Trabalho livre é a definição que dou para o momento em que uma pessoa está engajada em atividades relacionadas à empresa, mas sem qualquer amarra com chefe, cliente, hard deadline, ou qualquer uma das limitações convencionais com as quais ela lida no dia-a-dia. Por isso o nome “livre”.
A iniciativa mais famosa de trabalho livre é a regra dos 20% do Google: Funcionários são encorajados a utilizar um quinto do seu tempo – um dia por semana, quatro dias por mês, até dois meses por ano – em novos projetos relacionados à empresa ou em ideias próprias que possam vir a se tornar produtos. Entre os frutos dessa política, que consta inclusive na carta aberta de IPO da empresa, estão nada menos que Gmail e AdSense, este último responsável por cerca de 25% do faturamento do Google. Calcula aí quanto é isso, amigo.
Mas não adianta olhar apenas o caso do Google, sabidamente bem sucedido, para analisar a iniciativa. O fato é que criar momentos de trabalho livre traz muitos benefícios para uma empresa no médio e longo prazos. Não é à toa que existem livros a respeito: Em The 20% Doctrine, o jornalista Ryan Tate aborda de uma maneira entusiasmada e objetiva os detalhes de se aplicar este tipo de iniciativa.
Não sei se ensinam nos MBAs da vida os motivos de por que a regra dos 20% tende a funcionar bem quando aplicadas nas empresas certas e nas pessoas certas. Venho aqui compartilhar os meus aprendizados a respeito disso na experiência que implementamos na Flux: A Open Friday / AAA Friday.
A iniciativa nasceu como Open Friday, e começou no início de 2014: Uma sexta feira por mês dedicada a criar games novos (5% do tempo, arredondando). Totalmente livre, sem amarras, sem tema, sem nada. Porém, após algumas edições, percebemos que estava se tornando uma Game Jam – tipo de evento em que desenvolvedores correm para terminar um game simples em poucas horas.
Só que não era esse o objetivo: Games corridos não possuíam a ambição e posicionamento de mercado que busco para a Flux. Então demos uma modificada, e criamos a AAA Friday. AAA é o conceito de jogos com orçamentos de desenvolvimento e publicidade astronômicos. Então nosso objetivo passou a ser criar novos conceitos de games sem qualquer restrição técnica ou orçamentária. A ideia é que games com alto potencial surjam a partir de um dia inteiro focado apenas em criação e apresentação de ideias, esta última regada a um happy hour por conta da empresa.
A AAA Friday evoluiu para trazer colegas importantes de mercado para assistir, opinar e cornetar as apresentações. Já trouxemos colegas de empresas grandes, pequenas e da academia. Sempre é muito rico ter uma visão externa sobre o funcionamento interno de algum programa criado para a empresa.
E, após um bom apanhado de edições do evento, divididos entre Open e AAA Friday, posso elencar alguns aprendizados importantes sobre trabalho livre. A última edição do evento ocorreu no dia 5 de setembro.
1) Engajamento vai às alturas
Trabalhar em projetos novos e sem amarras motiva a equipe. Afinal de contas, é muito legal passar o dia todo criando. Todas as pessoas, sem exceção, se animam e se empenham em criar o jogo mais legal que puderem. Independentemente do resultado final, o durante já é extremamente valioso.
2) Competição Saudável
Na AAA Friday, dividimos o time em duas ou três equipes. E, naturalmente, nasce um clima divertido de rivalidade entre os times – “meu jogo é muuuuito mais legal que o seu!”. Essa rivalidade estimula as equipes a criar mais e apresentar melhor, aumentando as chances de nascimento de produtos de potencial real.
3) Um break bem-vindo
Este dia energiza a equipe para o mês. Trabalhamos duro, e temos bastante pressão de tempos em tempos nos projetos. Um dia com pressão beirando o zero ajuda a equilibrar os chacras da galera, trazendo um boost de energia na volta aos projetos.
4) Algumas regras são necessárias
Quando deixamos tudo solto, na Open Friday, houve problemas de desentendimento: parte da equipe não curtia tanto o dia, os times meio que saíam por afinidade de ideias ou do projeto inventado naquele dia, e isso não gerava o resultado esperado. Quando inserimos algumas pequenas regras – horário de entrada fixo, times divididos por sorteio, tema de game pré-sugerido, um guia/template de como apresentar – as coisas se encaixaram melhor.
5) Mas as regras podem, e devem, mudar a qualquer hora
Tenho certeza que daqui a alguns meses, a AAA Friday estará diferente. Isso porque a cada edição, aprendo um monte de coisas baseado na experiência mais recente. Então é preciso manter um olhar flexível para o programa e alterá-lo a todo momento, desde que com bom senso e de olho nos objetivos de sua existência.
6) Paciência, jovem Padawan
Até agora, não surgiu nenhum projeto que de fato justifique um investimento real da empresa para transformá-lo em um projeto da casa. E está tudo bem: Estamos aprendendo a trabalhar assim, com trabalho livre. Não pode haver pressa, mas sim um programa sólido que gere frutos mais pra frente.
7) Convidados agregam valor
Quando começamos a trazer pessoas de mercado para o evento, o caráter automaticamente mudou para a melhor: A equipe se compromete a fazer uma apresentação caprichada, e pensa nos detalhes do projeto. Além disso, é uma importante ação de branding da Flux para o mercado em que está inserida, já que é um projeto de longo prazo que gera admiração.
8) Não pense no dinheiro imediato
Parar a empresa toda por um dia inteiro custa um senhor dinheiro. Mas o empresário não pode ter a síndrome da miopia financeira: Este dia deve ser enxergado como investimento, e não como gasto ou prejuízo.
9) Integração do time
Na última edição, havia quatro profissionais recém-chegados à Flux. A AAA Friday funciona como um intensivão de integração dos novatos com os veteranos – e os ganhos disso são pra lá de significativos.
Para fechar, um pequeno conselho: Se você está em dúvida sobre a validade de usar a ferramenta Trabalho Livre em sua empresa, equipe ou grupo de trabalho, experimente! Basta fazer assim:
- Determine um objetivo para a iniciativa
- Estabeleça quanto tempo quer dedicar
- Crie seu próprio formato de funcionamento
- Teste!
- Avalie o resultado e faça tudo de novo
Você com certeza aprenderá muito com a experiência, e conseguirá adaptar o modelo às suas necessidades. Trabalho livre é vida.
Paulo Luis Santos é colunista do site Drops de Jogos no espaço Game Startup, com textos quinzenais sobre negócios, economia criativa e desenvolvimento. Ele é empreendedor, game designer, músico e professor. Fundou, em 2012, o Flux Game Studio, empresa paulistana de desenvolvimento de games autorais e sob encomenda que conquistou clientes multinacionais como Ambev, Banco Bradesco, McDonald's e a publicadora global 505 Games. Com dezenas de pessoas na equipe e mais de 45 projetos de game e gamificação finalizados, a empresa investe também na criação de novas Propriedades Intelectuais e já conquistou dois prêmios brasileiros de desenvolvimento de games educativos com sua abordagem de diversão em qualquer jogo. Diretor de Comunicação e Marketing da ABRAGAMES, é também jornalista pela ECA-USP, pós-graduado em Desenvolvimento de Games pelo Senac-SP e especialista em Gamificação. Atua no mercado de jogo digitais desde 2009, com passagens por grandes empresas de desenvolvimento e de publicação do Brasil, como Level Up! Games e Aeria Games.
Acompanhe Drops de Jogos no Facebook e no Twitter.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.