Tivemos acesso ao jogo gaúcho Toren, da desenvolvedora Swordtales com a publisher Versus Evil, antes de sua data de lançamento oficial nesta terça-feira (12). Jogamos o game do começo ao fim, acompanhando a saga da heroína Moonchild crescendo dentro da torre junto da Árvore da Vida e enfrentando o Dragão Negro e todas as suas sensações internas. O título é uma verdadeira história sobre ciclos de vida, feminilidade, renascimento e morte. Contamos com detalhes para que você entenda como este game pode ser o jogo do ano e o primeiro a colocar o Brasil de maneira mais séria no circuito internacional de jogos eletrônicos.
Toren começa de uma forma diferente do que foi mostrado pela Swordtales nas primeiras demos e trailers. Não, você não controla Moonchild em seu nascimento. A heroína guerreira já aparece adulta, em uma noite tempestuosa, disposta a enfrentar o Dragão que a mantém presa dentro da torre. O jogador tenta inutilmente conduzir a mulher até seu inimigo, para que ela seja derrotada e petrificada. Os gráficos não são o mais avançados do mercado, mas mostram uma qualidade de PlayStation 3, pelo menos.
O Dragão do game é uma espécie de Medusa, um monstro da mitologia grega na forma de uma mulher que transformava em pedra o que ele olhava diretamente. Ligado ao Sol e ao topo de torre, o réptil voador lança rajadas negras que transformam a heroína em pedra, matando-a. É isso que acontece no começo do game.
Com uma poesia em um pergaminho descrevendo sua jornada, Moonchild ressuscita como um feto no chão da torre, cercada por sangue e vai florescendo como a Árvore da Vida que o feiticeiro da morte manda que ela plante. A trilha sonora com a música-tema da menina é embalada por violinos e uma melodia minimalista muito envolvente. Toda essa atmosfera lembra muito Shadow of Colossus e ICO, games dirigidos pelo japonês Fumito Ueda e que lidam com temáticas mais abstratas.
No entanto, o desenrolar de Toren lembra muito mais The Legend of Zelda: Ocarina of Time, um clássico do Nintendo 64 nos anos 90. Portanto, não espere enfrentar inimigos gigantes, mas sim alguns inimigos metafóricos e similares a qualquer jogo de aventura com elementos de RPG. A principal arma de Moonchild é sua espada e há poucos comandos possíveis.
Você pode atacar seus inimigos com a espada, que só é adquirida pela personagem mais adolescente, pular ou observar o ambiente para solucionar puzzles. Com apenas três comandos, Moonchild sobe escadas, entra em destroços e vasculha elementos na sala. Você tem um botão para interação e ataque com a espada – geralmente representado pela letra “z” do teclado de um PC convencional Windows -, outro para visualização do cenário – a letra “x” das teclas – e, por fim, um para saltos – a barra de espaço. As interações possíveis com o cenário são indicadas por um ponto de exclamação sobre a cabeça da personagem.
A Swordtales recomenda desde o início do game que se jogue com um controle do mesmo tipo dos consoles. Gamers que comprarem Toren no PlayStation 4 não terão este problema. Eu, no entanto, tive um pouco de dificuldade para locomover Moonchild derrubando areia no chão sem fazer um trajeto todo torto com a personagem usando as setas do meu computador.
Mesmo com essa dificuldade que resulta em alguns movimentos imprecisos, que dificultam nas batalhas contra o Dragão, não se perde o brilho próprio da simplicidade do jogo. Não é necessário fazer nada muito difícil para solucionar quebra-cabeças. E contra o monstro alado escuro, você deve saber se esconder e evitar seus golpes que petrificam seu corpo, porque isso é morte certa para Moonchild.
As semelhanças com Zelda aumentam nos estágios de sonhos dentro de Toren. Ou seja, sua missão não é apenas guiar a garota até o topo da torre. De acordo com o pergaminho que Moonchild recebe de suas antecessoras, que guarda uma poesia sobre seu ciclo de vida, ela deve mergulhar na sua mente para evoluir como pessoa.
O topo da torre reserva o confronto contra o Dragão, que derrotou o mago que é pai de Moonchild, e o encontro com o sol. A jovem, como seu nome denuncia, é a representante da Lua. A Lua está aprisionada dentro de Toren. Outro personagem chamado Solidor foi derrotado na torre, o que fortaleceu o Dragão negro. Então a luz solar do lado de fora está inclemente com Moonchild, enquanto a escuridão de Toren, a torre, oculta a sua evolução. E várias Moonchild como ela foram petrificadas pelo Dragão. O jogo dá a entender que há outra garota na torre, quando você a controla e ela é morta como a personagem do começo do jogo.
Moonchild então penetra em seus sonhos com ajuda dos feiticeiros e os representantes da morte. Desejo, Beleza, Justiça, Misericórdia e o Abismo são os sentimentos tratados no mundo imaginário de nossa heroína. No primeiro sonho, você deve lidar com o oposto do desejar, que é o desapego completo. Diante da beleza, Moonchild encara a face horrenda do Dragão. Já na parte da Justiça, nossa protagonista sacrifica um alce e convive com o sangue. Na Misericórdia, a heroína chega ao cruel reino dos céus. Por fim, no Abismo, você deve lutar para não cair no vazio do horror.
Estes pontos são os mais poéticos de toda a saga. Citações chegaram a fazer os olhos do resenhista suar de emoção – sim, eu chorei mesmo. Os desenvolvedores da Swordtales cuidaram para que a trilha sonora envolvesse as pessoas dentro da alucinação. E, dentro dos sonhos, você explora pontos sobre sua vida. É um ciclo sem fim de Moonchild, que está condenada a morrer a qualquer momento, mas que pode ser reformado através da reflexão.
Há momentos de uma trilha tão minimalista nos sonhos que se assemelha a uma sessão de yoga.
Cada um desses aspectos na verdade são inspiradas nas Sephiroths da Kabbalah judaica, a Árvore da Vida dos mitos religiosos. Cada andar de Toren e seu sonho o Caminho da Serpente desta mesma lenda, que são Yesod, Hod, Netzach, Tiferet, Geburah, Chesed. O inimigo na realidade é o Dragão Saturniano, representação dos quatro elementos da Alquimia medieval. Já Moonchild é uma excelente correspondente de Lilith, a primeira mulher independente de Adão na Bíblia Sagrada e acusada de ser mergulhada no pecado. Muitas vezes ela é associada com um ser vampírico, o que se espelha em alguns aspectos mais sombrios de nossa heroína espadachim e lunar.
Os sonhos e a árvore, no final das contas, acabam dando todo o aspecto mitológico e cultural que os desenvolvedores brasileiros puderam inserir em Toren. Tais faces do game já são suficientes para torná-lo histórico.
Algumas transições de cena possuem um corte seco na trilha sonora, que muda abruptamente de algo grandioso e épico para um instrumental mais baixo e discreto. Jogando o game até terminar, algumas vezes em que eu minimizei o programa, a música acabou desativada junto.
Na primeira batalha contra o Dragão Negro com estátuas para se proteger do seu olhar petrificante, o jogo deu um bug bizarro em que a calça curta de Moonchild desapareceu. Não cheguei a reiniciar o programa em meus testes, porque estava terminando o game. Mas acredito que tenha sido um erro de carregamento.
No entanto, essas falhas somem com muitos puzzles inteligentes dentro do game, como o sonho da Misericórdia em que a trilha é invisível e você só consegue trilhar se olhar os céus. É um design de game simples que reflete toda a poesia daquela etapa.
Toren foi um dos primeiros jogos nacionais a conseguir aprovação na Lei Rouanet de incentivo cultural através de redução tributária de empresas que investem em cultura. Graças a ajuda desta lei governamental, o game levantou pelo menos cerca de R$ 100 mil de investimento e conseguiu se desenvolver como um produto fechado em quatro anos, entre 2011 e 2015.
É possível terminar o jogo em cinco horas, segundo os desenvolvedores. Não faça isso, porque perde a graça e deixa de ter uma apreciação mais profunda das cenas do game. Eu terminei em oito, nove horas e senti uma experiência muito mais completa.
Eu jogo videogame desde meus dois anos, escrevo desde meus oito e me aventuro em poesia desde os 15. Ver um título como este no universo dos videogames me traz um profundo sentimento de imersão e de orgulho. Toren prova que é possível criar um game repleto de influências artísticas e filosóficas para contar uma boa história para os jogadores.
A saga de Moonchild é o enredo sobre o ciclo que se repete, da vida e da morte, acompanhado por seu desejo pela liberdade fora da torre. Os desenvolvedores da Swordtales, embora sejam todos homens, também captaram a feminilidade ao criar provavelmente uma das primeiras protagonistas mulheres marcante da cena brasileira de games. Embora ela seja supostamente muito frágil diante do Dragão Negro, sua sobrevivência dentro de Toren mostra que ela é poderosa e vai evoluindo com a passagem do tempo e das estações do ano. A força do jogo está no transitório e no evolutivo.
Não tem como não se sensibilizar com o encontro entre a Lua e o Sol no topo da torre, o Yin-Yang e a junção entre homem e mulher. O game ganha um alto grau de humanidade ao narrar estes fatos. E é muito bonito ver toda esta história sob o ponto de vista feminino que não é apelativo sexualmente e que foge dos estereótipos.
O jogo tem uma “zueira” com quem foi na SBGames 2014 em Porto Alegre, no Brasil. Você vê alguma referência a um certo mascote nestes créditos de agradecimento, no fim do game?
Como arte estética, Toren lança várias tendências de aparência através de seus personagens. Como roteiro, a história e a poesia me trouxeram lágrimas aos olhos. Como obra completa, Toren cumpre plenamente seu propósito após tanta expectativa no Brasil.
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