Pois bem… Qual foi minha surpresa quando eu abri o Toren e logo entre os primeiros cinco e 10 minutos de jogo percebi que eu realmente não estava curtindo? Decidi me manter no jogo por mais alguns minutos para tentar lutar contra a minha primeira impressão e contra uma possível expectativa não correspondida – por conta de todo o marketing ao qual lembro ter sido exposta.
A parte chata é que isso não funcionou. Eu realmente não gostei do jogo. É claro que ele tem pontos positivos, mas eles não foram suficientes para fazer minha experiência ser minimamente proveitosa. Por isso, mais do que uma crítica, decidi fazer dessa resenha um apanhado de dicas que eu considero válidas para os devs, em especial os menos experientes.
Identificação dos problemas e como eles podem servir de exemplo
Minha primeira reação foi ficar triste por não ter gostado de um jogo brasileiro, afinal, eu quero ver a nossa indústria de games ser bem representada. Foi aí que, conversando com amigos, percebi que criticar é a minha forma de ajudar a indústria a melhorar.
O que é interessante é que boa parte das coisas que me incomodaram no Toren são erros que eu vejo sendo repetidos em outros títulos nacionais e que sempre jogam contra os desenvolvedores.
Gráficos detalhados: A favor ou contra?
Toren, na minha opinião, falhou na direção de arte e criou cenas com cores que não combinam ou que são apagadas demais, sem tratamento de foco e que acabaram ficando bem desagradáveis, como nesses exemplos abaixo.
Além disso, existem vários modelos e texturas que estão bem menos trabalhados do que outros, deixando a qualidade visual do jogo um tanto inconsistente. A impressão é que o projeto nunca chegou na fase de retoque e polimento. Quatro anos de produção, lançamento atrasado, e falhas no restante do jogo fazem parecer provável que o time não estava preparado para produzir um jogo com esse escopo de arte e gráficos.
É incrível o quão longe a tecnologia nos trouxe e a grande maioria das pessoas fica vislumbrada na qualidade dos gráficos nos filmes e nos jogos, que já se assemelham tanto à realidade. Porém, apesar dessa possibilidade, talvez você deva se perguntar: O meu jogo precisa deste tipo de realismo?
E, eu tenho condições – tempo, dinheiro e know-how – para executar esse realismo?
Por trás de cada título 3D, AAA, com gráficos surpreendentes, existe uma equipe gigantesca de profissionais experientes com recursos e um budget quase infinito para concluir o trabalho. Essa não é a realidade do indie. No entanto, isso não significa que o indie tenha que ter um gráfico ruim, ou não possa ser 3D. Não, não, não.
O mais importante é fazer bem feito, ter personalidade, e estar dentro de uma expectativa alcançável pelo seu time. Pense em títulos como o Super Meat Boy, Never Alone, Thomas Was Alone, Evoland, To The Moon. Deixe o seu projeto de um tamanho ideal para que ele possa ser concluído com qualidade no estilo que você decidiu seguir. Uma boa composição não tem a ver somente com quantidade, cores, ou gráficos; na verdade, é quase sempre o contrário: o excesso de informação cria um caos visual que não fica agradável aos olhos.
Já diria Mies Van der Rohe: Menos é mais. Balanceie o visual e seja claro no seu intuito e direcionamento.
Referências: Como identificar seus pontos fracos
Tão importante quanto ter referências na hora de criar seu próprio jogo é saber filtrar as melhores, mais relevantes ou mais úteis características de cada uma delas. Um estúdio indie – por via de regra – não tem condições de se inspirar e reproduzir integralmente nenhum título, especialmente quando esse é um AAA. Quanto mais cedo isso for aceito – preferivelmente na fase de idealização, conceituação – menos o seu jogo vai sofrer na etapa de produção e melhor será o resultado final.
Independentemente de quantas referências serão usadas, também vale a pena analisar se o público precisará de um conhecimento prévio específico para aproveitar ou entender o seu jogo, o que foi um dos incômodos que o Toren causou em um amigo, que aparentemente entendeu a ideia do jogo bem melhor depois de ter jogado Ico – game de Playstation 2 e 3 no qual Toren foi inspirado.
Referências não são bibliografias. O público precisa entender 100% do que é o seu jogo mesmo sem conhecer outros games que você gosta. O seu produto precisar ser completo e autoexplicativo.
Outra dica legal: Nenhum jogo é perfeito. O que isso significa? Que é muito válido ter senso crítico sobre quais foram os pontos fortes e fracos de cada título no qual você vai se inspirar, assim você tem menos chances de cometer os mesmo erros daqueles que vieram antes de você.
A história
Eu já comentei na minha resenha do Hollow Knight o quanto valorizo uma história bem escrita e bem contada. Joguei pouco do Toren, mas o suficiente para me sentir completamente perdida com os acontecimentos e com a história. Nada ficou muito claro.
O que eu entendi: A menina começa já crescida indo enfrentar um dragão e perde a luta. A partir daí ela vaga entre um mundo dos sonhos – revivendo memórias – e um mundo real, onde começa bebê e engatinhando, e vai crescendo depois de conversar com uma estátua.
A questão é que um jogo não é pior ou melhor do que o outro por ter mais ou menos história. Isso é uma opção, que, quando bem trabalhada, pode ter sucesso de uma forma ou de outra.
Particularmente, sempre acho que optar pelo simples é mais seguro: uma narrativa clara e linear. Se você quer dar ênfase nessa parte do seu game, não tenha medo de fazer algo diferente ou mais rebuscado, porém, tente garantir que alguém que nunca encostou no seu jogo precise de pouco tempo para entender pelo menos por alto do que tudo aquilo se trata.
Ouvi em um treinamento para apresentação de palestras que os 3 primeiros minutos da sua apresentação garantem o seu sucesso ou o seu fracasso. Se você conseguir prender a atenção e despertar a curiosidade da sua audiência nesses primeiros minutos, você pode ter certeza que eles vão criar um senso de valor sobre o conhecimento que você está prestes a transmitir e isso fará com que eles não te abandonem – mesmo se alguns minutinhos no meio do caminho forem mais chatos.
Uma história bem escrita, com um bom gancho inicial é tudo o que você precisa para manter a atenção do jogador e a partir daí poder desenvolver a narrativa na velocidade e através do método que te parecer mais interessante.
A jogabilidade e o som
Aqui acho que entra o óbvio: os controles precisam ser responsivos e intuitivos. Faz toda a diferença sentir que o seu joystick é uma extensão da personagem que você controla. Para isso, os movimentos das animações precisa parecer natural e fluído e tudo que eu senti em Toren foi um resultado desajeitado.
Junto do movimento, as colisões também são estranhas. Por vezes eu não sabia se podia pisar em certos lugares, não sentia que eu estava pisando na superfície corretamente. Superfícies curvas e com muito volume ou ondulações merecem uma atenção especial quando a colisão é criada com caixas, pois a personagem pode acabar enfiando o pé na textura ou caminhando pelo ar.
Para fechar o conjunto da obra, vale lembrar que música, sons ambientes e efeitos sonoros também requer atenção e cuidado.
Mesmo que as vezes fique inviável colocar um som para cada interação, cada NPC, cada objeto que se movimenta na cena, faça uma análise sobre quais efeitos são indispensáveis para criar a atmosfera do seu game. Toren me pareceu um jogo mudo, especialmente para um jogo com proposta 3D. O tempo todo senti falta de ouvir mais sons ambientes, sons mesclados, de passos, de vento, de plantas, de colisões e quedas.
O veredito
Já deixei esse spoiler lá no começo dessa resenha: Não consigo recomendar este jogo para ninguém. Ainda, para piorar o que já estava ruim, uma amiga me contou sobre uma coisa que eu não quis acreditar. Aqui neste link (aos 24 minutos) o diretor de arte do Toren, Alessandro Martinello, foi questionado sobre a escolha da protagonista feminina e respondeu “a gente queria passar fragilidade diante do dragão,” e continuou “a protagonista feminina passa essa sensação de como é que ela vai ganhar desse cara com as limitações físicas dela".
Enfim, espero que Toren sirva como lição e exemplo (do que não fazer) para os devs brasileiros, que – felizmente – já vem produzindo games cada vez mais impressionantes e com cada vez mais qualidade.
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Mayara Fortin é arquiteta por formação, viajou e viveu pelo mundo, do Leste Europeu aos Estados Unidos. Atualmente trabalha como Relações Públicas do Void Studios, de São Paulo, e é uma fã vidrada em games independentes. Sua paixão pelos indies é tanta que um dia ela pretende conseguir fazer reviews de tudo o que já jogou. Foi a correspondente do Drops de Jogos em Los Angeles, durante a E3 2016.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.