Cyberpunk 2077 foi lançado no dia 10 de dezembro de 2020.
Ventilado pela polonesa CD Projekt Red desde 2012, o projeto foi estimado em US$ 327 milhões baseado no RPG de mesa do americano Mike Pondsmith, chamado Cyberpunk 2020. Talvez por isso o jogo tivesse que sair no ano passado. O autor, em mensagens no Twitter, demonstrou se sentir lisonjeado com a homenagem e não fez nenhuma crítica ao game. Traduzido para 18 idiomas, o game ainda trouxe 10 localizações bem customizadas com dublagem local.
No elenco principal do jogo está o ator Keanu Reeves, da trilogia Matrix, que elevou a hype até o ponto máximo.
No Brasil, os diálogos foram incorporados com regionalismos e ainda contou com participações de influenciadores digitais tupiniquins. O personagem Ozob, do site Jovem Nerd e do podcast NerdCast, é um personagem que recruta o herói V para algumas missões. Já a jornalista Carolina Costa, ex-IGN Brasil e atualmente no portal Omelete, aparece em cartazes da empresa Arasaka, que reprime o protagonista.
É um projeto que tinha tudo para dar certo.
Mas não deu. Por quê?
O que foi prometido e o que foi entregue
A premissa de Cyberpunk é um jogo de tiro em primeira pessoa, mundo aberto, num mundo decadente sci-fi, 50 anos depois do jogo de mesa original. Essa perspectiva foi entregue, mas não da maneira que se espera de um jogo desse tamanho.
O Drops de Jogos recebeu a cópia de PlayStation 4 para testes uma semana antes do lançamento. A assessoria de imprensa nos ofereceu a de computador, que teve um desempenho melhor e notas melhores na internet. Não topamos. Resultado: A versão para consoles PS4 e Xbox One chegou repleta de bugs, falhas de renderização nos gráficos e até quebras que impediam a conclusão de missões.
Isso vindo do mesmo estúdio de Witcher 3, por mais que Witcher tenha apresentado erros inicialmente, se tornou inaceitável para um projeto dessa magnitude.
Só que as falhas não se resumem em aspectos gráficos.
O RPG de mesa Cyberpunk 2020 está na história, fiel aos elementos de Cyberpunk que surgiram no livro “Neuromancer” (1984), de William Gibson, e sua “Trilogia do Sprawn”. Mas há, graças ao Keanu Reeves, memes com Matrix. O design dos carros também remete ao filme “Blade Runner” (1982), de Ridley Scott. E tudo é reproduzido com tamanha fidelidade que não consegue esconder as falhas de jogabilidade do game.
Gameplay é onde ele mais peca. Se o jogo fosse lançado sem nenhum bug gráfico e com uma história mais criativa, que explorasse a periferia em países subdesenvolvidos e não necessariamente na Califórnia dos Estados Unidos, ele ainda seria um jogo truncado na jogabilidade. Ele não é simples como shooter, ele é repetitivo como RPG e ele tem um menu que dá preguiça de navegar até entender todos os detalhes.
E quando os detalhes são compreendidos, ou você fica preocupado com a aparência do herói V, ou você fica apenas preocupado em subir números de proteção das roupas, da letalidade das armas e as habilidades.
Não há um desenvolvimento de inteligência em V para evitar conflitos em diálogos. Frequentemente todas as missões acabam em tiroteios sem sentido – como vimos em franquias como GTA.
Nem Red Dead Redemption chegou nesse nível.
Falamos um pouco sobre isso na resenha em vídeo que fizemos com o GamerAntifa no YouTube. Cuidado com os spoilers no vídeo. Ele tem uma visão de Cyberpunk bem mais pessimista do que a minha.
O que há de errado na gameplay?
Ao assumir a personagem V logo no começo, você pode ser Marginal, Corpe (Corporativo) ou Nômade. O que muda em cada um dos caminhos? Algumas opções de diálogos e as primeiras missões.
O caminho do Marginal é o mais próximo do V padrão. Você é um mercenário ferrado em Night City. Fazendo assaltos e roubos, você acaba se envolvendo em um plano fracassado contra a grande corporação Arasaka ao lado do seu amigo latino Jackie Whelles. Nos outros dois caminhos, a diferença é que o Corpe é um personagem V que vem diretamente dessas grandes corporações, enquanto o Nômade é um peregrino que vem de fora de Night City.
Depois disso, a ação e as missões se tornam repetitivas dentro do universo Cyberpunk. Nas missões digitais, você interage com gangues e com chefões dos setores sujos e criminosos da cidade para levar informações do ponto A até o ponto B. Ou você tem que ir até o ponto B para matar um alvo. Ou vai para outro ponto para evitar um assalto. Se você tirar a camada visual de Cyberpunk 2077, ele lembra, de forma bastante incômoda, o badalado GTA V. Basta cumprir missões, principais ou secundárias, para conseguir armas melhores e você vai progredindo até o ponto sem retorno do game – onde se abrem múltiplos finais.
Essa jogatina é tão pouco desenvolvida com o enredo que há situações simplesmente contraditórias – que mostram o potencial transgressor desperdiçado nesse game. Você, sendo um Marginal, pode fazer missões de “cooperação” com a polícia, matando outros marginais.
Uma visão muito conservadora do que seria um futuro Cyberpunk 2077. Esse jogo acaba falando muito mais sobre o atual estado da grande indústria de games.
Ela está pouco criativa, muito presa ainda em fórmulas prontas, mesmo com o advento de estúdios indies com ideias originais.
Os combates com armas brancas, como espadas e mesmo as lâminas de louva-a-deus famosa nos trailers, ainda revela um design conservador em seu desempenho. Dando tiros com uma pistola, por exemplo, eu não enxerguei diferenças entre dar tiros na cabeça do adversário ou no tórax, exceto na variação de dano que aparece na tela. Ao usar uma escopeta ou a escopeta com munição elétrica, eu senti realmente os inimigos não conseguindo reagir com o impacto. As espadas batem com força, mas só cortam de verdade no final da vida do adversário. Fora tudo isso, a inteligência artificial dos inimigos é muito pouco efetiva.
Eles não se organizam, eles entram em alerta todos ao mesmo tempo e morrem todos juntos (se você tem uma boa arma).
Outra parte da gameplay que também não anda bem é o stealth (ficar invisível para inimigos), hackear computadores e câmeras de segurança, além das missões chatas de rever memórias. Essas partes dão sono, literalmente. No final, tudo pode ser resolvido na bala.
Mesmo com erros, o lançamento ainda aponta um sucesso
Cyberpunk vendeu oito milhões de cópias na pré-venda para PC, sendo o maior fenômeno de lançamento no Steam. Subiu rapidamente nas transmissões no Twitch – o que me rendeu boas risadas em canais como Nautilus e do Tototo, com os vlogueiros reclamando dos bugs. No entanto, mesmo com tantos interesses, houve perdas financeiras.
Com a queda das ações, estima-se que os fundadores da CD Projekt Red perderam algo próximo de US$ 1 bilhão. Isso pressionou a empresa a produzir patches de correção ainda neste mês de janeiro. A repercussão da versão de consoles foi tão ruim que a PSN, o sistema digital da Sony, tirou o jogo do ar.
Tudo porque ela não tem um sistema de reembolso tão desenvolvido e mais atuante quanto a loja do Xbox One.
Mesmo com esse verdadeiro desastre nos primeiros dias de jogo, ele deve recuperar perdas com as atualizações ainda em 2021. No entanto, o game era prometido para o começo de 2020 e foi adiado pelo menos três vezes no mesmo ano. Algo muito errado estava acontecendo dentro da CD Projekt Red.
O que aconteceu de errado no estúdio polonês
Diferentes reportagens do jornalista investigativo Jason Schreier na Bloomberg (ex-Kotaku) ouviram fontes de dentro da CD Projekt que não se identificaram. Os relatos mostram que alguns trailers apresentados não mostravam, de fato, algo próximo do jogo final. E a informação mais grave veio no cronograma de desenvolvimento.
Com o sucesso de seus antigos projetos, ela recebeu dinheiro público do governo polonês. Nem isso impediu o que aconteceu.
O jogo foi anunciado em 2012, mas só andou de verdade em 2016, quando parte do time do Witcher se focou no desenvolvimento. E eles entraram com uma missão impossível: fazer o engine (motor gráfico) junto com o mundo aberto do game. Tudo ao mesmo tempo.
Não tinha como dar certo.
E esse mesmo cronograma previa o jogo para 2022. Mas a diretoria executiva antecipou o lançamento em dois anos.
Resultado: Problemas de gameplay e muitos, mas muitos, bugs.
E qual é o barato da história?
Mesmo com todos esses problemas elencados, a história tem aspectos que chamam a atenção. Night City tem um design vertical que te dá vontade de explorar os espaços planos gigantes e os prédios com muitos ambientes. E o enredo te pega de verdade quando você é ferido de maneira quase mortal e ganha as memórias do lendário personagem Johnny Silverhand.
Uma mistura de revolucionário anarquista, guitarrista com mão biônica e fumante, Johhnny morreu cinco décadas atrás tentando destruir a Arasaka. Ele sobreviveu como memória digital num biochip.
Agora ele está na sua mente. Ao longo dos diálogos e das missões, você tem que escolher se quer pedir ajuda para exterminar Johnny Silverhand e tentar retornar a sua vida ou permitir que ele realmente tome conta do seu corpo.
Você e ele, ocupando um mesmo corpo, desenvolvem relacionamentos românticos que podem ser heterossexuais ou homossexuais (dependendo do V que customizar). Há muita representação de outras etnias e até de personagens trans no jogo. Mas ele ainda é bastante superficial e até preconceituoso na diversidade que pretende apresentar. A gangue de personagens negros, por exemplo, se chama “Vodu” – o que mostra um clichê e uma reprodução muito reducionista do que eles podem se mostrar.
Mesmo com essas falhas, a história acaba por te envolver mais do que as mecânicas e o gameplay. Você percorre por seis finais cumprindo missões que são bastante parecidas.
Consegue novas armas e carros, até destravar os requisitos para tomar escolhas diferentes par a vida de V.
Um espetáculo visual
Eu gostei de Cyberpunk 2077? Pelo lançamento desastroso, dei notas baixas. Mas eu gostei do game sim.
E muito da atração pelo jogo vem da sua direção de arte, do design do cenário, além do jogo de luzes no amanhecer e do pôr-do-sol – e o neon à noite. Embora dirigir carros não seja uma experiência agradável e a física de impacto não funcione bem, dirigir uma moto a la Akira me inspira a continuar apreciando o título.
Chegando perto do final do game, você se sente inspirado a vasculhar Night City e sentir seu cenário vivo. O deserto dos arredores, o mar poluído e os prédios brilhantes tornam esse horroroso mundo um belo lugar para se visitar.
E revisitar.
O fator replay do jogo vai diretamente na mão do deslumbre visual: Você se sente inspirado a recomeçar o game e mudar o design do personagem V para ir explorando mais esse mundo.
Cyberpunk 2077 exemplifica o fracasso de um grandioso jogo triple A, com a exploração de trabalhadores que aconteceu em títulos similares como Red Dead Redemption 2 e The Last of Us Part 2. Os desenvolvedores da indústria precisam de tempo e de subsídios financeiros para produzir jogos melhores.
Pressão por pressão gera resultados quebrados e insatisfatórios como esse game – que eu gostei.
Gráficos: 6 (por causa dos bugs)
Jogabilidade: 5 (por causa dos bugs)
Som: 7
Replay: 9,5
Nota final: 6,87
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