Já passou da hora de arrancarmos Star Wars das garras dos fãs - Drops de Jogos

Já passou da hora de arrancarmos Star Wars das garras dos fãs

Andor prova que o maior erro da franquia é botar as rédeas nas mãos de quem diz amar ela demais

(Imagem: reprodução/YouTube)

Quando falamos de Star Wars, uma opinião comum no fandom em geral é: precisamos deixar a franquia nas mãos dos fãs, porque são eles que sabem o que fazer com ela. O problema é que Andor está deixando claro o como esses fãs estão errados.

A primeira temporada da série não apenas é o melhor conteúdo de Star Wars lançado diretamente na Disney+, como provavelmente é a melhor obra da franquia desde a trilogia original.

E o grande motivo por trás dessa qualidade toda é Tony Gilroy, um cara que abertamente fala que “não é fã” de Star Wars. 

Entendendo Tony Gilroy

E aí acho que vale colocar em contexto a fala de Gilroy. Quando ele fala que “não é fã”, muitas pessoas entendem que ele não conhece ou não gosta de Star Wars – e definitivamente não é nenhum dos casos.

Mas, como ele mesmo explica, ele não é aquele fã de Star Wars que fica “OH MEU DEUS ELES COLOCARAM GLUP SHITTO NO FILME!!!!!!!” Gilroy sabe sobre o que são os filmes, sabe de forma geral quem são Jedi, o que é o Império e os Rebeldes, etc. Mas ele nunca ficou se debruçando sobre cada mínimo detalhe deste universo e decorando toda a história de personagens que possuem dois segundos de tela nos filmes e uma saga de aventuras em livros que não são nem canônicos.

E sinceramente? A gente precisa de mais gente assim trabalhando na franquia.

O diferencial de Andor

Desde a primeira temporada, Andor se diferencia das outras obras recentes de Star Wars por um motivo bem claro: é a única que parece não ignorar a palavra “guerra” no nome.

Ao invés de se debruçar sobre as histórias pessoais de uma família de pessoas com superpoderes, Andor utiliza um personagem principal (Cassian Andor) como um vínculo para mostrar tudo que está envolvido na luta contra um império fascista.

O que torna a série tão incrível não são as cenas de ação espacial (quase inexistentes) ou os duelos com sabre de luz (que não existem na série), mas a forma como ela mostra como é viver sob um regime de opressão e como a luta contra este regime está presente em todas as camadas sociais.

Andor é muito boa em mostra como, de forma geral, viver sob o comando do Império não é muito diferente da vida sob a República: os mecânicos continuam trabalhando em veículos, as linhas de produção das fábricas continuam operando, as pessoas continuam se reunindo para tomar uma cerveja no bar ao fim do expediente.

Mas, ao mesmo tempo, quando olhamos para aquilo de forma mais próxima é possível ver que há algo errado: um suor de preocupação que escorre da testa do mecânico a cada parafuso apertado, o olhar desconfiado de cada pessoa trabalhando na fábrica, o riso contido e apreensivo a cada gole de cerveja ao fim do dia.

A vida é a mesma, mas há um medo escondido atrás de cada olhar, o terror que permeia a vida de pessoas que sabem que, mesmo não fazendo nada, podem a qualquer momento virar estatística caso cruzem com a pessoa errado no momento errado. No dia seguinte, o jornal irá estampar a morte ou “sumiço” delas como o ato de um “dissidente”, uma resistência fútil de alguém que não aceita a “ordem das coisas” que a vida em sociedade exige.

Andor é certeira ao mostrar que a resistência não é um herói com superpoderes e uma espada laser que surge em um planeta isolado para salvar toda a humanidade. Mas que é a opressão diária e a perspectiva de se perder tudo o que tem por nada, que dá às pessoas de todas as classes a coragem necessária para resistir e lutar contra um Império facista.

Este talvez seja o ponto mais importante que George Lucas queria mostrar ao criar Star Wars como um paralelo de fantasia da Guerra do Vietnã. E é um aspecto que muitos fãs da saga tem escolhido ignorar há décadas.

Chega de agradar aos fãs

A segunda temporada de Andor, que estreou esta semana, mantém a mesma qualidade nos três episódios que foram disponibilizados no Disney+. E continua batendo na mesma tecla: a resistência não é uma pessoa, mas uma reação natural da sociedade a uma força opressora que tenta controlar a vida de todos através do medo.

E isto é algo que muita gente que se diz fã não consegue entender. Como a pessoa do print abaixo, que achou um absurdo uma cena do terceiro episódio da segunda temporada de Andor, na qual um oficial do exército tenta estuprar uma moça que ele sabe que está no planeta de forma ilegal. O cara não apenas defende que esse tipo de atitude “não tem nada a ver com Star Wars”, como seria algo condenado pelo Império e por Darth Vader.

Este tipo de compreensão mostra que, hoje, há uma parte dos fãs de Star Wars que tiveram os cérebros comidos pelo Sarlacc. Porque claro que um Império que destrói um planeta inteiro apenas para testar uma arma e um personagem que matou dezenas de crianças que treinavam junto com ele no momento que se deixou seduzir para o Lado Negro iriam condenar uma tentativa de estupro de pessoa vulnerável. Aham, pode ter certeza que sim campeão.

E a própria cena é apenas um retorno à alegoria original de Star Wars – ou seja, a Guerra do Vietnã. É conhecimento comum que os soldados americanos viviam invadindo vilas rurais para saquear suprimentos, queimar estoques de comida e estuprar as mulheres da aldeia. E, considerando que o próprio George Lucas já falou que o Império foi inspirado nas tropas americanas, o absurdo não é que exista uma cena em um produto de Guerra nas Estrelas que mostre um oficial do Império tentado assediar sexualmente uma camponesa, mas que tenha demorado quase 50 anos para isso ser mostrado pela primeira vez.

E é justamente por essa visão romantizada de muitos fãs, que enxergam Star Wars como uma história inocente de luta entre o bem e o mal voltada para o público infanto juvenil, que eu acho que a Disney e a Lucasfilms precisam parar de se esforçar em tentar agradar os fãs.

Acho que até mais: é preciso mandar os fãs pastar. Calar a boca e deixar as pessoas que são profissionais trabalharem. Porque o que torna Andor um produto audiovisual tão bom é justamente isso: ele é criado e coordenado por alguém que está mais preocupado em contar uma boa história do que em agradar um bando de gente que passa o dia inteiro xingando no Twitter e publica vídeos de 45 minutos apontando “lacração” num trailer de dois minutos e pouco.

A gente já deu muito poder para essas pessoas, e o resultado que tivemos disso foi A Ascensão Skywalker – uma obra que não apenas é o pior filme de Star Wars, como talvez seja um dos piores filmes deste século. Chega.

A gente já deu atenção demais pra essa gente que acha que guerra são dois primos brincando de espadinha no quintal de casa. A gente precisa é de mais gente como Tony Gilroy, que sabe que “guerra” é um evento sujo, feio e sem regras onde quer que aconteça. Seja aqui na Terra, seja em uma galáxia muito distante.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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