A Narratologia – isto é, a ciência que estuda as narrativas , tanto ficcionais quanto não ficcionais – surgiu e consolidou-se a partir dos estudos de duas escolas teóricas distintas, que não são as únicas bases de tal campo de estudo: A Escola de Semiologia Francesa, contando com nomes expoentes como o de Roland Barthes, e a chamada Escola Formalista Russa, de A.J. Greimas, Vladimir Propp e outros. Obviamente, também não podemos falar de Narratologia sem citar um dos grandes mestres, e que nos deixou, infelizmente, há bem pouco tempo, como foi o caso de Umberto Eco. Quem realmente propôs o nome foi, na verdade, o teórico russo Tzvetan Todorov, para que os estudos sobre as narrativas se diferenciassem dos estudos acerca da teoria e crítica de literatura. A Narratologia se ocupa também de narrativas não ficcionais, como as históricas, as reportagens, os documentários, etc.
E por que começamos aqui? Por que a Narratologia é um campo de estudos particularmente útil para o roteiro audiovisual de maneira geral e, para Game Designers e Game Developers, um estudo de suma importância para quem está produzindo jogos.
Para tanto, é necessário encarar a Narratologia, mais do que como uma ciência de análise, como uma ciência de criação e construção do objeto simbólico. O GameDev pode se valer da Narratologia para fazer mais do que Críticas de Jogos ou Análises. Ele pode utilizar os paradigmas e estruturas universais percebidos e analisados pela Narratologia Clássica e Contemporânea para construir suas próprias narrativas. É mais uma ferramenta disponível para seu Design.
Por isso, a proposta, neste início, é abrir com alguns autores e estruturas da Narratologia Clássica – e para isso, começamos com Vladimir Propp, que definiu em sua obra "A Morfologia dos Contos de Fadas" muitos dos elementos básicos das narrativas de forma geral. Ele fez isso a partir dos estudos que realizou acerca dos contos de fadas russos.
Propp identificou, basicamente, sete tipos ou classes de personagens (os agentes da narrativa) e 31 funções narrativas aplicáveis às situações dramáticas. Embora, obviamente, essas categorizações não devam ser tomadas como verdades universais, elas podem auxiliar em muito a construção e o design do jogo para o GameDev. Por exemplo, Propp demonstra que, de maneira geral, as histórias populares têm, em geral uma estrutura bastante simples – ou seja, apresenta-se um herói / protagonista, que sofre uma perda ou tem uma carência ou falta em sua natureza mais essencial – e é o ato de recuperação, restituição ou superação que norteia, encorpa e dá vida á narrativa. É a ação norteada a alcançar um determinado objetivo que faz a história, e também delimita os papéis clássicos que as personas representarão na narrativa: sempre haverá o agressor (aquele que faz o mal), o doador (aquele que cede ao herói ou protagonista um objeto de poder), o ajudante (que dá suporte ao herói, nem que seja um suporte cômico), o par romântico e a figura parental (que estabelecem um objetivo a ser conquistado, um "reino para salvar", um "dragão para matar"), o mentor (aquele que dá as ordens e direciona o herói), e por fim, o próprio herói e o falso herói que a ele se contrapõe.
Quer ver como isso se articula numa narrativa de jogo bem simples? Peguemos o caso do jogo Super Mario Bros da Nintendo: O papel do Herói é aquele que nomeia o jogo, Mario. Também não é difícil nomear seu ajudante – Luigi – e o Agressor – o Rei Bowser Koppa. Há vários personagens (em micronarrativas cíclicas) que se apresentam como doadores, ajudando Mario e Luigi em sua Jornada, e o mais interessante é que, em muitos momentos, eles também podem ser ou ter sido Falsos Heróis e quase antagonistas – como Wario e Waluigi, ou como Birdo, ou como alguns dos Koppas. A Princesa Peach é um personagem que incorpora tanto a figura do par romântico, quanto a figura parental do governante. O mais difícil de definir, nas narrativas deste jogo específico é, por exemplo, quem é o Mentor.
Se considerarmos apenas a história ali contada, podemos ter que a figura do mentor aparece personaficada por personagens como Toad e Yoshi, porque eles instruem o jogador e dão dicas diversas no decorrer do jogo. Enquanto Toad é uma criaturinha peculiar que serve de conselheiro aos irmãos Mario dizendo o que precisam fazer, ou apenas avisando que a Princesa está em outro castelo, Yoshi quando era jovem ajudou Mario em sua infância levando-o para os pais. Ele também desempenhou o papel de ajudante.
Mas quando tratamos de narrativas interativas, especialmente as de caráter lúdico, como as que se desenvolvem nos jogos digitais, nada é tão simples. Uma vez que o jogador – ou os jogadores fazem parte da narrativa – e interagem com ela, e a modificam, e a constróem, destróem e reconstróem, dentro e fora do cenário que imaginamos a este jogador.
Ainda tomando Super Mario como modelo, é preciso pensar: Qual dos papéis narratológicos estabelecidos por Propp, por exemplo, compete ao jogador? O de herói? Ou seria ele um falso herói? O de ajudante ou o de mentor? Cabe ao jogador perverter os demais papéis narrativos? Ele é capaz e tem poder investido para saltar entre um papel e outro? Ele pode transplantar a narrativa para além da arena na qual ela foi criada e perverter cenários e articulações não previamente concebidos pelos criadores do jogo?
Essas são as motivações que levaram á criação desta coluna, Narratologismos e este é um espaço de discussão, para construção (e desconstrução) do Saber. Sejam todos bem-vindos.
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