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GameCultura: Game é Arte – Volume II: em busca da definição de Arte

Em nosso primeiro texto, que busca traçar um panorama sobre a relação entre Games e Arte e verificar se a Game-Art é um conceito artístico que faz sentido na cultura contemporânea, iniciamos uma abordagem sobre a Arte como princípio sociocultural, isso é, como um fenômeno capaz de estabelecer vínculos com a humanidade e também com o conceito de videogame.

Para tanto, tratamos da Arte a partir dos ideais propostos por Platão e Aristóteles, dois dos responsáveis pelas bases da cultura ocidental.

Nesse novo texto, ainda no campo de definições da Arte, para (em breve, espero) chegarmos a um modelo que consolide (ou negue) a Game-Art, vamos buscar um olhar mais atual sobre a essência da Arte.

O Dicionário Sesc – A Linguagem da Cultura, editado por Newton Cunha e lançado em 2003, reserva mais de cinco páginas para explicar ao leitor o significado da Arte (e muito mais que o dobro, elucidando temas como a Arte Cinética, Abstrata, Bizantina e Digital, entre outras).

É um vasto arsenal de informação para buscarmos elementos para os fundamentos da Arte, cuja nomenclatura surge etimologicamente a partir do grego “Tékne (habilidade no ofício manual e para as coisas do espírito), pelo latim Ars, Artis, tradução que acrescenta ainda outra palavra grega, Areté, ‘aptidão para virtude'”, como explica o autor da obra. [1]

Cunha também elabora elementos mais específicos, a exemplo da materialidade e objetivo das artes, como segue: “a classificação erudita também considerou a função da obra (entendida como o resultado do processo), relativamente à sua permanência e interatividade com o destinatário. Assim, a obra ‘posta em coisa feita’ (artes in effectus positae) está integralmente à disposição sensorial do espectador: uma pintura, um texto poético, um sapato ou um móvel”. Considerando as palavras acima, porque não um game, pergunto eu, visto que é, também, resultado de um processo, à disposição da experiência sensorial do jogador?

Mais à frente, tomando as impressões de Heidegger acerca da Arte como objeto de estudo, o autor informa: “Antes de tudo, a obra de arte é uma coisa, isto é, uma matéria que recebeu uma forma determinada e voluntária. Mais do que isso, no entanto, ela encerra uma verdade implícita que ultrapassa a maneira de uso, tal como o exercido pelos utensílios práticos”.

Se somos capazes de interpretar, como Heidegger, que a arte se manifesta para além da materialidade e funcionalidade básica, seriam diferentes os games, cuja função primal de entreter e desafiar parece oferecer – ao menos a uma parcela de jogadores – um nível mais amplo de entendimento do mundo e reflexões sobre a vida? Não é assim ao vivenciarmos uma narrativa como a de The Last of Us ou Braid? Reflita, leitor.

Aproveito a questão para trazer as ponderações da doutora Renata Gomes ao avaliar a imersão e interação dos jogadores nos mundos sistêmicos produzidos para games desse milênio que, segundo a pesquisadora, lhes atribuem “valor de personagem fisicamente implicado no mundo diegético do jogo”. “Nessa busca, o conceito de narrativa parece estar se distanciando da construção prévia e otimizada de uma cadeia de causa-e-efeito a ser percorrida cognitiva ou ‘fisicamente’ pelo espectador/interator. Agora, a narrativa começa a ganhar contornos de um processo de modelização de universos conceituais, de maneira sistêmica, a serem habitados pelo interator da maneira que só ele pode estabelecer a cada experiência.” [2]

Aqui também observamos a similaridade entre a experiência do interator nos games e, como afirmou Heidegger, a “função da obra relativamente à sua permanência e interatividade com o destinatário”. Citando Newton, novamente, em sua leitura das considerações de Heidegger sobra a Arte, “a evocação de sentidos, a sugestão de estados emocionais, a presença oculta ou evidente de relações sociais e a oscilação dos sentidos simbólicos criam um mundo paralelo e de maior autonomia subjetiva”.

Por fim, para aqueles que buscam ver conceitos transformadores apenas nos games mais recentes, com roteiros densos e mais elaborados, faço uso das palavras de Jeff Ryan, que descreveu em sua obra Super Mario: How Nintendo Conquered America, de 2011, uma interessante forma de observar a dinâmica progressiva de jogo no arcade Donkey Kong, de 1981:

“Se Jumpman morresse, retornava na parte inferior da tela, pronto para assumir o desafio do nível novamente. Cada jogo criava três Jumpmen (três vidas se tornaram padrão em jogos), com mais vidas para altas pontuações. Havia algo de Espiritual sobre o conceito de um homem que retorna da morte várias vezes para completar uma tarefa deixada por fazer. Encarar o monstro era um ritual de purificação para Jumpman, sendo a impureza da forma (quando derrotado) punida com a morte. Este jogo de Miyamoto, e todos os demais jogos posteriores, poderiam ser vistos como uma cerimônia digital de purificação Shintô”. [3]

Como disse Aristóteles, a arte imita a vida. E, aparentemente, os Games também emulam as experiências humanas.

Semana que vem, tem novo texto.

[1] https://portal.sescsp.org.br/loja/618_DICIONARIO+SESC#/content=detalhes-do-produto
[2] https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/5142
[3] https://www.penguinrandomhouse.com/books/308462/super-mario-by-jeff-ryan/

Kao Tokio

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