Garimpos ilegais de ouro reduzem em até 50% os estoques de carbono de áreas mineradas, especialmente durante estações secas. Como consequência dessa emissão, há aumento de até 70% na disponibilidade de mercúrio (Hg) no solo, representando riscos ambientais e de saúde pública, especialmente para comunidades que vivem próximas a esses locais.
Com base em amostras de solo de regiões de mineração ilegal em quatro biomas, pesquisadores brasileiros verificaram que a liberação de carbono para a atmosfera é, em média, de 3,5 toneladas por hectare, enquanto o acúmulo de Hg pode chegar a 39 quilos por hectare. Os resultados estão em artigo publicado na revista Science of The Total Environment.
Para analisar a dinâmica sazonal dos dois elementos químicos, os pesquisadores utilizaram técnicas avançadas, como a extração química, a espectroscopia – que avalia como a luz interage com a matéria para identificar substâncias e entender suas propriedades químicas e físicas – e a termogravimetria, que mede a variação de massa de um material conforme ele é submetido a alterações de temperatura.
Ao fazer as avaliações ao longo do tempo, os cientistas detectaram que a mudança da estação chuvosa para a seca pode elevar em até 20% a liberação de carbono para a atmosfera.
“A matéria orgânica no solo tem papel crucial na retenção de mercúrio. Com a mineração e o desmatamento, além de liberar o CO2 para a atmosfera, contribuindo com o aquecimento global, há um acréscimo na disponibilidade de mercúrio no solo. Além disso, as mudanças das estações do ano promovem aumento na liberação de Hg do solo, podendo favorecer a contaminação de corpos d’água, entre eles nascentes, rios e lençol freático, com grande potencial de chegar aos seres vivos”, explica o engenheiro agrônomo Matheus Bortolanza Soares, pesquisador de pós-doutorado vinculado ao Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Autor correspondente do artigo, Soares recebe bolsa da FAPESP, que também financia o Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCARBON), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) sediado na USP e coordenado por Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, coautor do artigo. Também assina o texto Luís Reynaldo Alleoni, pesquisador vinculado ao CCARBON.
“Nossos resultados realçam que a mudança nas estações climáticas [seca e chuvosa] desempenha papel fundamental na manutenção dos estoques de carbono e na regulação da disponibilidade de Hg. A análise da solução do solo mostrou o esgotamento de carbono devido à conversão de pastagem em área de mineração e ao acúmulo de Hg, o que pode representar sérios riscos tanto para os ecossistemas quanto para a saúde humana. Além disso, a contaminação significativa de mercúrio influenciada por fatores climáticos sugere que as mudanças no clima podem exacerbar o transporte e a biodisponibilidade de Hg, levando a maiores desafios ambientais e de saúde pública”, diz Alleoni, que foi orientador de Soares no doutorado e supervisiona seu pós-doutorado, ambos com bolsa da FAPESP.
Paisagens diversas
Os pesquisadores coletaram as amostras em áreas de mineração de ouro nos territórios dos municípios de Tucumã (PA), Colider (MT), Poconé (MT) e Descoberto (MG), que abrangem os biomas Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica. Para trabalhar nessas regiões, contaram com a ajuda de professores e cientistas de universidades e instituições de pesquisa locais, que fizeram a intermediação com garimpeiros para entrar nas áreas de coleta.
Dados do MapBiomas referentes a 2022 apontam que o Brasil tem 263 mil hectares de garimpo (duas vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro) – dos quais 92% estão na Amazônia. Desse total da floresta tropical, 77% ficam a menos de 500 metros de algum tipo de corpo d’água, como rios, lagos e igarapés.
Considerando os valores médios de estoques de Hg obtidos no estudo liderado por Soares, a estimativa é que esses solos minerados possam abrigar cerca de 10.200 toneladas do metal. A pesquisa destacou que a quantidade de Hg varia significativamente entre os locais analisados, sendo a forma de mineração e a idade dos garimpos os fatores cruciais que influenciaram a dinâmica do mercúrio no solo, afetando diretamente sua concentração e mobilidade.
“Nosso trabalho é pioneiro por ter conseguido quantificar a perda de carbono e o acúmulo do metal nas áreas pesquisadas, além de analisar quanto a mudança das estações do ano afeta esses resultados. Porém, ainda precisamos refinar os dados em escala atômica e molecular para desvendar quais compostos orgânicos têm maior potencial de reter Hg e carbono e compreender melhor o papel do clima nessa interação. Isso é fundamental para avaliar o impacto no Brasil como um todo e os efeitos no clima”, diz Soares à Agência FAPESP.
Os garimpos ilegais – sem registro em agências reguladoras e órgãos ambientais – geralmente usam mercúrio em excesso para viabilizar a separação do ouro dos demais sedimentos, causando uma série de impactos sanitários, ambientais, socioculturais e econômicos.
Na Amazônia, o ouro está presente no ambiente em forma de partículas muito pequenas. Para uni-las e facilitar a extração, é utilizado mercúrio metálico, que forma um amálgama. Quando liberado – após a queima do amálgama ou a lavagem nos rios –, pode sofrer um processo químico (metilação) por ação de microrganismos, tornando-se um composto altamente tóxico.
Ao longo do tempo, os peixes podem acumular o metal em seus tecidos e, quando consumidos, representam risco para a saúde humana. Estudo desenvolvido por cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de instituições amazonenses, divulgado em 2023, revelou que peixes dos principais centros urbanos da Amazônia estavam contaminados pelo metal (leia mais em: Nova metodologia irá facilitar identificação de mercúrio em animais e pessoas na Amazônia).
No organismo humano, o mercúrio provoca distúrbios renais, cardiovasculares e imunológicos, com comprometimento da visão e do sistema respiratório. Também pode afetar o sistema nervoso central, resultando em danos cerebrais e desempenho cognitivo reduzido, como os registrados em indígenas do povo Yanomami de nove aldeias assediadas pelo garimpo em Roraima, segundo estudo da Fiocruz em parceria com a USP. Além deles, os territórios mais ocupados por garimpeiros são as terras indígenas Kayapó e Munduruku.
Estima-se que cerca de 19 mil pessoas, majoritariamente indígenas e ribeirinhos, são diretamente afetadas pela contaminação decorrente da mineração de ouro somente na Amazônia, de acordo com a pesquisa. Nos outros biomas os dados sobre as populações em risco de exposição são menos abrangentes.
No trabalho, os cientistas também citam outro estudo que apontou cerca de 5,4 milhões de hectares de minas legalmente ativas no Brasil, incluindo vários tipos de minério, onde os estoques globais de dióxido de carbono equivalente no solo foram calculados em 1,68 gigatonelada (leia mais em: Áreas de mineração legal no Brasil acumulam 2,55 gigatoneladas de CO2 em vegetação e solo, mostra estudo).
Com base nesses resultados, há uma perda aproximada de até 0,07 gigatonelada de dióxido de carbono equivalente apenas nas camadas mais superficiais do solo, considerando exclusivamente as áreas legais, independentemente do tipo de mineração, e assumindo perdas de carbono semelhantes entre as diferentes regiões.
Alternativas
Segundo os pesquisadores, para mitigar os danos, é essencial fortalecer as políticas de fiscalização da mineração, incentivar a legalização da atividade e implementar programas de educação ambiental direcionados às comunidades locais. Além disso, é necessário utilizar técnicas capazes de reduzir os impactos causados pela disponibilidade de Hg no solo e na água, como a fitorremediação.
Os cientistas estudaram amostras de uma área de mineração abandonada há mais de 50 anos e observaram sinais de restauração da floresta nativa. Nessa área, os teores de carbono no solo são elevados e os níveis de Hg disponíveis são baixos. No entanto, isso demonstra que o processo de restauração é muito lento e, provavelmente, poderia ser acelerado por meio de pesquisas e o uso de novas estratégias de recuperação.
Para Soares, os resultados obtidos são fundamentais para desenvolver estratégias que promovam o aumento da matéria orgânica no solo visando melhorar a retenção de Hg e minimizar as possíveis emissões de CO2. Essas iniciativas contribuem para mitigar a degradação ambiental causada pela mineração, reduzindo os riscos de contaminação e os impactos negativos sobre o ecossistema.
Atualmente na Inglaterra, o pesquisador está em estágio de pesquisa no exterior com bolsa da FAPESP. O objetivo é desenvolver estratégias para reduzir a contaminação ambiental por meio da adição de nanopartículas de biocarvão e resíduos vegetais, além de compreender como as interações do carbono presente nesses materiais podem influenciar o solo e minimizar os impactos causados pela liberação de Hg.
*por Luciana Constantino | Agência FAPESP
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.