Meses atrás fui surpreendido por amigos a indicar que o velho e consagrado Atari 2600 poderia ser ligado à internet através de um cartucho especial. À princípio pensei que fosse alguma modificação maluca como fazem os fãs em seus projetos de Xbox Portátil, Tablet Playstation 5 ou Mega Drive Portátil que são basicamente idéias DIY e artesanalmente desenvolvidos na base da tentativa e erro… mas não, neste caso é um assunto profissional!
Vamos antes a um pouco de história bem resumida.
O videogame Atari 2600 foi um projecto da empresa Atari, lançado em 1977 após muitos anos de pesquisa e custos acima dos 100 milhões de dólares da época em desenvolvimento. Inicialmente o conceito se baseou em outro tipo de sistema, sem cartuchos e chamado então de “Stella”, mas logo depois foi alterado radicalmente para aceitar ser reprogramado por cartuchos removíveis e renomeado como Atari 2600 Video Computer System – (VCS) devido à influência do Fairchield Channel F – Video Entertainmnt System (VES) que possuía um revolucionário sistema de cartuchos removíveis, uma então obra de arte em engenharia eletrônica idealizado pela lenda Gerald Anderson Lawson (Jerry lawson).
Essa alteração de design permitindo ao console usar cartuchos somada com a visão de negócio em licenciar a conversão de diversos jogos directamente dos arcades levou a Atari ao facturamento superior aos 2 bilhões de dólares em 1980. A título de curiosidade lembro que foram estudados ainda os modelos seguintes, Atari 2700 (com comandos sem fio e nunca lançado oficialmente) e Atari 2800 também conhecido como “Cindy”, voltado apenas ao mercado japonês com novidades como 4 portas para controles, mas que acabou também não lançado oficialmente com exceção da rede de lojas SEARS que o adaptou ao mercado norte-americano e renomeou para “Sears Video Arcade II”.
Protótipo do Atari 2700 com comandos wifi (nunca lançado) Atari 2800 porém lançado com o nome SEARS Video Arcade 2
Algum tempo atrás empresas como a AT Games e outras licenciadas passaram a oferecer versões do Atari com variados nomes até que recentemente, quando completou 50 anos, a Atari ressurgiu das cinzas e relançou seu console original Atari 2600+, com os mesmos controles originais retrocompatíveis e melhorados, incluindo os paddles, jogos e também alguns cartuchos com o mesmo sistema multijogos que usavam chave para seleccionar!
Por falar nos 50 anos da Atari recomendo para quem for fã o jogo Atari 50th Anniversary disponível para Playstation, Xbox e Nintendo Switch, contendo uma timeline com jogos desde o Atari 2600 até o Jaguar, incluindo alguns títulos raros e in-games desbloqueáveis! Um must-have!
Observação: o Atari 2600+ é um console moderno, com hdmi, compatível com televisores novos, mas utiliza em sua base um sistema de emulação baseado num firmware em constante actualização. Este cartucho com wifi, alguns jogos e multicarts/everdrives ainda NÃO SÃO compatíveis com o Atari 2600+ até a data deste artigo.
Eu sou bastante fã dos cartuchos deste tipo Everdrive no qual este se baseia, pela facilidade de podermos aceder a qualquer jogo, hack, homebrew e etc. independente da raridade. Sem isso seria impossível conseguir jogos há muito tempo esgotados e versões raríssimas ou exóticas, além de traduções e versões aprimoradas de jogos clássicos. Quem já experimentou por exemplo no Super Nintendo um Legend of Zelda na versão MSU-1 sabe bem o que estou falando, o mesmo jogo de sempre porém com sons e vídeos em qualidade de CD-ROM!
E EM PORTUGAL?
“Cá em Portugal” como se diz o final da década de 1970 e começo dos anos 80 foram de bons lançamentos com o revés dos altos preços, como curiosamente também acontecia no Brasil derivado da chamada “Lei de Reserva de Mercado” que impedia/dificultava importações com fim de acelerar o mercado nacional. Já em terras portuguesas as pessoas acabaram optando pelos computadores 8-bit de baixo custo como os ingleses ZX Spectrum e Timex, muitos até fabricados e produzidos em Portugal, enquanto no Brasil se massificou o computador de tecnologia similar MSX. Debito o grande sucesso dos computadores 8-Bit em Portugal ao sistema de fitas cassete usados, bastante popular, de fácil recriação (cópia) e custo baixo, facilitando acesso a programas e jogos… naquele tempo não haviam as chamados “lojas chinesas” ainda, eram as “lojas dos indianos” que vendiam software e hardware originais e paralelos, devido ao custo nas lojas oficiais ser bem mais alto e quase proibitivo.
Enquanto o Atari 2600 foi arrebatador no Brasil, em Portugal foi apenas presente mais discretamente, mas ainda hoje encontra uma legião de fãs no mundo todo a preservar sua memória, um exemplo dessas empresas é a Hyperkin com o seu RETRON 77, a AT Games que tem diversos modelos de Atari incluindo um portátil, a própria Atari que voltou com força mas gostaria de elogiar especialmente a luso-brasileira Bitnamic Software/Tecnamic sempre atuante em feiras e eventos nacionais e internacionais trazendo novos games para esta e outras plataformas!
LINK: https://dropsdejogos.uai.com.br/noticias/indie/renato-degiovani-bgs-2023/
Na mesma linha o Atari 2600 surgiu bem no começo da década de 1980 e seguiu em Portugal mais como um “brinquedo” do que um “videogame” em si por muitos anos, tendo como curiosidade o fato de diversos clones feitos na Asia e com nomes curiosos como “TV Game 2600”, “TV GAME COMPATIBLE”, “VIDEO 2600” e afins serem vendidos aqui. Esses clones vinham com dezenas ou centenas de jogos na memória! Eu mesmo tenho um brasileiro Atari 2600 Polyvox original de 1983 na caixa e outro clone europeu vendido em Portugal com 120 jogos na memória: o original foi restaurado pelo mestre Fernando Santos da Nando Games em São Paulo enquanto o clone foi restaurado pela Paula Silva da PSI Tech Portugal.
HARDWARE ORIGINAL LIMITADO
O Atari 2600 original era baseado em hardware muito limitado por questão de cortes de custos de produção, lembre-se que no final da década de 1970 os chips de memória e processadores eram itens muito caros e raros de se fabricar… por isso os jogos normalmente tinham 2kB ou 4kB de tamanho que era o máximo de memória ROM que o sistema suportava. Entretanto a necessidade de jogos ainda maiores levaram a uma técnica de programação com o nome de “bankswitch”, permitindo assim que alcançassem 8kB e até 16 kB!
O primeiro a usar esse sistema foi o nosso clássico jogo Asteroid (que tem 8 kB) porém limites existem para ser vencidos, não é? A conhecida empresa Dynacom desenvolveu um cartucho com incríveis 64kB chamado “Megaboy”, empresa esta que também fabricou vários e diferentes clones de consolas para além da Atari, como Nintendo, SEGA e etc… Esse cartucho era uma espécie de multi games e foi vendido separadamente ou como parte de um bundle com sua versão do Atari 2600, num portátil sem fio com o mesmo nome!
Sabemos ainda que o Atari 2600 só possuía 128bytes de RAM (não kB, bytes mesmo) portanto muitos jogos tinham memória RAM adicional no próprio cartucho expandindo a capacidade da consola para 256bytes.
Existiu também um protótipo do jogo Homestar Runner, um RPG moderno que expandiu ao limite o Atari 2600 ao usar no cartucho todos os 256kB de ROM e 256bytes de RAM possíveis!
Finalmente alguns poucos jogos foram programados para usar um equipamento chamado StarPath Supercharger, na verdade um cartucho com memória flash de 6kB que carregava as informações usando uma fita cassete do mesmo jeito que sistemas de computador conhecidos (ZX Spectrum e MSX por exemplo) acediam.
O RETRO ESTÁ DE VOLTA COM FORÇA!
Existem diversos projetos pelo mundo idealizados por fãs e este não é diferente. Publiquei uma lista de jogos lançamento para Mega Drive em 2024 (AQUI), também sei de muitos outros em andamento como Mortal Kombat II para 3DO (AQUI) e até consoles retro da Hyperkin, Retro Bit e etc. Nessa mesma leva de games e consoles muitos fãs também estão se dedicando aos acessórios especiais, como é o caso deste cartucho com WIFI para o Atari 2600.
E como é este cartucho? A placa de hardware tem como base o projecto “Unocart 2600” do autor Robin Edwards e código de Christian “DirtyHairy” Speckner. Originalmente não possui SD Card e sim uma board ESP8266 para se conectar a uma rede WiFi local e à Internet. Quando sincronizado com o servidor online ou com o telemóvel, o PlusCart baixa os arquivos em formato BIN de um servidor chamado “Plus Store” que exige do usuário um login e autorização gratuitos feitos no próprio website antes de conectar o cartucho à sua rede de jogos.
Além disso o PlusCart oferece um recurso bem interessante que é permitir aos desenvolvedores de jogos acesso à internet direto do jogo, uma função interessante chamada de “PlusROM” que agrega mais recursos aos jogos como score online em tempo real, possibilidade de multiplayer remoto e etc…Maiores informações e detalhes técnicos sobre o cartucho wifi Plus Cart(+) AQUI e AQUI.
Falamos ainda com o pioneiro alemão Wolfang “Al_Nafuur” Stürbig que desenvolveu este projecto.
SQ: Como surgiu a idéia do Plus Cart? Por qual motivo escolheu o Atari 2600? Conte-nos um pouco da sua história.
AN: Na verdade nunca tive um Atari 2600. Certa vez meus pais me compraram um Atari 600XL como prenda de Natal, mas não perceberam que eu também precisava de uma TV e um dispositivo de armazenamento. Então tive que pegar emprestada a TV que minha irmã mais velha ganhou no Natal e depois digitar os jogos das várias revistas de informática. Digitar nas listagens BASIC era uma boa prática e logo comecei a escrever meus próprios programas sozinho ou com meus (poucos) amigos de Atari. A maioria das crianças já tinha o Commodore C64. Acabei por vender todas as minhas coisas de informática e comprei um PC 486 quando já estava estudando engenharia mecânica. Depois entrei no ramo de desenvolvimento de software e projetos com sistemas embarcados na Siemens. Sempre fiz algumas coisas em particular como automação residencial ou informática retrô, mas nunca os lancei comercialmente.
Sobre o Plus Cart tive a ideia (ou a ideia me teve) há cerca de 8 anos, mas não me lembro exatamente como começou. Parti para os primeiros testes com uma placa chamada Arietta, era bonita e barata, com WiFi, então a usei para alguns projetos de automação residencial mas ainda não era a mais adequada para o projeto PlusCart. Deixei o projeto de lado por um tempo e comecei uma nova tentativa com outro modelo de placa, chamada Particle Photon pois essa placa tinha WiFi e um micro controlador como o UnoCart (que eu desconhecia ou ainda não havia sido lançado naquela época). Fiz um protótipo funcional com o Photon mas não fiquei satisfeito, principalmente porque nem todas as portas GPIO estavam disponíveis e por causa do alto preço da época.
Pesquisando quais modelos poderia usar encontrei o projeto UnoCart e a board STM32: em 2 semanas já havia terminado o protótipo! Na verdade não tive colaboradores até revelar o projeto no fórum AtariAge e mesmo lá demorou um pouco até que as pessoas começassem a colaborar. Na verdade eu não esperava que todos “alucinassem” quando apresentei o PlusCart na comunidade, mas confesso que demorou um pouco até que as pessoas percebessem do que se tratava e ainda hoje não tenho certeza se todos entenderam completamente o que é possível com as funções do PlusROM no desenvolvimento de novos jogos para o Atari 2600!
SQ: O que deveria ser o PlusCart(+) quando o projetou?
AN: O PlusCart deveria ser desde o princípio algo possível de fazer em casa e não muito caro. Nunca gostei de me atrapalhar com cartões SD e acho que esse tipo de mídia vai “morrer” assim como os disquetes, até porque existem soluções melhores disponíveis hoje em dia. Meu principal objectivo sempre foi usar a funcionalidade de rede nos jogos (as funções chamadas de PlusROM). Não perdi muito tempo pensando na forma como os jogos chegam ao cartucho ou onde são armazenados, mas à medida que o projecto evoluiu ficou claro que não há necessidade de armazenamento local e que um repositório mantido pela comunidade seria a solução ideal.
SQ: O sistema PlusCart(+) parece ser de código aberto e freeware desde o hardware até o software, incluindo a loja online. Isso foi algo seu foi a seguir os passos do UnoCart? Já considerou a possibilidade de lançamentos exclusivos/pagos na PlusStore?
AN: O PlusCart sempre foi planejado como um projeto open source. O PlusStore ainda não é de código aberto, percorreu um longo caminho desde o ftp até um script PHP, agora estando na plataforma de compartilhamento de arquivos nextcloud. E ainda não tenho certeza se o nextcloud será a solução “final”. Agora o repositório PlusStore é muito bem mantido pelo administrador, mas realmente nunca planejei hospedar um repositório público para a comunidade! Já a plataforma nextcloud é um local onde os desenvolvedores podem compartilhar suas ROMs com beta-testers ou clientes finais. Pessoalmente gosto de software quando é gratuito mas entendo que alguns desenvolvedores gostariam de receber alguma recompensa pelo seu esforço, então talvez apenas espere e vejamos o que surge de propostas para a loja online da comunidade AtariAge e talvez possamos cooperar em algum sentido.
ALEMANHA + BRASIL?
Em 2022 o brasileiro Andrius Capellão testou os projectos do PlusCart(+) e assim decidiu aproveitar toda sua experiência anterior em projectos como a placa de saída RCA (Audio e Video) para o Atari 2600 e lançar sua própria versão desse cartucho, chamada de Plus Cart Duo, aprimorando o conceito original e incluindo um slot para memória SD o que permitiu unir o melhor dos dois mundos: o sistema online do módulo wifi com a capacidade de armazenar toda a biblioteca do Atari + hacks + o que quiser num único cartão de memória, directamente no cartucho.
AFINAL, COMO FUNCIONA?
Comprei uma unidade para testar e pedi ao Wolfgang que autografasse, para minha colecção de autógrafos. Quando ativado o Atari 2600 ele apresenta opções para usar offline (com suas roms) ou online, utilizando sua rede wifi doméstica. Sincronizado com o wifi imediatamente apareceu um update de firmware e opções de se conectar à Plus Store.
Para se autenticar na plataforma online se exige aceder ao site, fazer um pequeno cadastro e login, autorizar o cartucho assinalado com o mesmo user name no seu perfil e voilá, imediatamente estamos sincronizados. Com isso abre-se acesso à uma zona personalizada MY ROMS onde podes arquivar teus jogos predilectos, incluir e apagar hacks e homebrews, fazer download de qualquer um dos jogos disponíveis diretamente para a memória do cartucho (e poder jogar offline) e também acesso à rede de mensagens, scores mais altos, multiplayer e tantos outros recursos que existem ou que ainda serão implementados.
É possível também instalar um app no telemóvel para aceder e partilhar os jogos.
Estando operante o cartucho e conectado, é possível aceder ao conteúdo disponível na plataforma, mantido pela própria comunidade e fazer download para armazenar no cartucho, que oferece infelizmente menos de 1Mb de memória para esses jogos offline. Parece pouco mas se pensar que a biblioteca completa do Atari tem 3Mb, dá para se divertir muito com esse pequeno espaço… mas, poderia ser maior! 🙂
CONCLUSÃO:
Depois de 40 anos me impressiona muito um videogame antigo como o Atari 2600 de 1983 poder acessar a internet via wifi… mesmo a interface sendo um tanto limitada por conta dos poucos recursos do hardware do Atari, ainda assim é impressionante poder fazê-lo e mais ainda ter os recursos online que o sistema Plus Store agregou.
Para comprar o cartucho existe a loja online na Europa AQUI e no Brasil AQUI.
Também é possível aceder ao servidor DISCORD Oficial.
E você, qual sua opinião sobre essa volta do retro? Qual videogame antigo merece ser conectado à internet? Conte mais em nossas mídias sociais. E GG a todos!
Pontos positivos
Pontos negativos
Recomendado com louvor
Matéria originalmente postada na Sidequest Portugal.
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Na verdade aqui no Brasil o que popularizou foi o tk80/85/90, bem antes do MSX.
Tem toda razão Junior, o clone do ZX Spectrum feito pela Microdigital.