Da Agência BNDES. Para o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o Brasil tem aberta uma janela de oportunidades histórica diante da urgência global por uma transição energética e ambiental. Num momento em que o planeta corre contra o tempo para conter as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, a construção de um modelo industrial descarbonizado será decisiva para as economias – e a humanidade.
Nesse sentido, o governo brasileiro traz ao calendário nacional uma nova política industrial com duplo desafio. Um deles é reverter o processo de “desindustrialização precoce”, imposto ao país desde os anos 1980. Foi quando os reflexos do chamado Consenso de Washington começaram a se fazer presentes na economia nacional – e nem em Washington existe mais esse consenso, como ironiza Mercadante.
Outro desafio, concomitante, é a retomada de uma política industrial guiada pelas exigências da sustentabilidade e da inovação. Desse modo, o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social será crucial para que o Brasil dê seus próximos passos em direção ao futuro.
Segundo Mercadante, o BNDES está baseado nessa nova realidade ao buscar projetos que contribuam para as missões da Nova Indústria Brasil, do Plano de Transição Energética e do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além de ser a instituição que mais financiou energias renováveis no planeta.
É sobre esses desafios que o presidente do BNDES fala nesta entrevista.
O BNDES é um dos principais financiadores de infraestrutura no Brasil. Como isso vai estar ligado à inovação no processo da neoindustrialização?
Estamos diante de uma janela de oportunidades histórica. Em um contexto global, no qual a descarbonização é cada vez mais decisiva, podemos reverter nosso processo de desindustrialização precoce, que coloca o país em uma rota de distanciamento da fronteira econômica, social, ambiental e tecnológica. Temos um imenso potencial e o Brasil é o país do G20 com mais condições de liderar a transição energética e ambiental.
Segundo a Bloomberg, o BNDES é a instituição que mais financiou energias renováveis no planeta e podemos continuar avançando com o hidrogênio verde, a amônia verde e o etanol de segunda geração. Também impulsionar a bioeconomia e os bioinsumos, fundamentais para o agro, setor estratégico da nossa economia. Outros setores em que podemos avançar são a descarbonização da frota naval, o desenvolvimento de SAF verde, além do complexo industrial da saúde.
Com investimentos da ordem de R$ 127 bilhões, nosso setor automotivo, que é aquele que mais gera efeitos interindustriais e que representa cerca de 20% da indústria da transformação, foi revitalizado.
Desse modo, podemos avançar na produção de motores híbridos e na eletrificação da nossa frota de ônibus. Além disso, o Brasil possui reservas estratégicas de minerais críticos, o que nos dá a oportunidade de agregar valor à cadeia produtiva de baterias e outros componentes de mobilidade elétrica.
Por tudo isso, estou convencido de que temos a capacidade de promover e de liderar uma reindustrialização em novas bases, comprometida com as transições energética e ecológica e conectada às inovações da digitalização e da inteligência artificial.
Quais os investimentos que o banco prevê para curto e médio prazo?
Os dados do nosso balanço do primeiro trimestre deste ano, que serão divulgados em breve, apontam para uma onda de otimismo e de retomada do BNDES como grande agente indutor do desenvolvimento brasileiro. Houve um crescimento de 22% nos desembolsos, um salto de 68% nas consultas à possibilidade de acesso a financiamentos do banco e o volume de créditos aprovados cresceu 91% em relação ao primeiro trimestre de 2023.
É o melhor primeiro trimestre em consultas desde 2014, o melhor em aprovações desde 2015 e o melhor em desembolsos desde 2016. No médio prazo, isso sinaliza confiança no novo cenário econômico e expectativa positiva sobre a ampliação do investimento no país.
O Brasil precisa acompanhar iniciativas que estão sendo realizadas pelas principais economias do mundo. O chamado Consenso de Washington não é mais consenso nem em Washington.
Os Estados Unidos têm desenvolvido uma política industrial baseada em protecionismo e concessão de subsídios não reembolsáveis. A União Europeia não é diferente e a exitosa e vigorosa trajetória econômica da China muito menos.
Em janeiro, o FMI divulgou estudo no qual analisa mais de 2 mil medidas de política industrial adotadas em 2023 em países que respondem por 94% do PIB mundial. E encontrou uma utilização cada vez maior de subsídios, barreiras, compras públicas. De acordo com o FMI, é de 73% a probabilidade de EUA, China e União Europeia adotarem no prazo de um ano ainda mais subsídios.
O Brasil não tem as mesmas condições, mas ainda possui alguma. Não dispomos da mesma margem fiscal que economias avançadas. Mas, assim como já fazemos para a agricultura, podemos avançar num fomento focado e transparente para a indústria, como prevê a Nova Indústria Brasil.
Precisamos disputar os espaços estratégicos e nos quais temos mais competitividade. E o BNDES tem estado no centro dessa estratégia. Construímos novas condições de financiamento para inovação, são R$ 20 bilhões até o fim do governo. Com TR, podemos financiar investimentos sustentáveis pelo Fundo Clima, capitalizado com R$ 10 bilhões pelo Ministério da Fazenda, e temos apoiado a exportação de bens industriais.
Para fortalecer ainda mais essa estratégia é importante que o Congresso aprove a emissão de Letras de Crédito do Desenvolvimento, que poderão fortalecer em R$ 10 bilhões o funding do BNDES para impulsionar investimentos no país.
A LCD servirá como instrumento de captação exclusiva para bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar à LCI (Letra de Crédito Imobiliário), à LCA (Letra de Crédito Agrícola), ao CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), ao CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e às debêntures infraestrutura.
Outra pauta fundamental é aprovação do projeto de lei, construído em diálogo com a OCDE e com o TCU, que dá segurança jurídica e transparência para o BNDES retomar o financiamento à exportação de serviços.
Quais setores o senhor acredita que serão mais impactados pelo fomento do banco?
O BNDES está em busca de bons projetos que contribuam para as missões da Nova Indústria Brasil, do Plano de Transição Energética e do Novo PAC, a exemplo das cadeias agroindustriais sustentáveis, do complexo econômico industrial da saúde, da infraestrutura, saneamento e mobilidade sustentáveis, da transformação digital da indústria, da bioeconomia, descarbonização e transição energética, tecnologias de interesse para a soberania nacional, além das cadeias de setores destes segmentos.
Nós temos vantagens e a ambição de liderar a agenda da transição energética e ecológica, promovendo uma neoindustrialização verde e um nova infraestrutura sustentável.
Qual deve ser o impacto econômico dos investimentos do BNDES na neoindustrialização?
O BNDES, ao longo dos seus 71 anos de história, teve enorme participação na industrialização do país. Saiu do BNDES, por exemplo, o desenho do Plano de Metas, no governo Juscelino Kubitschek, entre 1956 e1961, que consistiu no primeiro salto da nossa industrialização mais pesada.
Nos últimos anos, infelizmente a indústria perdeu espaço dentro do BNDES, mas esse quadro que vem sendo revertido pela nossa gestão.
O BNDES é ator fundamental da nova política industrial do governo Lula, que prevê investimentos de R$ 300 bilhões até 2026, visando ao crescimento sustentável e com inovação da indústria nacional.
Nesse sentido, retomando o papel histórico da instituição, em pouco mais de um ano, o BNDES já aprovou R$ 96,9 bilhões em financiamentos à exportação, à inovação e a projetos de sustentabilidade e produtividade. Com o BNDES, a indústria pode mais.
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