Por Pedro Zambarda, editor-chefe do Drops de Jogos
O evento digital Ubisoft Foward apresentou Far Cry 6 num trailer altamente político. Interpretado por um astro de Breaking Bad, o principal vilão do game é um ditador de um país que luta por sua liberdade. Nada que a Ubisoft não tenha abordado antes: Far Cry 5 trazia o tema dos supremacistas brancos. De uma maneira superficial? Mas trazia.
Do mesmo jeito, a Naughty Dog trouxe o tema dos LGBTI com o casal Dina e Ellie em Last of Us 2. O tema abordado foi alvo de uma série de manifestações ridículas de gamers preconceituosos no site Metacritic, reduzindo a nota de usuário de um dos games que tem tudo para faturar os principais prêmios de games em 2020 – e é um sucesso de vendas de sua pré-estreia (superou o mais recente God of War).
Por que estou abordando estes temas? Porque vamos falar sobre games e política.
O jornalista Pablo Miyazawa fez um ótimo texto sobre este assunto em 8 de junho com o seguinte título para o IGN Brasil: “Games são obras políticas, mesmo que você não queira que sejam”.
No texto, Pablo nos fornece um apanhado de grandes títulos e do mercado indie que surge como um contraponto. E eu quero acrescentar alguns detalhes que vão além dos jogos eletrônicos como entretenimento ou “doutrinação política”. Se vamos falar sobre doutrinação, é necessário colocar os pingos nos is.
A ideia de que jogos e diversão num geral não podem conter política vem, sobretudo, do mercado norte-americano. Como uma ferramenta de comercialização fácil, os games americanos fogem da ideia de associar suas mensagens a um movimento político ou mesmo aos setores militares que eles normalmente representam. Dessa forma, eles suavizam mensagens de títulos que muitas vezes lidam com guerras mundiais controversas e episódios históricos questionáveis.
Quer uma prova disso?
Para a revista GameInformer, em 2019, os desenvolvedores de Call of Duty Modern Warfare insistiram que seu jogo, uma ode ao exército dos Estados Unidos no Oriente Médio, “não é político”. E os funcionários da Activision não deram nenhuma resposta diferente dessa no momento do lançamento do título. Com empresas e orçamentos cada vez maiores, uma pressão por uma mensagem uniforme, que não provoque polêmicas com minorias e pessoas que não se identifiquem com os EUA, se tornou cada vez mais comum numa indústria como a de jogos.
A Ubisoft falou a mesma coisa sobre The Division 2. Os desenvolvedores de Ghost Recon Breakpoint também falaram algo do gênero para não comprometer o título. Todos estavam preocupados, é claro, com as vendas.
O que havia de comum entre todos esses títulos? Jogos de tiro com uma história simples de “mocinho e bandido” onde quase sempre os heróis são os norte-americanos.
Mais político do que isso? Impossível.
Mas há uma legião de gamers, entre o público consumidor, que engole cegamente o posicionamento das empresas e acha absurdo um beijo lésbico em Last of Us, o comunismo/fascismo abordado em Disco Elysium ou mesmo a crítica ao governo americano em Metal Gear Solid.
Esses indivíduos são fruto de anos e de anos de desinformação que envolve a indústria. De anos de discursos oficiais engolidos de maneira automática, sem a formação de uma imprensa e de produtores de conteúdo mais críticos.
Não se trata de esquerda, de direita ou de filiações partidárias específicas. Não abordar política em games é ignorar boa parte da nossa cultura. Da cultura que é formada por países dominantes (EUA, Europa e Japão) e daquela que é nossa (o Brasil e nações da esfera menos desenvolvida, em geral).
Com gamers mais bobos, ignorantes quanto às mensagens, sempre o mesmo tipo de jogo é consumido.
Por isso é fundamental apoiar desenvolvedores independentes. E, sobretudo, os criadores de jogos que fogem das convenções da indústria.
Querer separar sempre games de política é tratar o público como bobo, como alguém limitado intelectualmente.
O público merece ter a política tratada de maneira transparente – até para consumir de maneira consciente.
Se os games fogem dessa discussão, jamais terão a profundidade e a durabilidade de mercados culturais consolidados como a música, a literatura e o cinema. Nesses meios, a criatividade é quase ilimitada. Os games precisam romper seus limites para evoluir além de gráficos, mecânica e programação. Eles precisam se expressar para além dos códigos.
Como toda boa história.
PS: Toda essa minha crítica não me impede de curtir várias horas de Call of Duty ou qualquer jogo de tiro. Isso quer dizer apenas que meu cardápio de jogos é diversificado. Até porque o mesmo game sempre cansa.
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