Por Pedro Zambarda, editor-chefe do Drops de Jogos.
A cobertura do Marco Legal dos Games, o PL 2796, na imprensa especializada em jogos e na generalista segue fraca, desinformativa e rasa como pires. Duas exceções são completamente distintas à regra. Pedro Henrique Lutti Lippe, freelancer do site The Enemy (Omelete), produziu uma bela entrevista para seu canal pessoal sobre o assunto.
A segunda exceção é da repórter Maria Eduarda Cury, do IGN Brasil, que me entrevistou e trouxe uma informação nova sobre o caso: o senador Irajá, responsável pela inclusão dos fantasy games no PL e relator no Senado, viajou com Danilo Trento e Flávio Bolsonaro para conhecer cassinos em Las Vegas, Estados Unidos, em janeiro de 2020, pouco antes do boom das casas de apostas esportivas virtuais durante a pandemia.
Para quem não se lembra, Trento é o empresário que esteve envolvido em investigação de empresa farmacêutica pela CPI da Covid por suspeitas de corrupção no caso das vacinas. Os três também teriam se encontrado com o falecido Sheldon Adeson, que chegou a financiar a campanha política de Donald Trump e é conhecido como o “magnata dos cassinos”.
As exceções não mudam a regra. A Folha de S.Paulo dá exemplo de antijornalismo em dois textos. Você pode acessar aqui e aqui.
Um texto é escrito por Fernando Rossi Lameiro, diretor fiscal da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), defendendo o Marco Legal dos Games, de autoria do deputado Kim Kataguiri (União Brasil), com os tais dos “fantasy games”. Lameiro não traz, essencialmente, nenhuma informação nova.
Repete uma pesquisa da Newzoo, que o setor conhece amplamente, e menciona transações dentro do mercado de eSports. Fantasy Games são eSports? Fantasy Games são parte do desenvolvimento de games? Não sei responder a vocês. Ele sequer menciona a pesquisa do MIT que aborda fantasy games, aquela que foi amplamente repetida em sessão pública no Congresso em 20 de setembro.
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E há um ataque covarde de Lameiro no mesmo texto da Folha:
“Aprovar o texto da forma como veio da Câmara é essencial. Não há espaço para preciosismos, sob pena do projeto retornar para a Câmara, ficar esquecido e o mercado seguir carente de regulamentação. É preciso avançar. Tampouco cabe propor que os games possam ter acesso a fundos destinados pela Lei Paulo Gustavo a setores da cultura, duramente impactados pela pandemia. Enquanto cinema, teatro e música ficaram vazios com a reclusão das pessoas, os games viveram incrível ascensão. Desviar recursos desses setores para os jogos, além de indevido, é imoral”.
Fernando Rossi Lameiro provavelmente é muito mal informado e está sendo incentivado pela ABFS a atacar os games que se inserem no setor cultural. Nos Estados Unidos, games são tão próximos de Hollywood que quase tiveram uma greve de artistas similar. A E3 ocorria em Los Angeles, perto dos astros de filmes. Na Europa, game é tratado como ativo cultural. Para Lameiro, é mais fácil cortar os editais públicos que incentivam uma pequena indústria de desenvolvimento de jogos no Brasil com cerca de mil empresas.
“Sem mamata da Lei Rouanet”, poderia dizer Lameiro, imitando argumentos da extrema direita.
O segundo texto é de Rodrigo Terra, presidente da ABRAGAMES, a associação de devs nacional. O artigo lembra que 15 associações regionais não aceitam um PL que beneficie apenas fantasy games. E esses desenvolvedores não reconhecem jogos de aposta como videogame.
O texto de Terra resume questões importantes, mas é de se perguntar como está a Folha de S.Paulo nesse processo? Ela foi apurar a história para saber qual é a verdade?
Jornal com 102 anos, Folha já não é mais o maior jornal do Brasil. Perdeu em tiragem para O Globo. Em reportagens recentes sobre o Marco Legal dos Games, não sabe dizer se fantasy games são apostas ou não.
Se restringe a reproduzir declarações da ABFS, de forma protocolar.
Não consegue publicar que a empresa Bet365, de jogos de azar, já tem fantasy games prontos para lançar caso o PL seja aprovado no atual formato, tirando bilhões de impostos de bets que iriam para o governo Lula. Essa informação foi corretamente apurada e publicada por este Drops de Jogos.
Com centenas de repórteres, a Folha não é capaz de fazer um texto dizendo o que realmente está acontecendo no caso do Marco Legal dos Games?
Estaria a Folha de S.Paulo recebendo algum benefício dessas empresas de fantasy games? Por que seu concorrente, o Estado de S.Paulo, também não está cobrindo o caso, meramente reproduzindo a ABFS?
Será que é porque a associação dos fantasy games tem mais de três assessorias atuando na imprensa?
São apenas perguntas. O dever do jornalista é fazer as perguntas corretas e obter as respostas verdadeiras. O que não dá é aturar esse “doisladismo” e chamar isso de bom jornalismo.
Ouvir o outro lado dentro de uma reportagem é uma boa prática jornalística que a Folha de S.Paulo popularizou no Brasil, emulando o New York Times. Mas, ao dar dois lados de maneira solta e não ir à campo para apurar, a publicação só faz um desserviço. A verdade continua sendo uma só, como lembra o jornalista Jonatan Foster:
“Se alguém diz que está chovendo e outra pessoa diz que está seco, seu trabalho não é publicar as duas versões, mas olhar pela janela e verificar qual delas é a verdadeira”.
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Vocês acham que de algum Lameiro sai coisa boa???