Se você me pedir para eleger meu jogo preferido, apenas um, eu não vou nem pestanejar: Toe Jam & Earl!
Para mim, este jogo concentra a maioria dos recursos que considero essenciais em um game: criatividade, inovação, desafio, jogabilidade, diversão, estética marcante, projeto de som coeso e arrojado e personagens inesquecíveis! Se eu estiver exagerando, me avise!!!
Toe Jam & Earl marcou época por saber aproveitar com qualidade tudo o que a robusta plataforma Genesis/Mega Drive podia oferecer. Eu sei que, no caso, estamos falando de uma tecnologia 16 bits, ao contrário da maioria dos posts desse blog [o RetrGamesBrasil, com informações sobre games de 8 bits] mas, levando em conta que a criação do jogo é de 1991, dezessete anos de vida (e extremamente contemporâneo ainda hoje!) transformam esse produto em umm clássico respeitável.
Na época, a Sega atacou com tudo o que tinha para tentar reverter o mercado, maciçamente dominado pelo NES concorrente, e começou a obter sucesso, a partir do acertado lançamento de Sonic, The Headgehog.
Em tempo: Sonic fez sucesso em razão de um conjunto de circunstâncias aparentemente não correlacionados:
– A Nintendo colhia os louros da vitória com o Nintendinho e nem sonhava em, a curto prazo, atualizar seu parque tecnológico;
– A Sega, ao contrário, amargava prejuízos com o Master System (à exceção da Europa e do Brasil) e apostava alto em um chip mais parrudo;
– As crianças que possuíam um console de 8 bits começavam a adolescer e mudar sua perspectiva de vida e de mundo; jogos fofinhos como Mario e Kirby já não encantavam o público que entrava na puberdade;
– O comportamento dos jovens estava mudando: a geração que crescia já não acreditava nos antigos dogmas de seus antepassados como “Paz e Amor”, “Lar, doce Lar”, “Direita”, “Esquerda”, ou pedir a Benção antes de dormir. Sonic chegou barbarizando, com uma postura ao mesmo tempo rebelde e ousada, “descolado” como a cética geração dos anos 80. A identificação com sua “atitude” foi imediata, deixando Mario com os bigodes em pé!
Toe Jam & Earl eram, de certa forma, a confirmação dessa tendência, seu comportamento “cool”, sua musicalidade suingada, a sensação de estar deslocado em um ambiente aparentemente estável e paranoico (como em muitos lares de famílias!) e o design gráfico extremamente datado e “new wave” foram determinantes para o interesse do público no game. Para melhorar as coisas, o jogo era muito engraçado e a jogabilidade bem divertida.
Em um artigo online, Clint Dyer define assim suas impressões do jogo: “Toe Jam & Earl também não pertence a este artigo como um dos melhores jogos para Genesis em praticamente todos os aspectos. De fato, ele pertence ao artigo ‘Os mais Estranhos Conceitos para Game'” (O link ainda está disponível na rede: http://www.digitpress.com/archives/arc00063.htm).
Bill Kunkel, um dos primeiros jornalistas do mercado especializados em vídeo game e criador da Subway Software comenta nessa entrevista (página indisponível: http://www.gamesetwatch.com/2006/10/_play_toejam_earl_the_roguelik_1.php) que, certa ocasião, foi consultado pela Sega para analisar o game: “…companhias como a Sega, nos pagavam para apreciar seus jogos. Eu me lembrto que eles nos enviaram Toe Jam & Earl e nós dissemos a eles que o jogo era um arrasa-quarteirão garantido. Então eles acabaram lançando Sonig The Headgehog e TJ&E acabou virando um clássico cult menor”.
Curiosamente, de fato, o jogo teve pouca expressão nas vendas em seu lançamento. Greg Johnson, game designer e co-autor do jogo comenta nessa entrevista (também indisponível: http://www.gamasutra.com/php-bin/column_index.php?story=8488) os detalhes do difícil começo: “Após o lançamento, a Sega considerou o jogo um mico. O game cresceu lentamente, na base do boca-a-boca e só então se tornou um título cult”.
Levaria algum tempo até que fossem reconhecidas as qualidades do jogo, que causava estranhamento por ter um game design incomum, não baseado no conflito e cujo andamento não somava pontos, muito mais focado no gameplay e no funfactor.
Um dos pontos altos do jogo era a estética cartum dos alienígenas. Como é notório no mercado de entretenimento, um personagem com traços marcantes pode cativar e amealhar um público muito mais amplo e significativo. Mickey e Hello Kitty estão aí para comprovar a teoria (assim como Pucka, Sonic, Mario, Pacman, Flintstones etc.). Os ETs do game tinham um estilo rapper bastante condizente com a época e personalidades distintas, além de um certo ar abobalhado e despreocupado que colaboravam para enriquecer a ambientação do jogo.
Na mesma entrevista, Johnson comenta o processo de criação dos aliens do jogo: “Eu estava com os aliens na cabeça após Starflight (game de 1986 da Binary Systems e Electronic Arts, no qual ele acabava de participar da produção) e eu queria algo leve e meio tonto, não muito difícil de ser construído… uma boa dose de inspiração para os personagens veio facilmente de onde vêm as melhores idéias – o subconsciente”.
Se você leu o post anterior sobre Berzerk (https://retrogamesbrasil.blogspot.com/2007/12/chicken-fight-like-robot.html), sabe que ele foi inspirado em “Robots”, criado para rodar nos computadores da Apple. TJ&E também teve sua fonte de inspiração em outro jogo: Rogue (https://en.wikipedia.org/wiki/Rogue_(video_game)), jogo desenvolvido em código ASCII, baseado na idéia de exploração de masmorras, no melhor estilo Dungeons & Dragons. Johnson não esconde que era fã incondicional do game: “Era um grande jogo. Havia certas coisas sobre a mecânica que eu simplesmente amava”.
Embora não pareça haver uma associação direta aparente entre os dois jogos, o uso de mapas aleatórios e a ênfase na idéia de sobrevivência mostram grandes semelhanças.
Iniciada a produção, TJ&E logo foi apresentado à equipe da Sega. “Mark [Voorsanger, programador e co-autor do game] e eu fizemos cartões com partes do terreno para mostrar à Sega como funcionaria o sistema de geração aleatória de mapas. A Sega mostrou certa preocupação de que o modo para dois jogadores poderia não ser tecnicamente viável… Mark e eu sabíamos o que queríamos desde o início. A Sega disse ‘Desistam! Vocês não podem fazer isso com esse hardware’, mas Mark fez mesmo assim e mostrou para eles!”
Mais tarde, a Sega erraria outro prognóstico, ao considerar que a franquia deveria ser mudada, transformando “Panic on Funkotron”, o segundo jogo da dupla, em uma aventura de plataforma.
“Tive um almoço com Toyoda Shinobu, vice-presidente de desenvolvimento, e ele admitiu que havia sido um erro da Sega fazer do jogo um side-scroller (plataforma lateral)” conta o game designer.
Em 2000, os criadores iniciaram a produção de uma nova versão para o console Dreamcast, que deveria ser praticamente um remake do original, mas os planos foram frustrados com o anúncio da Sega que descontinuaria o console em 2001.
O jogo acabou sendo desenvolvido mais tarde para o Xbox, da Microsoft. Talvez para se redimir do equívoco de “Panic”, dessa vez o lançamento privilegiou todo o universo icônico criado pelo jogo original e os monstrinhos voltam à Terra (o planeta mais ‘dessuingado’ do cosmo!) trazendo sua irmã para, juntos, resgatarem os 12 álbuns sagrados do funk.
A tônica do jogo é o groove por excelência e deve agradar aos fãs saudosos, que aguardavam essa merecida atualização.
Para nossa sorte, o mundo dos games é um dos raros redutos ainda não invadidos pelo funk carioca!
O jogo original acabou portado para o Nintendo Wii e pode ser baixado pelo Virtual Console. O review do site especializado IGN (também indisponível: http://wii.ign.com/articles/758/758084p1.html) comenta: “TJ&E é, definitivamente, uma experiência alienígena… O jogo tem estilo! Há uma detalhada animação introdutória para ambientar a história acompanhada por renderizações grandes e coloridas dos dois personagens. O som é o ponto alto do game”.
Não perca mais tempo: tire a poeira do seu Mega Drive, assopre a fita e reviva os bons momentos dos funkeiros do outro mundo!
Atualização: Toe Jam & Earl continua um game bizarro e divertido, mesmo com o passar dos anos e algumas versões menos inspiradas. Informações como o vínculo entre o jogo e o Rogue original, lançado em 1980 pela A.I. Design, são ainda hoje surpreendentes e o texto (que continua presente na rede) não envelheceu, embora conte com uma linguagem pouco técnica, uma piada tola sobre ‘funk carioca’ e links já desatualizados pelo tempo.
Imagem: RetroGamesBrasil