodivergentes e crianças. Não importa o tipo de jogo ou conteúdo, elas não deveriam existir por essa razão. Elas complicam e tornam nocivo o ambiente do mercado de videogames e a sua indústria de desenvolvimento.
A indústria de jogos é uma das mais lucrativas. Só em 2023, ela conseguiu abocanhar US$ 184 bilhões no mundo, diz o site GamesIndustry, com dados da Newzoo. O montante é muito mais do que a indústria cinematográfica, que arrecadou apenas US$ 33,9 bilhões em comparação segundo dados da Gower Street Analytics.
Querem mais dados? Segundo o Statista, US$ 68 bilhões dessa quantia foram de compras dentro dos jogos.
Isso não é de se espantar, já que ainda não conseguiram monetizar alguns aspectos do cinema em comparação com a indústria de jogos. Inspirados por esse segmento de inovação, executivos já estão testando a reação dos usuários com experiências como o lixo nuclear que foi Silent Hill: Ascension, uma série interativa que permitia que os usuários pagassem para influenciar o andamento da história.
Nele, alguns quebra-cabeças ficaram trancados atrás de um sistema pago. Talvez o verdadeiro terror de Silent Hill é a eterna promessa de um novo jogo que preste e o respeito que a franquia merece pela Konami para os fãs.
É sintomático da indústria que um lixo desses saia da Konami. É um amálgama de microtransações com todos os cacoetes que representam hoje a indústria de jogos. Leiam o seguinte na voz de Gil Brother: Tem passe de batalha, tem skin inútil, tem emoji, tem pacote de fundador. Tudo isso em um jogo “gratuito” que parece que foi roteirizado por uma inteligência artificial.
E é isso que a indústria faz atualmente. Ela testa a reação do público diversas vezes até chegar em um consenso do que seria uma mecânica monetizada “aceitável” de se implementar nos seus jogos.
No começo, a reação dos jogadores contra uma DLC de cosméticos era ultrajante, como foi em 2006 com The Elder Scrolls IV: Oblivion, quando a Bethesda apresentou uma DLC cosmética de armadura de cavalo por US$ 2,50.
Hoje, esse tipo de coisa foi normalizada dentro da indústria e é visto até com bons olhos pelos jogadores.
Registrando lucros históricos ano após ano, tudo às custas de explorar mecânicas de jogos de azar em suas microtransações com a desculpa de serem “opcionais” ou de que “não afetam a experiência do jogador”, a indústria ganha e demite em massa desenvolvedores após cada ciclo de desenvolvimento.
Isso acontece por conta do mercado não ser devidamente regulamentado. Em 2018, a falecida Activision Blizzard, que teve um dos CEOs mais bem pagos da indústria recebendo US$ 155 milhões em 2020 na “pessoa” de Bobby Kotick, conseguiu escapar de todos os impostos federais dois anos antes, no ano de 2016.
Essas empresas ainda receberam um reembolso de mais de US$4 bilhões de dólares de impostos que eles não pagaram.
Além de conseguirem fugir da fiscalização usando mecanismos que nenhum cidadão comum tem acesso, eles ainda recebem por isso. A população dos EUA está pagando o salário de CEOs que literalmente não contribuem nada de forma substancial para a sociedade.
Não existe crise financeira real na indústria dos jogos. O que existe é ganância corporativa e exploração máxima dos funcionários e dos consumidores para encher os bolsos de executivos.
“Mas os jogos estão mais caros de se produzir!”, dizem, enquanto a indústria continua com seus lucros nas alturas.
A questão aqui é que eles encontraram mais uma forma de explorar o sistema a favor deles com microtransações no geral.
Podem negar o quanto quiserem, mas todos os mecanismos que fazem um jogo de azar ser viciante são aplicados em mecânicas de lootbox, por exemplo. Como o valor dos itens “não é real”, a mesma lei não se aplica. Ou não se aplicava pelo menos, já que diversos países começaram a mudar suas leis para impedir esse tipo de mecânica predatória. Como a China, por exemplo.
“Os jogos não poderão mais oferecer recursos de sorteio baseados em probabilidade para menores – encerrando as loot boxes e a monetização de gacha vistas em centenas de jogos – e as publishers terão que impor limites sobre quanto dinheiro pode ser gasto no jogo e serão proibidos de permitir o leilão ou especulação de itens do jogo”. Essa informação vem direto do Pocket Gamer, abordando as novas restrições na China sobre microtransações e outras mecânicas exploratórias nos jogos.
Na Inglaterra, um estudo acompanhou 32 famílias para entender se loot boxes causavam danos em crianças. Uma delas chegou a gastar 500 libras esterlinas (equivalente hoje a R$ 3182,60) em um único mês para tentar encontrar a carta de um dos melhores jogadores no jogo.
“Assim que eu estava ficando entre os melhores jogadores, eu queria ficar cada vez melhor e melhor e melhor, tipo, eu não conseguia parar“, relatou a criança. Vocês podem ler o estudo completo aqui.
Além de explorar os mecanismos mentais que fazem pessoas neurodivergentes se afundarem nesse tipo de mecânica e gastarem milhares de reais, elas também exploram crianças.
Quando falamos desse tipo de coisa, estamos falando de um sistema criado para exploração de populações vulneráveis dentro de um universo criado e controlado por uma empresa. Parece até que existe uma relação com o sistema que vivemos hoje.
Vou deixar um artigo científico que foi a fundo nessa questão das microtransações e vício em jogos de azar, para quem quiser saber mais sobre isso. O texto é assinado por Phillip C. Raneri, Christian Montag, Dmitri Rozgonjuk, Jason Satel e Halley M. Pontes. Basta clicar aqui para ler.
Outro ponto de debate recente que acredito merecer uma luz é o que a jornalista Stephanie Sterling chama de “Inconveniência Programada”. Quando uma desenvolvedora cria um problema dentro do jogo e vende a solução na sua lojinha.
Pode parecer algo pequeno, ainda mais se você consegue com o dinheiro falso dentro do jogo comprar o dito “benefício”, mas ele usa os mesmos mecanismos para pegar os jogadores. Criam uma experiência pior para todos, na expectativa de conseguir um trocado por isso.
Como tornar pontos de viagem rápida no mapa escassos e tornar o item que permite que você ative eles extremamente caro dentro da economia do jogo. Mas olha só como somos legais: convenientemente estamos vendendo esse mesmo item que demora horas para você conseguir no jogo na nossa lojinha! Tudo no precinho, lógico.
Para mim, isso é um atestado de que o jogo não merece o seu tempo. Pelo menos jogos gratuitos não “cobram” para você baixar e jogar os seus jogos, como Warframe. Mas inserir esse tipo de microtransação em um jogo “AAA” que você já pagou muito caro para jogar?
Qual é a desculpa? E não vale dizer que é “para os jogadores que não tem tempo de conquistar essas coisas no jogo!”. Mas quem definiu essas métricas mesmo? A própria empresa.
Temos diversos exemplos recentes na indústria de jogos que não aderiram a essas práticas nocivas e que encontraram sucesso. Seja nos jogos indies ou de estúdios maiores.
Quero deixar claro que minha crítica é apontada para as gigantes do mercado que se fazem de coitadas toda vez que tentam explicar o motivo das demissões em massa dos seus funcionários no momento em que tiveram mais um ano de lucros recordes, e que ditam o que é a norma do mercado de jogos no mundo.
Concluo que a culpa desse estado de coisas e da atual situação do mercado de videogames é mesmo do capitalismo. Sim, isso mesmo. Não é o CEO que desenvolve o seu joguinho preferido, mas provavelmente é ele, e os executivos acionistas, que empurram na sua garganta essas práticas predatórias do mercado que acabam destruindo visões mais artísticas nesse segmento.
“Mas eu consigo me controlar, não gasto rios de dinheiro em microtransações!”.
Se você diz isso, então este texto não é sobre você. Você não dá lucro para essas empresas. Na verdade, faz parte do problema que elas querem se livrar.
Elas querem mais jogadores dispostos a gastar centenas de milhares de reais nos seus live-services recheados de microtransações. Não querem que os jogadores fiquem do lado dos desenvolvedores, dos trabalhadores.
E não se enganem: eles sabem muito bem o que estão fazendo.
E não vão parar, a menos que alguma providência seja tomada contra os interesses deles.
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